Aparecida: Sinal do amor da Mãe de Deus pelo Brasil

Diante dela se curvaram em prece escravos, imperadores, princesas, nobres, pobres, ricos, pontífices e santos

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Todos os anos, o Santuário Nacional de Aparecida, no interior paulista, recebe em média 12 milhões de peregrinos. De ônibus, de carro, a pé, a cavalo, de motocicleta ou bicicleta, homens e mulheres, de diferentes idades, vão à imensa Basílica atraídos por uma experiência de fé nascida em torno de uma pequena imagem da Virgem Maria de apenas 40 centímetros de altura, encontrada por pescadores nas águas do rio Paraíba do Sul, em 1717.

Nos dias de maior movimento, os fiéis chegam a levar horas em longas filas para poderem, por alguns instantes, elevar suas preces de súplica e agradecimento diante da Padroeira do Brasil. O compositor Renato Teixeira, em sua canção “Romaria”, descreveu com precisão a experiência simples e contemplativa dos romeiros com Nossa Senhora Aparecida: “Só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar”.

E assim, há três séculos, tem crescido a devoção a Nossa Senhora Aparecida. Diante dela se curvaram em prece escravos, imperadores, princesas, nobres, pobres, ricos, pontífices e santos.

Origem

Praticamente nada se sabe sobre a origem da imagem, apenas de se tratar de uma escultura em terracota de Nossa Senhora da Conceição. A devoção se popularizou no Brasil por influência dos colonizadores portugueses, especialmente os missionários franciscanos, grandes propagadores da imaculada conceição da Virgem Maria. Sabese, ainda, que no final do século XVII, os primeiros bandeirantes que passaram pelo Vale do Paraíba a caminho de Minas Gerais levavam consigo imagens sacras.

Alguns estudiosos defendem que a imagem encontrada pelos pescadores em 1717 revela forte influência das produzidas por dois artistas sacros daquela época, ambos monges beneditinos que trabalhavam com a técnica de barro semelhante à da imagem de Aparecida. O primeiro deles é Agostinho da Piedade (1580-1661), do Mosteiro de São Bento de Salvador (BA), considerado um dos pioneiros da arte religiosa brasileira. O segundo é Agostinho de Jesus (1600- 1661), provavelmente discípulo do primeiro, que viveu durante muitos anos em Santana do Parnaíba (SP).

Outra possibilidade é que a imagem tenha sido confeccionada por um “santeiro” anônimo da região, conhecedor da técnica de esculpir com a argila e talvez seguidor de Agostinho de Jesus. No entanto, não há comprovação da autoria.

Segundo informações do Centro de Documentação e Memória do Santuário Nacional de Aparecida, peritos constataram que a imagem primitiva era colorida, tinha a pele do rosto e das mãos brancas, um manto de cor azul escuro e o forro vermelho granada. Essas eram as cores oficiais, conforme determinação do Rei Dom João IV, em 1646, quando tornou Nossa Senhora da Conceição padroeira do Reino de Portugal e seus domínios. Acredita-se que a imagem perdeu a pintura original com deterioração causada pela água e a lama contida no fundo do rio. A coloração escura também se deve à fumaça das inúmeras velas acesas pelos devotos, especialmente nos primeiros anos de devoção.

Imagem sacra

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A única coisa que se sabe com certeza é a circunstância do encontro da imagem e a experiência de fé vivida a partir desse fato histórico. Padre Valeriano dos Santos Costa, Teólogo e Professor de Liturgia da Faculdade de Teologia da PUC-SP, afirmou ao O SÃO PAULO que no encontro da imagem em si, há perguntas que não podem ser respondidas senão pelo horizonte da fé, tais como: “Por que os pescadores não descartaram uma imagem sem cabeça, coisa tão natural naquele tempo no fundo dos rios? Por que ao lançar as redes pela segunda vez, encontraram a cabeça da própria imagem em outro lugar do rio? Por que se seguiu uma pesca abundante em um período de escassez de peixes? Aliás, Paraíba, em língua indígena, significa rio imprestável para peixes”.

O Teólogo explicou, ainda, que o tricentenário de Nossa Senhora Aparecida é uma oportunidade de refletir sobre a vivência religiosa a partir das imagens sacras. Desde os primeiros séculos do Cristianismo, as imagens sagradas fazem parte do culto e da arte cristã. Nas catacumbas romanas, por exemplo, havia inúmeras imagens e pinturas sacras. “A imagem do santo passa ser sagrada, na medida em que é proposta como sinal sensível para veneração ao santo na liturgia. Houve questionamentos, sobretudo no mundo oriental, sobre as imagens de santos. A oposição às imagens foi chamada de ‘iconoclastia’. A Igreja tratou dessa questão no II Concílio de Nicéia e aprovou o uso de imagens sagradas na veneração dos santos, costume que permanece até hoje”, disse.

