Ato inter-religioso ocorreu no Parque da Juventude, na zona Norte da cidade, que desde 2018 homenageia em seu nome o ‘Cardeal da Esperança’
Como parte das comemorações do centenário de nascimento de Cardeal Arns (1921-2016), foi realizado na sexta-feira, 10, um ato inter-religioso no Parque da Juventude, ao lado do metrô Carandiru, na zona Norte da capital paulista.
O ato inter-religioso, promovido pela Frente Inter-Religiosa Dom Paulo Evaristo Arns, em parceria com a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, também recordou os 73 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 10de dezembro de 1948, com 30 artigos que asseguram o direito à dignidade humana. Por essa razão é comemorado anualmente nesta data o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
As atividades foram iniciadas com um minuto de silêncio em respeito aos mais de 615 mil mortos pela COVID-19 no Brasil. Na sequência, crianças e adolescentes que são amparados por diferentes iniciativas da Pastoral da Criança proclamaram orações e leram trechos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em meio a discursos de líderes de igrejas cristãs, do Islamismo, Judaísmo e religiões de matriz africana, além de representantes dos povos indígenas.
DEDICADO AO PRÓXIMO E RESPEITADO PELAS RELIGIÕES
Cônego José Bizon, do clero da Arquidiocese de São Paulo e Diretor da Casa de Reconciliação, destacou que cada um dos participantes daquele ato tem “no coração, no pensamento e na memória, o homem de Deus que Dom Paulo Evaristo foi, é e será para nós. Também conhecido como bom pastor, ele chorou e sofreu com as pessoas que estavam sufocadas nas pandemias da pobreza, do desemprego, da marginalização, da vulnerabilidade, do abandono nas ruas, pontes e marquises dos prédios”.
O Diretor da Casa de Reconciliação lembrou, ainda, que “não faltaram tentativas de calar com censuras e calúnias a Dom Paulo Evaristo, o bispo e pastor dos direitos humanos”, e projetou que se vivo estivesse, o ‘Cardeal da Esperança’ não estaria indiferente às mortes, crises e angústias causadas pela atual crise desencadeada pela COVID-19. “Ele nos diria: ‘coragem, esta crise vai passar, mas estejam unidos e organizados’”.
O Pastor Eliel Batista, da Igreja Betesda, destacou que nesse ato inter-religioso se levanta “a bandeira dos direitos humanos, trazendo a memória de um ícone brasileiro, Dom Paulo Evaristo Arns”. Ele se disse frustrado em saber que ainda hoje os direitos elementares do ser humano sejam negados ou roubados e lamentou que alguns cristãos com funções públicas estejam disseminando a cultura da violência. “Unidos em torno da Declaração Universal dos Direitos Humanos, possamos lutar por um país mais justo, sem violência e onde a solidariedade e o compromisso com a vida e a dignidade humana esteja acima de todo e qualquer preconceito”, exortou.
Pastor Ariovaldo Ramos, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, recordou as muitas das vezes que as pessoas favoráveis aos direitos humanos se colocaram contrárias às atrocidades que aconteciam na extinta Casa de Detenção do Carandiru – por décadas o maior presídio da América Latina – que foi demolida, dando lugar, em 2004, ao atual Parque da Juventude.
“Ver este parque, mostra que toda a luta pelos direitos humanos tem sido necessária. E isso me faz lembrar a figura de Dom Paulo Evaristo Arns. Ele era um homem pelos direitos humanos, um homem que lutou contra a ditadura. Foi um homem de Deus que lutou bravamente a partir desta consciência: que o ser humano é um ser de direitos”, sublinhou Pastor Ariovaldo.
Irmão Leonel Sá Maia, da Igreja Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, lembrou que naquele ato inter-religioso todos reafirmavam o fundamento de que o ser humano carrega em si atributos que marcam a sua dignidade e lhe asseguraram o bom viver: “A declaração nos coloca no cenário de uma família universal. E em um centro urbano multifacetado como São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns nos ensina a apreciar o valor da diversidade e do compartilhamento, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião política, origem nacional ou social, riqueza ou nascimento”.
O Sheikh Mohamad Bukai, da Mesquita do Brasil, recordou que o ser humano é a criatura mais nobre criada por Deus, mas que para viver em plenitude precisa que lhe seja assegurado o direito a uma família, onde efetivamente se aprende que todos são irmãos. “Depois, saímos dessa família pequena para uma família maior, o mundo, onde todos somos irmãos. Dom Paulo hoje deve estar muito feliz, pois um sonho dele está sendo realizado”, comentou, destacando que pessoas como o Cardeal Arns, ainda que não estejam fisicamente mais vivas, jamais morrem, pois são sempre lembradas por terem dedicado a própria existência em favor do próximo.
Já o Rabino Alexandre Leoni, da Comunidade Bnei Chalutzim, recordou que ao longo da história as guerras e os diferentes conflitos “levaram não apenas a um apequenamento do que o ser humano pode ser, mas também promoveram sofrimento e genocídio”. No entanto, ele comentou que é preciso manter a esperança de que a humanidade ainda está em processo de evolução para se tornar cada vez melhor.
MEMORIAL DAS VITIMAS DA COVID-19
Na parte final do ato-inter-religioso, o advogado Antonio Funari Filho, presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo – organismo instituído por Dom Paulo em 1972 para denunciar e combater as violações de direitos humanos durante o regime militar – falou sobre o projeto de criação de um memorial em homenagem às vítimas da COVID-19, a ser instalado no Parque da Juventude.
A proposta é que o memorial também homenageie as instituições científicas e de saúde que atuaram para conter o avanço da pandemia no País, bem como os profissionais que atuaram na linha de frente para garantir a saúde à maioria da população.
“Faremos este memorial para que essas pessoas fiquem sempre presentes, que eles continuem vivos na história do Brasil e na nossa memória”, disse Funari, que leu o nome de pessoas de militantes de direitos humanos que morreram desde o começo da pandemia, seja por COVID-19, seja por outras motivações.
Uma dos que morreram com o coronavírus foi o judeu Sergio Storch, de destacada atuação em favor do diálogo inter-religioso e um dos criadores da Frente Inter-Religiosa Dom Paulo Evaristo Arns.
Em homenagem a Sergio Storch e a todas a vítimas da COVID-19 e seus familiares houve o plantio de uma árvore de romã no Pomar Dom Paulo, que foi inaugurado em 15 de dezembro de 2018, data em que o local oficialmente passou a se chamar Parque da Juventude Dom Paulo Evaristo Arns, por força da lei estadual 16.761.
Na conclusão do evento, os mediadores do ato inter-religioso – o ator e produtor cultural Tadeu di Pietro e a educadora e historiadora Claudine Melo – leram uma mensagem de esperança em nome dos organizadores: “Com este ato, desejamos que cada um e cada uma de vocês possam ser fortalecidos pela vida e pelo exemplo de Dom Paulo. Que cada um e cada uma, possa honrar a vida dos que já partiram e que possa ‘rededicar’ as suas energias para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica para a geração atual e a futura”.