O mundo sem Deus e o verdadeiro Deus

A seguir, apresentamos trechos de uma carta imaginária que o Cardeal Albino Luciani (Beato João Paulo I) escreveu a G.K. Chesterton, publicada no livro Ilustríssimo amigos (São Paulo: Loyola, 1979). A carta pode ser lida no site da Sociedade Chesterton Brasil, com tradução de Sândalo Cordeiro.

Caro Chesterton […]

Se se remove Deus, o que resta, o que se torna o homem? Em que tipo de mundo nos permitiremos viver? Mas é o mundo do progresso, ouço dizer, o mundo do bem-estar! Sim. Mas esse famoso progresso não é tudo isso que se espera: ele porta consigo também os mísseis, as armas bacteriológicas e atômicas, o atual processo de poluição, todas as coisas que, se nada for feito a tempo, ameaçam levar a humanidade inteira a uma catástrofe. Em outras palavras, o progresso com homens que se amem, considerando-se irmãos e filhos do único Deus Pai, pode ser algo maravilhoso. O progresso com homens que não reconhecem em Deus um único Pai torna-se um perigo contínuo: sem um paralelo processo moral, interior e pessoal, ele – o progresso – desenvolve, de fato, as mais selvagens inclinações do homem, faz dele uma máquina possuída por máquinas, um número manipulador de números, um bárbaro em delírio – diria Papini – que em vez do bastão pode servir-se da imensa força da natureza e da mecânica para satisfazer os seus instintos predatórios, destruidores e orgíacos.

Eu sei: muitos pensam ao contrário de você e de mim. Pensam que a Religião seja um sonho consolador: a teriam inventado os oprimidos, imaginando um outro mundo inexistente, onde encontrar mais tarde o que hoje lhes roubam os opressores. Teriam-na organizado, tudo em proveito próprio, os opressores, para terem ainda sob os pés os oprimidos e adormecer neles aquele instinto de classe, que, sem a Religião, levaria à luta. Inútil recordar que a própria religião cristã favoreceu o despertar da consciência proletária, exaltando os pobres e anunciando uma justiça futura. Sim – respondem – o Cristianismo desperta a consciência dos pobres, mas depois a paralisa, pregando a paciência e substituindo a luta classista pela confiança em Deus e a reforma gradual da sociedade!

[…] Aquele que muitos combatem não é o verdadeiro Deus, mas a falsa ideia que se faz de Deus: um Deus que protege os ricos, que somente pede e reivindica, que seja invejoso no nosso progresso em bem-estar, que do alto espia continuamente os nossos pecados para ter o prazer de nos castigar! Você sabe, Deus não é assim: mas justo e bom ao mesmo tempo; pai também dos filhos pródigos, que quer não mesquinhos e miseráveis, mas grandes, livres, criadores do próprio destino. O nosso Deus é tão pouco rival do homem que o desejou como seu amigo, chamando-o a participar da própria natureza divina e da própria eterna felicidade. E não é verdade que Ele espera de nós exageradamente: contenta-se, ao contrário, com pouco, porque sabe bem que não temos muito.

Caro Chesterton, eu sou convicto com você: esse Deus se fará conhecer e amar sempre mais, por todos, inclusive aqueles que hoje o rejeitam, não porque são maus (são talvez melhores do que nós dois!), mas porque o veem de um ponto de vista equivocado! Eles continuam a não crer Nele? E Ele responde: Sou Eu que acredito em vocês!

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