Pérola no pontificado de Francisco: a renovação do estudo da história da Igreja

A grande contribuição da história para uma justa compreensão do que é a Igreja e a identidade cristã

JEAN-LÉON GÉRÔME, A Última Oração dos Mártires Cristãos (detalhe). Fonte: Wikipedia

O Papa Francisco presenteou a Igreja e a sociedade com uma belíssima Carta sobre a renovação do estudo da história da Igreja, em 21 de novembro de 2024. Trata-se de uma pérola para a Igreja. O Pontífice sublinhou, para os jovens estudantes de Teologia, a necessidade premente de “uma sensibilidade histórica”, sublinhando a importância de situar fatos e acontecimentos, no tempo e no espaço, indicando a prioridade em “despertar uma clara familiaridade com a dimensão histórica própria do ser humano”. Adiantou-nos que é valiosíssimo “alimentar o laço que o liga às gerações que nos precederam, para manter acesa a chama da consciência coletiva”. Garantiu-nos que, “uma correta sensibilidade história ajuda cada um de nós a ter um sentido de proporção, um sentido de medida e uma capacidade de compreender sem abstrações perigosas e desencarnadas”. Acrescentou-nos que “o estudo da História nos protege do monofisismo eclesiológico… apresentando uma Igreja que não é real, pois não tem as suas manchas e rugas”, pois “o estudo da História da Igreja ajuda-nos a olhar a Igreja real […]É uma retificação àquela terrível abordagem que nos faz compreender a realidade somente a partir da defesa triunfalista da própria função ou papel. 

Na Carta, considerou urgente e necessário reconhecer as “narrativas históricas tendenciosas”, para que não aconteça o “apagamento do passado e da História”. O Papa Francisco alertou-nos que o trabalho dos historiadores deve “funcionar com um freio às mistificações, aos revisionismos interesseiros e a esse uso público particularmente empenhado em justificar guerras, perseguições, produção, venda e consumo de armas e tantos outros males”.

O Papa Francisco deixou-nos o seu testemunho autêntico e profético, quando na Carta expressou: “Temos hoje uma enxurrada de memórias, muitas vezes falsas, artificiais e até inverídicas, e ao mesmo tempo uma ausência de História e de consciência histórica na sociedade civil e também nas nossas comunidades cristãs”. O Sumo Pontífice alertou-nos que “não podemos lidar com o passado a partir de uma interpretação rápida e desligada das suas consequências”. Lembrou-nos, também, que “algo fora de contexto serve apenas de pretexto”.

Na Carta, o Papa Francisco enumerou sete pequenas observações sobre o estudo da História da Igreja: 

  • “O risco de que este tipo de estudo possa manter uma certa abordagem meramente cronológica ou mesmo um desvio apologético, que transformaria a História da Igreja em um mero suporte da História da Teologia ou da espiritualidade dos séculos passados”. 
  • “O reducionismo generalizado […] incapaz de entrar verdadeiramente em diálogo com a realidade viva e existencial dos homens e mulheres do nosso tempo […] A História da Igreja […] não pode ser desligada da história das sociedades”. 
  • “Uma educação ainda inadequada no que diz respeito às fontes. Por exemplo, aos estudantes raramente são dadas as condições para que leiam textos fundamentais do Cristianismo antigo, como a Carta a Diogneto, a Didaqué ou as Atas dos Mártires. Quando as fontes são de alguma forma desconhecidas, faltam os instrumentos para as ler sem filtros ideológicos ou pré-compreensões teóricas que não permitem uma assimilação viva e estimulante”. 
  • “A necessidade de ‘fazer História’ da Igreja – assim como de ‘fazer Teologia’ – não só com rigor e exatidão, mas também com paixão e envolvimento […] porque se ama a Igreja e se a acolhe como Mãe tal como ela é”. 
  • “A ligação entre História da Igreja e Eclesiologia. A investigação histórica oferece uma contribuição indispensável para a elaboração de uma Eclesiologia que seja verdadeiramente histórica e mistérica”. 
  • “O desaparecimento dos vestígios daqueles que não souberam fazer ouvir a sua voz ao longo dos séculos, o que dificulta uma fiel reconstrução histórica […] Não será um campo de estudo privilegiado, para o historiador da Igreja, trazer à luz, tanto quanto possível, o rosto popular dos últimos, e reconstruir a história das suas derrotas e das opressões que sofreram, mas também das suas riquezas humanas e espirituais, oferecendo instrumentos para compreender os fenômenos de marginalidade e de exclusão hoje?” 
  • “A História da Igreja pode ajudar a recuperar toda a experiência do martírio, tendo consciência de que não há História da Igreja sem martírio e que esta preciosa memória nunca deve ser perdida […] Precisamente onde a Igreja não triunfou aos olhos do mundo, foi quando alcançou a sua maior beleza”.

Leciono História da Igreja, Períodos Antigo e Medieval, para os estudantes da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC-SP. No meu Plano de Ensino, apresento quatro pérolas da Patrística: Carta de São Clemente Romano aos Coríntios; Cartas de Santo Inácio de Antioquia; Carta a Diogneto e Didaqué. Fiquei felicíssimo quando o Papa mencionou a necessidade dos estudantes de Teologia estudarem as fontes. É importantíssimo assegurarmos para os estudos da Teologia a Sagrada Escritura, a Tradição Apostólica e o Magistério da Igreja.

Comentários

  1. A carta do papa Francisco sobre a “Renovação do Estudo da História da Igreja”, de 21 de novembro de 2024, apresenta uma proposta laboriosa pois, como diz o texto, “trata-se de estudo que serve para se questionar, para não se deixar anestesiar pela banalidade” esta que realmente afasta ou desvia do compromisso da edificação dos inúmeros trabalhos eclesiais. Obrigada, pe. Ulisses!

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