Agindo com sabedoria e atenção, as famílias podem orientar as crianças para fazerem um bom uso das novas tecnologias.
“Cada nova tecnologia nos oferece uma nova oportunidade e um novo problema”, alertava o educador e crítico cultural americano Neil Postman, falecido em 2003, a respeito da popularização da televisão, quando a internet ainda dava seus primeiros passos. Postman não chegou a conhecer os smartphones, mas é de se imaginar o que diria: pequenos computadores conectados ao mundo inteiro, na palma de nossa mão, certamente nos dão muitas oportunidades de negociar, interagir, pesquisar… e criam um problemão. Não se trata, é claro, de demonizar o avanço tecnológico: é difícil pensar em um problema causado pelo advento da geladeira ou da máquina de lavar, quiçá os primeiros eletrodomésticos a revolucionar a vida familiar. Quando, nos idos de 1950, a televisão chegou à sala, o assunto ficou mais complexo: junto à democratização da informação e do entretenimento, veio a cultura de massas e os questionamentos (que seguem em voga) acerca dos impactos que não apenas o conteúdo, mas a nova forma de se distrair, teriam sobre as novas gerações. Em meados de 2010, teve início a revolução à qual todos testemunhamos: os celulares “inteligentes”, intrinsecamente ligados às redes sociais, ao alcance de quem desejá-los.
Muito tempo nas telas. Neste caso, contudo, os problemas são bastante evidentes: os brasileiros passam em média 9 horas e 32 minutos por dia diante de telas, predominantemente em dispositivos móveis. Em média, crianças de 8 a 12 anos já passam mais de 4 horas por dia, e os adolescentes de 13 a 17 anos, mais de 7 horas. Em contrapartida, este mesmo público está mais ansioso, irritado e deprimido; com problemas de imagem corporal e de autoestima e toda sorte de transtornos psicológicos relacionados à dependência de uso de tela que aumentam o risco de comportamentos autolesivos e suicídio.
Um estudo com mais de 40 mil crianças e adolescentes, de 2 a 17 anos, constatou que o aumento do tempo de tela estava associado à piora de indicadores de bem-estar psicológico, implicando ainda em menor curiosidade, menor autocontrole emocional, maior distração, maior dificuldade em fazer amigos, mais birras e maior dificuldade em terminar tarefas.
Não se pode negar, contudo, que os percalços do cotidiano – o excesso de afazeres, a ausência de rede de apoio, de espaços ao ar livre, entre outros – levam muitos pais a recorrerem às telas como um recurso necessário. Neste sentido, portanto, cabe evitar julgamentos precipitados e preocupações excessivas: há que se achar o caminho do meio. Especialistas hoje diferenciam desenhos de alto estímulo, cheios de cores vibrantes, sons estridentes e muitas mudanças abruptas por segundo, dos de baixo estímulo, nos quais predominam cores pastéis, diálogos lentos e com início, meio e fim, e de fundo estático (pais millennials devem se lembrar, por exemplo, dos antigos desenhos da TV Cultura como “Caillou” e “O Pequeno Urso”, muitos disponíveis na internet).
O contexto para consumo de telas também importa: além de selecionar o conteúdo, pais que precisam de alguns minutos de descanso podem sentar-se ao lado dos filhos e assistir algo juntos, conversando e interagindo. Podem dar preferência a dispositivos que estão à vista de todos na casa e dos quais a criança pode usufruir a alguma distância (como se sentar no sofá para ver TV) a tablets ou celulares que ficam a poucos centímetros do rosto e reduzem a capacidade de controle dos cuidadores. Assim descreve a educadora Catherine L’ecuyer, referência no assunto: “É muito diferente que uma criança veja desenhos animados rápidos ou lentos. Com ou sem os pais. Com dois anos ou seis. Meia hora por dia ou cinco horas por dia. Com violência ou sem violência. Porque seus pais estão convencidos de que aprenderá inglês – está comprovado que esse não é um método que dá resultados permanentes – ou porque é uma forma de sobreviver durante a tarde enquanto seus irmãos menores tomam banho”.
Pais e filhos juntos. Também é essencial que os pais liderem pelo exemplo: que reservem, dentro do possível, mas sabendo que isso implica um mínimo de esforço, um horário específico todos os dias para estar com a criança em atenção plena, sem espiar os próprios celulares. Para estes momentos, brincadeiras ao ar livre, atividades de coordenação motora fina, envolvimento nas atividades domésticas e leitura em voz alta são excelentes opções. Para os adolescentes, atividades extracurriculares e o franco diálogo sobre os sentimentos do mundo real podem ajudar no fortalecimento da autoestima, além dos limites e regras claras e, novamente, do exemplo. Estudos indicam que nada é mais decisivo para a formação de crianças e adolescentes leitores do que a consciência de pertencer a uma família que valoriza o hábito. O mesmo há de se aplicar a outras esferas. Se formos adultos que valorizam a atenção, o silêncio, a natureza, a cultura e a boa convivência, nossos filhos hão de ser também.
SUGESTÃO DE LEITURA
L’ECUYER, Catherine. Educar na realidade. São Paulo: Editora Fons Sapientiae, 2018.
RIBEIRO, Renato. 25% dos países têm leis que proibem uso de celular nas escolas. Agencia Bra- sil, 2023. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/educacao/audio/2023-07/25-dos-paises-tem-leis-que-proibem-uso-de-celular-nas-escolas