Favelas de São Paulo: territórios de desafios, solidariedade e oportunidades

Vista de Paraisópolis, a segunda maior favela da capital; Prefeitura diz que existem 397 mil domicílios nas mais de 1,7 mil favelas da cidade
Luciney Martins/O SÃO PAULO

A história da formação de uma favela quase sempre tem o mesmo enredo: um grupo de famílias pobres, sem local para morar em áreas urbanas, ocupa uma propriedade pública ou privada ociosa e monta habitações precárias. Quando conseguem resistir no local, após meses ou anos, os moradores negociam com o poder público o acesso a serviços de saneamento básico e eletrificação, e buscam pela regularização de suas casas.

No Brasil, existem mais de 13 mil favelas, conforme aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que classifica estes locais como “aglomerados subnormais em que residem, em geral, populações com condições socioeconômicas, de saneamento e de moradia mais precárias”. O número é do ano de 2019 e representa mais que o dobro das 6,3 mil favelas registradas pelo Censo de 2010. 

Também na cidade de São Paulo, o número de pessoas vivendo em favelas tem crescido, ainda que as quantidades variem conforme a fonte de informação. A Prefeitura aponta para a existência de 1,7 mil favelas, nas quais há 397 mil domicílios, 6 mil a mais que em 2019. Já o IBGE aponta para cerca de 530 mil domicílios nas favelas da maior cidade do País. Por sua vez, o Instituto Cidades Sustentáveis/Rede Nossa São Paulo, que anualmente realiza o Mapa da Desigualdade, trabalha com o número de 391,8 mil domicílios em favelas, aumento de 1,3% em relação aos 386,6 mil registrados em 2016. 

Na avaliação de Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis/Rede Nossa São Paulo, o aumento da quantidade de domicílios em favelas se deve ao acirramento da crise econômica no País. “Há números sobre este agravamento no que se refere ao aumento das pessoas passando fome ou em insegurança alimentar, maior quantidade de desempregados, entre outros indicadores que levam as pessoas a viverem nas favelas”, comentou ao O SÃO PAULO. Entre 2020 e 2021, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, houve aumento de 70% na quantidade de ações de despejos e de reintegração de posse na cidade.

Menor qualidade de vida

Aproximadamente 9,4% da população paulistana vive em favelas, muitas delas instaladas nos distritos mais pobres. Para esses moradores, conforme revela o Mapa da Desigualdade, o acesso à internet móvel é mais difícil que em outros bairros, há menor oportunidades de emprego formal no próprio território, os salários são menores – na Brasilândia, na zona Noroeste, um trabalhador com emprego formal recebe R$ 1.693,82 mensais, enquanto a média de remuneração na cidade é de R$ 4.002,2; e o acesso aos serviços de Saúde demora mais para ocorrer – nos Distritos de Campo Grande, na zona Sul, e Cidade Líder, na zona Leste, quem precisa de uma consulta na rede básica de saúde aguarda por 39 dias, enquanto a média de espera na cidade é de 19 dias. 

“Alguém que vive em Heliópolis, por exemplo, tem uma condição de atendimento de saúde pior, uma educação de menor qualidade, vai conviver em uma habitação mais precária, se deparar com uma violência local maior, um elevado número de homicídios, sobretudo de jovens, e uma mortalidade infantil maior. Tudo isso gera reflexo na qualidade de vida das pessoas. O Mapa da Desigualdade 2022 mostra que a idade média ao morrer nos locais mais vulneráveis da cidade é 21 anos menor se comparada aos distritos mais ricos”, detalhou Jorge Abrahão. 

O olhar do poder público

“Não teremos nenhuma favela sem atendimento público de saúde. Haverá atendimento dos nossos agentes em todas. Também temos a meta de construir 49 mil unidades habitacionais, além de um programa da Secretaria Municipal de Habitação para requalificação desses locais”. Esse compromisso foi assumido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em novembro de 2021, em um evento pelo Dia da Favela.

Até o fim de 2024, a atual gestão pretende entregar, especialmente por meio do programa “Pode Entrar”, moradias a famílias com renda bruta de até seis salários mínimos. Quanto à requalificação dos locais, as ações mais comuns da Prefeitura têm sido o reassentamento de famílias em novas unidades habitacionais, obras nas redes de água e esgoto, canalização de córregos e eliminação de áreas de risco.

Jorge Abrahão aponta que a construção de habitação digna é um passo importante para a melhoria da realidade nas favelas, mas deve ser acompanhada de outras ações, como o aumento da oferta e da qualidade dos serviços de saúde, educação e cultura: “Hoje, via de regra, não existem espaços culturais nos bairros mais periféricos. Também é preciso assegurar uma mobilidade de qualidade, pois estas pessoas ficam, em média, duas horas e 30 minutos nos transportes, entre o ir e vir ao trabalho. Deve haver, também, geração de emprego nessas comunidades. Estes são desafios postos que, aos poucos, podem ser vencidos. Quando a condição de vida das pessoas nas favelas melhora, a cidade como um todo fica melhor, mais eficiente, mais produtiva”. 

Potencialidades

Nem tudo, porém, está atrelado à ação do poder público. Em muitas dessas favelas, a própria população tem se organizado para promover melhorias pontuais, ajudar a quem mais precisa de ajuda – algo muito observado no auge da pandemia de COVID-19 – e buscado suporte em instituições para a geração de renda.

“O empreendedorismo é um fator muito importante de inclusão e transformação nas comunidades. Em muitos casos, a falta de oportunidade no mercado formal leva ao empreendedorismo, que passa a ser visto como uma oportunidade de sobrevivência, ou seja, adquirir renda para manter uma vida digna e ter acesso a bens e serviços que antes não tinha. Empreender na favela não é apenas gerar renda, mas também é exercer a cidadania, é participar e ser responsável pelo desenvolvimento de sua comunidade”, destacou à reportagem Renata Candida de Souza, analista de Desenvolvimento Territorial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

A especialista lembrou que um dos empecilhos para empreender nas favelas é o acesso a capital para investimento, além da falta de equipamentos e de infraestrutura adequados. “A favela tem dificuldades básicas, como por exemplo não conseguir receber entregas por terem CEPs bloqueados ou não obter alvará por falta de estrutura”, detalhou.

“Os casos de sucesso dos empreendedores da favela estimulam a ressignificação da imagem da favela como um território de múltiplas potencialidades, em oposição ao senso comum que a associa à precariedade e falta de oportunidades. Outro fator positivo é o fortalecimento cultural, que já é bem característico nas comunidades”, destacou Renata.

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