A diversificada obra do escritor inglês Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) abrange os campos da Filosofia, da Teologia e da Literatura. Sua criação mais famosa talvez sejam os contos protagonizados por Padre Brown, um sacerdote católico capaz de resolver intrincados crimes graças à sua compreensão da natureza humana, cujas aventuras foram objeto de recente adaptação televisiva. A inusitada fusão entre padre e detetive ilustra um aspecto fundamental da obra de Chesterton: o convite ao uso pleno da razão, necessário tanto para decifrar a autoria de um delito quanto para encontrar uma resposta à pergunta sobre o sentido da vida. Assim, de forma inteligente e lúdica, o autor chama a atenção para o tradicional debate entre fé e razão.
O mesmo tema reaparece em O Homem que Foi Quinta-Feira, o divertido livro de que nos ocuparemos aqui. O romance principia por um debate entre dois personagens também incomuns: Syme, um policial-poeta, defensor da ordem e da moral, e outro poeta, o anarquista Gregory, que canta a beleza do caos e da violência. A partir disso – e informado de que Chesterton converteu-se ao catolicismo em 1922 –, o leitor pode supor que o objetivo da obra seja a simples reprodução da disputa entre as duas posições, a fim de “comprovar” o erro do anarquismo. Mas não é disso que se trata.
Após a discussão entre os dois poetas, Syme vê-se envolvido numa incrível aventura, cheia de reviravoltas e revelações surpreendentes. Por trás do enredo policial, desenvolve-se uma história em que o enigma a ser desvendado não é apenas a descoberta da identidade do misterioso líder do Comitê Central dos Anarquistas. O que está em jogo, na verdade, é a busca por compreender o mistério da realidade, aquilo pelo que vale a pena viver.
Percorrendo as inúmeras peripécias narradas no romance, o leitor percebe aos poucos que nada é o que parecia de início. Conhecido como o “príncipe dos paradoxos”, Chesterton acaba por demonstrar que a solução para o enigma da existência não está numa ideologia – seja na proclamação de valores morais ou do bom-senso (como no caso de Syme), seja na declaração da autonomia radical do homem, rejeitando toda forma de “submissão” a governos ou até a Deus (como prega o anarquismo de Gregory). Tanto é verdade que, na discussão entre os dois, no início do livro, ambos soam esquemáticos e um pouco ridículos.
Que fique claro: o autor está longe de ser relativista, insinuando que tanto faz escolher uma ou outra das opções descritas. O que ele sugere é que todo homem, para além de sua opção ideológica, é caracterizado por uma busca, por uma pergunta diante do mistério do ser. Esse é o motivo pelo qual, por meios inesperados, descobre-se com surpresa que policiais e anarquistas têm muito em comum.
Em suma, por trás de sua história engraçada e envolvente, O Homem que Foi Quinta-Feira propõe um desafio. Ao estimular a curiosidade do leitor para decifrar o mistério do enredo, o livro representa também um convite a refletir sobre o segredo da própria vida. E para isso, diz o autor, não há respostas fáceis: é preciso persegui-las com toda a liberdade e inteligência, permanecendo abertos às surpresas que certamente surgirão pelo caminho. Mais do que fórmulas prontas, Chesterton enaltece a beleza da aventura humana: a busca de sentido neste mundo, que tantas vezes parece absurdo, mas que também pode ser sinal de um Deus que não deixa de ser bem-humorado.