São Francisco e a excelência ética do humano

Excelência é coragem de ser. Os gregos chamavam “aretḗ”, o vigor, a potência, que leva o ser humano a deslanchar, ser bem-sucedido e feliz nesse movimento de exceler. Os latinos chamavam de virtus: força, vigor do ânimo, coragem, fortaleza do espírito. Virtude leva o ser humano a ser bom, isto é, a alcançar o melhor de si. Ser bom não quer dizer, aqui, ser “bonzinho”. Ser bom quer dizer realizar as possibilidades de ser que nos foram concedidas a partir da nossa própria essência.

“Excelência ética do humano significa a capacidade de o ser humano sair de si (ex) e de se erguer (cellere), superando-se sempre de novo, num caminho de melhoria do próprio ser. Excelência é, então, o movimento de potencializar e de dar o melhor de si, de perfazer-se, maturar-se, consumar-se no próprio ser. É o gosto, a paixão da alegria expansiva de ser. É a jovialidade de ser. Nesse sentido, a excelência indica a vitalidade, a cordialidade de ser” (HARADA, H. A excelência. [in] Revista Filosófica São Boaventura, 14 (2): 29-36, 2020)

O empenho do ser humano de ser bom, de combater o “bom combate” da vida, de per-fazer, de consumar suas melhores possibilidades de ser é a marca do que chamamos de vida ética. O ser humano ético é aquele que busca a “vida boa”, isto é, a vida plena de sentido e de vigor, de alegria de ser, não só para si, mas para todos os homens. É aquele que se empenha, com todas as suas forças, para que o ser humano alcance um “ethos” para seu ser. Esta palavra grega quer dizer, aqui, morada do ser humano entre a terra e o céu, na convivência com os outros seres humanos, em face do divino. Hoje, em tempos de crise da ética, uma das maiores dificuldades é o ser humano encontrar esta morada. E quando ele a encontra? Quando sua essência é abrigada, protegida, salvaguardada, na liberdade da verdade.

São Francisco é, na história da humanidade, uma das figuras mais significativas, sobressalentes, de realização humana, ética. Na Legenda dos Três Companheiros, lemos como ele assumiu o que recebeu da terra, da família, do povo de que ele era oriundo, não como algo pronto, mas, sim, como tarefa de responsabilização. Ele cultivou as “virtudes naturais” do humano com grande nobreza, desde os anos da adolescência e juventude. Sinal disso era a sua cortesia, isto é, sua “largueza e caridade” para com os pobres. Era um excelente comerciante, mas recusou a mesquinhez burguesa da ambição do lucro como medida determinante e orientação de vida. Proclamou com a vida e as palavras que o mero ter, a posse de dinheiro e de bens materiais, não era sinônimo da riqueza essencial, a riqueza de ser. Em busca da superabundância do ser, do tesouro da vida feliz, lançou-se em busca de algo maior, de uma riqueza mais plena. Passou, então, a ambicionar a nobreza social. Frustrado, porém, no caminho da Apúlia, descobriu que a nobreza essencial, a de ser, não se confundia com a nobreza social, a do poder e do prestígio dos dominadores. Ele se viu chamado a voltar para Assis e a encontrar um Senhor que era muito mais rico e nobre do que todos os senhores da terra. Quis, então, servir a este Senhor, o Cristo Crucificado, tornar-se um cavaleiro de sua corte, um campeão da sua Dama, a Senhora Pobreza. E descobriu nos pobres e pequeninos da terra uma riqueza e uma nobreza hermética, na medida que está escondida aos olhos dos que se deslumbram com os valores de um ter e de um poder sem vigor de ser, sem a força originária do bem, isto é, do amor gratuito.

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Valfredo Rômulo Berton
Valfredo Rômulo Berton
1 ano atrás

Ser o que sou me basta .Ser o que é São Francisco, hoje , 800 anos depois me faz meditar o que dá essência dele pode ser vivido em mim . Já comecei a me aproximar desde muito ao Francisco de agora que pode ser , se ele quiser , frei DORVALINO, no seu geito e forma , para nós construirmos o presépio permanente que Dom Jaime nós propõe . Nossa igreja de hoje , que é a de sempre também pode e precisa ser reconstruída , rejuvenescida e até, dependendo de como está , ressuscitada ,( com a licença dele posso enviar a todos a bonita resposta dele sobre o assunto ). Paz e bom domingo de NSJC .

Francisco Araújo, OFS
Francisco Araújo, OFS
1 ano atrás

Excelente texto! Gratidão!

Frei Dorvalino
Frei Dorvalino
1 ano atrás

Talvez valha a pena recordar que quando Francisco fala em “Senhora” o “Dama” Pobreza está vendo Jesus Cristo Crucificado e pensando em em tudo o que Ele fez e faz por nós (Nascimento na estrebaria de Belém, Cruz, Eucaristia), o homem mais excelente de todos os homens, a Excelência em pessoa porque saiu de si , de sua gente, de tudo para buscar o Pai escondido em cada criatura (Cf. Cântico do Irmão Sol), principalmente nos humanos e entre esses, os mais esquecidos, pobres, pecadores e doentes, isto é, os mais necessitados do “Reino” (leia-se reinado, serviço, cuidado) do Pai.