O realismo humano e o sentido cristão da morte*

Ressurreição de Jesus Cristo. Igreja Ortodoxa Russa
de São Nicolau, Juneau, Alasca. Fonte: Wikimedia

Nossas sociedades secularizadas tentam evitar a morte, de um modo (só aparentemente) contraditório, tentando fugir dela (como na obstinação terapêutica, que, visando salvar um paciente terminal, submete-o a grandes sofrimentos) ou mesmo procurando-a (como na eutanásia). Nesse contexto, como podemos contribuir para recuperar o “sentido cristão da morte”? Como redescobrir o sentido positivo da morte (e do sacrifício) e assim restituir “as razões da nossa esperança”, a alegria que deve determinar a atmosfera geral com que tratamos este tema?

O significado cristão da morte é caracterizado por dois aspectos distintos, mas bastante complementares. Em primeiro lugar, o cristão deve ser capaz de aceitar a morte que a vontade divina decide para ele. Essa aceitação, distante de qualquer fuga irracional, tentação suicida ou glorificação indevida, consiste em desejar, por amor de Deus, o que, visto abstratamente, não é desejável em si. A morte, sem deixar de ser uma provação radical, adquire um sentido positivo à luz da vontade divina, que é dom, permitindo-nos distinguir claramente entre o medo natural e a covardia irracional diante da morte (e, consequentemente, entre a verdadeira coragem e a mera temeridade).

A aceitação cristã da morte representa o único realismo consistente diante dela. Salva e aperfeiçoa aquela sabedoria pagã que sempre compreendeu que, apesar da vida ser um grande bem, não se pode querer estender sua duração a todo custo. O cristão reconhece que aquilo que conta na vida não é sua quantidade nem o que comumente se chama de sua “qualidade” (medida segundo um cálculo hedonista), mas a forma pela qual ela se realiza – e essa realização implica sacrifício, cujo valor positivo deve ser sublinhado. Não se pode reduzir a recuperação do sentido positivo da morte a uma espécie de utopia burguesa, incapaz de perceber a fecundidade do sacrifício.

A fé cristã faz plena justiça a tudo que um saudável realismo laico é capaz de nos ensinar sobre a morte. Mas essa justiça se faz a partir do segundo aspecto constitutivo do significado cristão da morte, ainda mais fundamental. Certamente, a Ressurreição de Cristo, sua vitória sobre a morte, fundada em seu sacrifício de amor, não nos isenta de nossa morte, mas transforma seu sentido, porque faz da morte a entrada para uma vida propriamente sobrenatural, situada além do fim de nossa existência na terra. Ao mesmo tempo, essa dimensão sobrenatural nos permite viver a morte até o fim como experiência da bondade para conosco, criaturas que dependem de seu Criador.

O significado cristão da morte faz justiça ao realismo humano. Recuperar o natural a partir do sobrenatural: esse é o eixo metodológico. Encontrar a vida na própria morte: esse é o resultado.

* Trecho extraído de “Le sens chrétien de la mort” [in] Communio, revue catholique internationale, XXXVII (5), 2012.

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