
Todo católico que participa da sua comunidade conhece pessoas que, recentemente, se converteram ou retornaram à vida cristã. Mas, muitas vezes, temos a impressão de que esses são casos excepcionais. Não nos damos conta de que o Espírito nunca abandonou a Igreja, nem seus filhos, que o encontro com o Senhor é um milagre que se renova todos os dias, sempre novo e surpreendente, uma grande e fascinante história de amor do Criador para com sua criatura. Neste período pascal, tempo de gratidão e alegria, trazemos três histórias de grandes e improváveis convertidos do século XX: uma feminista militante dos Estados Unidos, um intelectual francês de família ateia e um médico japonês que enfrentou a bomba atômica. Nas três histórias, muito diferentes, encontramos os mesmos elementos: a companhia da comunidade, os mestres na fé, e o fascínio diante da liturgia e dos sacramentos.
TAKASHI NAGAI, UM HOMEM DE DEUS SOB O PESO DA BOMBA

Na devastação nuclear de Nagasaki, no Japão, em 1945, culminava uma das mais belas e dramáticas histórias de amor do Cristianismo do século XX. O convertido Takashi Nagai (1908-1951) recolhia, entre os escombros do bairro Urakami, de profundas raízes católicas, o corpo carbonizado de sua esposa Midori, vinda de uma família de kakure kirishitan (cristãos ocultos), descendentes dos japoneses que haviam preservado sua fé ao longo de séculos de perseguição. Em suas mãos, ela carregava um rosário.
O encontro com os cristãos. Takashi era médico, especialista em radiologia – o que lhe rendeu, por exposição excessiva à radiação, pouco compreendida na época, a leucemia que o matou. De tradição xintoísta, havia se tornado ateu na universidade.
Conheceu o Cristianismo por meio da família da futura esposa, os Moriyama, com quem se hospedou quando estudante. Ao entrar em sua casa pela primeira vez, Nagai foi atingido por uma atmosfera especial: uma paz, uma harmonia, um senso de amor ordenado que ele não conseguia explicar com seus princípios materialistas. Iniciava-se, assim, o seu caminho de conversão.
Espírito inquieto, na casa dos Moriyama, leu Pascal. Em seu diário, escreveu: “Pascal foi um matemático e físico de primeira classe que fez importantes descobertas científicas, mas também era um crente. Este fato por si só foi suficiente para me fazer pensar novamente sobre a relação entre ciência e religião”.
Em um Natal, seus anfitriões o convidaram à “Missa do Galo”. Durante a celebração, teria tido a intuição de que havia alguém mais, vivo e presente na igreja. O sermão do padre sobre a humildade de Deus levou-o a pensar que aquilo correspondia à verdade que pode nos libertar, a verdade pela qual todo coração anseia.
Paralelamente, começou a observar seus pacientes católicos, que lhe pareciam muito mais serenos diante da morte do que os demais. Uma senhora idosa, com câncer avançado, o afetou particularmente. Quando lhe perguntou como conseguia permanecer em paz apesar da dor, ela respondeu: “Meu sofrimento tem significado porque o ofereço a Deus como oração”. Este conceito de sofrimento redentor – estranho à sua compreensão materialista – o marcou profundamente. Ele escreveu depois: “O materialismo científico não tinha estrutura para este tipo de coragem e paz diante da morte. No entanto, eu testemunhei isso repetidamente entre os fiéis”.
A fé em um tempo de provação. Aos 26 anos, Takashi Nagai foi batizado. Anos depois, diria: “No momento do meu Batismo, senti um peso sendo levantado – o peso de ter que acreditar que este universo magnífico e complexo e as profundezas da consciência humana eram meros acidentes da matéria. Eu havia encontrado uma visão de mundo espaçosa o suficiente para abranger tanto a verdade científica quanto as verdades mais profundas do coração humano”. Logo depois, se casaria com Midori Moriyama, inspiradora e companheira em sua jornada de fé. Após sua conversão, Nagai se juntou à Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP), dedicando-se a servir aos pobres e doentes em Nagasaki.