Mediação visível do sagrado

Para o culto católico, os santos são heróis e exemplos de vida. “Então, cultuá-los implica reconhecer que sua imagem é sagrada, na medida em que se torna mediação visível do próprio santo, como as fotografias e lembranças de pessoas queridas”, acrescentou Padre Valeriano.

Ainda sobre o culto aos santos, a Teologia católica ressalta que esse não se trata de um culto de latria, devido somente a Deus e que consiste em reconhecer nele a divindade. O que se presta aos santos é o culto de dulia, ou seja, veneração, respeito e devoção. No caso de Nossa Senhora, por seu papel e significado na história da salvação, é prestado o culto especial de hiperdulia.

“O fiel católico tem plena consciência de que a imagem não é o santo, mas simplesmente uma imagem com caráter simbólico. Porém, o caráter simbólico não permite banalização, pois o símbolo remete a algo transcendente, algo que supera o próprio objeto material do símbolo. Por isso, nenhum símbolo pode ser banalizado”, salientou Padre Valeriano, citando, como exemplo, o vídeo que circulou recentemente na internet, no qual o artista Antonio Obá aparece nu ralando uma imagem de gesso de Nossa Senhora Aparecida até transformá-la em pó. “Não importa o sentido que ele quis dar. O que importa é que a imagem de Nossa Senhora Aparecida é uma das imagens mais sagradas deste País… Por isso, os internautas estão reagindo em peso contra o que consideram um gesto agressivo à fé e a um símbolo reconhecido pela maioria do povo brasileiro”.

Padre Valeriano completou que a experiência de fé vivida em torno de Nossa Senhora Aparecida conduz a um encontro com Jesus Cristo, centro da fé. “Normalmente, ninguém vai a Aparecida sem participar de uma missa ou se confessar. E isso é voltar para Cristo. Não há nenhuma experiência verdadeiramente mariana que não seja cristológica”, afirmou o Teólogo, reforçando que acreditar na atuação da Virgem Maria no mistério pascal é também um ato de fé.

Manto e coroa para a rainha do Brasil

Santuário Nacional de Aparecida

Em 22 de agosto de 1822, 15 dias antes da proclamação da independência do Brasil, Dom Pedro I visitou Aparecida e prometeu, diante da imagem, consagrar o Brasil a Nossa Senhora, caso resolvesse favoravelmente a situação política que enfrentava com a coroa portuguesa. Anos mais tarde, em 1843, o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina também visitaram a Capela de Aparecida para rezar diante da imagem.

Em 1868, a Princesa Isabel, herdeira do trono brasileiro, participou das festividades de Aparecida, na época celebrada no dia 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição. Acompanhada de seu esposo, o Conde d’Eu, a Princesa rezou para obter a graça de ter um filho. Como sinal de devoção, ela doou um manto ornado com 21 brilhantes, representando as 20 províncias do Império, mais a capital. Em 1884, a Princesa voltou a Aparecida, com seus três filhos, para agradecer a graça recebida, oferecendo, dessa vez, uma coroa de ouro 24 quilates, de 300 gramas, cravejada de brilhantes. Essa foi a coroa com a qual a imagem da Padroeira do Brasil foi coroada, em 1904, por decisão de São Pio X, papa à época.

Em 2004, na comemoração do centenário de coroação, um concurso de design de coroas foi lançado pelo Santuário Nacional. A coroa vencedora, feita em prata dourada e pedras, foi projetada por artistas de Belo Horizonte (MG).

Ao longo da história, muitos foram os mantos que cobriram a Imagem da Padroeira, mas um em especial remete ao seu achado, feito pelas mãos de Filipe Pedroso, um dos pescadores presentes no milagre nas águas do rio Paraíba do Sul. O manto que atualmente cobre a imagem de Nossa Senhora Aparecida, foi confeccionado por uma família de Aparecida, há quatro anos. Nele, estão destacadas as bandeiras do Brasil e do Vaticano, identificando a unidade da Igreja com o Papa.

Para celebrar o tricentenário, a imagem de Nossa Senhora Aparecida irá ganhar, no dia 11, uma nova coroa, confeccionada com ouro doado pelos devotos e desenhada por uma joalheria que doou 68 diamantes, quatro esmeraldas, quatro safiras e uma pérola de ouro. Na base da coroa, foram depositadas porções de terra dos estados brasileiros.

(Com informações do Santuário Nacional e A12)

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