Serviu como médico na Guerra da Manchúria (1937-1940) e, ao retornar para casa, descobriu ter contraído leucemia devido à sua exposição aos raios X. Porém, o momento mais dramático de sua vida aconteceria em 9 de agosto de 1945, quando a bomba atômica caiu sobre Nagasaki. Ferido, escapou da morte por estar trabalhando num bunker de concreto, em função de seus trabalhos como radiologista. Apesar de enfraquecido pela leucemia, foi prestar socorro às vítimas mais próximas. Ao chegar à sua casa, encontrou-a destruída e descobriu os restos carbonizados de Midori, que haveria morrido segurando o rosário.
Em vez de responder com amargura ou desespero, interpretou esses eventos por meio de sua fé católica. Em uma missa de réquiem pelas vítimas do bombardeio, em novembro de 1945, sugeriu que, assim como Cristo havia se sacrificado pelo bem da humanidade, os católicos de Nagasaki também haviam sido vítimas de sacrifício para trazer ao mundo a paz e a noção dos perigos da bomba.
Após a morte da esposa, debilitado pela leucemia, Nagai se retirou para uma pequena casa e se dedicou cada vez mais à oração e à escrita de livros sobre sua experiência religiosa. Sua casa se tornou lugar de peregrinação, recebendo desde o povo simples até personalidades internacionais. Em seu funeral, os sinos de todas as igrejas católicas de Nagasaki, assim como aqueles dos templos de outras religiões e os apitos das fábricas, soaram.
Os Servos de Deus Midori e Takashi Nagai encontram-se atualmente em processo de canonização.
DOROTHY DAY: FÉ CATÓLICA E MILITÂNCIA SOCIAL

Entre as ativistas norte-americanas do início do século XX que lutavam pelo sufrágio feminino, destacava-se Dorothy Day (1897- 1980). Jornalista de esquerda, tendo praticado um aborto e denunciado a hipocrisia cristã… Quem imaginaria que seria aberto um processo para sua canonização no papado de São João Paulo II? Mas Deus é sempre surpreendente, faz do imprevisto a marca da Sua presença.
Na infância, Dorothy já se interessava por religião, lia a Bíblia frequentemente e se descrevia como “repugnante, orgulhosamente piedosa”. Na adolescência, participou do coral de uma igreja episcopal, na qual foi batizada e crismada, tendo predileção pelo Benedictus, o Te Deum e os Salmos.
A fé, contudo, não acompanhou seu amadurecimento intelectual e político. Em um caminho moral tipicamente cristão, aproximou-se dos pobres e escandalizou-se com as injustiças sociais, mas afastou-se da fé e, na universidade, aderiu à militância radical. Durante esse período, além do ativismo que a levou até à prisão, teve uma vida boêmia que depois descreveu como dissoluta, desperdiçada e sensual.
A alegria de ser mãe e o Batismo. Aos 27 anos, foi viver em uma casa na praia com o biólogo anarquista Forster Battingham. Estava feliz, desfrutando as belezas da vida sem abandonar seus ideais político-sociais. Sobre esse período, escreveu: “Era uma paz, curiosamente, dividida contra si mesma. Eu estava feliz, mas minha própria felicidade me fez saber que havia uma outra, maior do que qualquer outra que eu já tivesse conhecido, a ser obtida na vida. Foi nessa época que comecei a rezar mais conscientemente”.
Uma gravidez inesperada a encaminhou ainda mais para a fé católica. Vivia uma alegria que despertou profunda necessidade de adoração e comunidade. Um dia, viu uma religiosa na rua e perguntou como poderia batizar sua filha. Irmã Aloysia ensinou-lhe o Catecismo e a encaminhou para o catolicismo. Em 1927, sua filha Tamar e ela própria foram batizadas na Igreja Católica. Considerava seu batismo uma resposta às “glórias da criação, a terna beleza das flores e conchas, o canto dospássaros, o sorriso do meu bebê”.
Sempre lutando. Contudo, sua religiosidade continuava clamando por engajamento social. Um dia, em 1932, ao chegar à sua casa, encontrou um senhor a esperá-la. Era Peter Maurin, ativista católico francês que a introduziu na Doutrina Social da Igreja, mostrando como esta correspondia aos ideais pelos quais lutara. Gradualmente, sua posição política consolidou-se como personalismo cristão.
Com Maurin, ela fundou o Movimento dos Trabalhadores Católicos e o jornal The Catholic Worker. Começaram com 2,5 mil cópias vendidas nas ruas pela própria Dorothy e amigos. O sucesso foi imediato e, após um ano, sua circulação atingia 100 mil exemplares, distribuídos em todo o país.
Dorothy Day nunca abandonou seus ideais político-sociais, tornando-se pacifista ferrenha, enquanto os Estados Unidos se envolviam cada vez mais nas guerras do século XX. Isso lhe rendeu incompreensão em parte da comunidade católica, mas também reconhecimento pelo Vaticano. Foi apoiadora ativa do Concílio Vaticano II e da busca pela paz contida na Pace in terris e na Gaudium et spes.
OLIVIER CLÉMENT, O HOMEM EM BUSCA DO OUTRO SOL

Nascido em Aniane, sul da França, Olivier Clément (1921-2009) cresceu em um ambiente familiar agnóstico, marcado pelo socialismo militante. Da infância, carregaria duas marcas: o ambiente “solar”, de cores vivas e intensas do Mediterrâneo, e o agnosticismo familiar – em que Deus parecia ausente, os velórios eram longas vigílias de contemplação do vazio e seu pai, um ateu estoico, ensinava que a morte é o nada, mas que é preciso ser bom mesmo assim.
Em um caminho incerto. Apesar desse ambiente, ou talvez exatamente por causa do vazio nele experimentado, Clément, na juventude, despertou para o mistério que envolve o real, buscando algo além do materialismo familiar. Sua primeira aproximação religiosa foi com o Budismo e o Hinduísmo, estudados sem qualquer vínculo formal – bem ao estilo pelo qual os ocidentais se debruçam sobre a religiosidade oriental.
Na Universidade de Montpellier, onde estudou história, conheceu Alphonse Dupront e Henri-Irénée Marrou, que o ajudaram a compreender as religiões como fenômenos históricos e sociais. Dupront tornou-se seu mestre, e ambos chegaram aparticipar juntos da resistência francesa durante a ocupação nazista.
Ao aprofundar seus estudos sobre religiões orientais, sentiu-se incomodado por suas místicas impessoais. Ainda não conhecia o Deus pessoal do Cristianismo, mas começava a sentir-se sufocado por esse Absoluto que lhe parecia um “abismo devorador”. Contudo, por preconceito ou formação pregressa, também não se encontrava no Catolicismo romano pré-conciliar.
O encontro definitivo. No início dos anos 1950, leu o Ensaio sobre a Teologia Mística da Igreja Oriental, de Vladimir Lossky. Impressionado, procurou o autor e foi levado por ele ao Instituto São Sérgio, centro da comunidade católica russa na França. Ali, descobriu não apenas um lugar de ensino teológico, mas um centro vivo de espiritualidade. Impressionou-se com a beleza da liturgia na capela do Instituto, sua dimensão mística e sacramental. Seguiram-se encontros pessoais e intelectuais com figuras como Paul Evdokimov, Nicolas Berdiaev e o Padre Sophrony Sakharov.
A criança fascinada pelo sol mediterrâneo, mas amargurada com o vazio da morte, encontrou finalmente o “outro Sol”(título de sua autobiografia espiritual). Escreveu: “No azul, agora, está inscrito um rosto, o Rosto do Pantocrator crucificado, do Homem das Dores transfigurado”.
Em 1951, batizou-se na Igreja Católica Ortodoxa. Segundo ele: “O Batismo ortodoxo, com seu rico simbolismo de morte e ressurreição, correspondeu perfeitamente à minha experiência interior: era necessário que morresse em mim o homem antigo, do desespero e da revolta, para que nascesse o homem novo, da comunhão e da esperança”.
Clément dedicou o resto de sua vida à teologia ortodoxa e ao diálogo ecumênico. Defendia que o Ocidente precisava do Oriente para reencontrar o sentido do mistério, enquanto o Oriente precisava do Ocidente para colocar esse mistério em diálogo com o mundo contemporâneo.
O Concílio Vaticano II, com sua revalorização da Patrística e busca pela unidade cristã, tornou seu trabalho ainda mais importante e reconhecido. Foi interlocutor de grandes figuras espirituais como o Patriarca Atenágoras de Constantinopla, São João Paulo II, o Irmão Roger de Taizé e Andrea Riccardi, fundador da Comunidade Sant’Egidio.