Gustavo Caldas: ’O testemunho fala mais do que muita pregação ou argumentações’

Arquivo pessoal

“Que brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus.” No mês em que a Igreja recorda as vocações de todos os batizados, esse trecho do Evangelho segundo São Mateus (Mt 5,16) é uma síntese da missão do leigo de ser a Igreja no meio do mundo. Também o Catecismo da Igreja Católica (CIC) aponta que é próprio aos leigos “iluminar e orientar todas as realidades temporais a que estão estreitamente ligados, de tal modo que elas sejam realizadas e prosperem constantemente segundo Cristo, para glória do Criador e Redentor” (CIC, n. 898). 

Mas como concretamente deve ocorrer o testemunho laical no trabalho, na família e na comunidade eclesial? “No dia a dia, é preciso demonstrar às demais pessoas, por gestos e palavras, que você é católico. Ter uma vida religiosa não é somente ter vida paroquial, pois com isso há o risco de uma dicotomia: na paróquia a pessoa é de um jeito, mas, nos outros ambientes, se mostra alguém completamente desvinculado de Deus”, enfatiza Gustavo Caldas, 39, economista, filósofo e catequista de adultos nas Paróquias Nossa Senhora do Brasil e Bom Jesus do Brás, ambas na Região Sé. 

Ao O SÃO PAULO, Caldas conta sobre como testemunha a fé católica nas diferentes realidades em que está inserido. 

O EXEMPLO NA E PELA FAMÍLIA 

Nascido em Brasília (DF) em 1982, Caldas chegou a São Paulo em 2005. No início de 2010, ingressou no Seminário de Teologia da Arquidiocese de São Paulo, mas permaneceu por poucos meses, após discernir que sua vocação não era o sacerdócio. Tempos depois, na Paróquia Nossa Senhora do Brasil, conheceu Angela Carolina, com quem se casou em 8 de dezembro de 2012. A primeira filha, Catarina, nasceu precisamente um ano depois. O casal tem outros três filhos: Olívia, nascida em 2015; Teresa, que veio ao mundo em 2019; e Bento José, nascido em 2021. 

“Nossas duas filhas mais velhas estudam em uma escola católica, e de lá trazem atividades, orações, que acabamos por compartilhar em família. Também nos esforçamos para rezar o Terço, fazer a oração da noite e na hora das refeições, além de irmos juntos à missa”, relata Caldas. “Tudo é feito com naturalidade: agradecemos a Deus pelas coisas que temos, ajudamos as pessoas que estejam em necessidade, e assim as crianças percebem que tudo isso está integrado à vida delas”, prossegue. 

Caldas assegura que essa naturalidade e a felicidade que a família transmite nos lugares em que chega também é um testemunho cristão. 

“Muitas pessoas têm medo de casar e ter filhos, mas eu chego nos lugares e testemunho que sou feliz tendo quatro filhos, que há alegria na minha casa, que minha esposa e eu convivemos bem. Alguns colegas de trabalho já vieram falar comigo sobre o desejo de ter filhos e de regularizar sua situação matrimonial. O testemunho fala mais do que muita pregação ou argumentações. Quando o outro percebe que algo é bom e que traz realização pessoal, ele se interessa pelo princípio disso tudo. ‘Poxa, você é assim desse jeito, que legal! Me conta mais sobre sua vida.’ E é neste ‘me conta mais’ que surgem ocasiões para falar profundamente sobre a fé”, detalha. 

NEM ATRITOS, NEM RELATIVISMOS NO TRABALHO 

Atualmente, Gustavo Caldas trabalha no departamento financeiro de uma rede de restaurantes. Ao longo de sua trajetória profissional, já teve de conviver com pessoas que externaram preconceitos em relação à Igreja Católica. 

“Eu tento não entrar em conflito com essas pessoas, não confrontar a visão de mundo que tenham. Procuro, sim, estabelecer algum diálogo. Na verdade, com qualquer pessoa, o primeiro passo é iniciar uma amizade, estabelecer vínculos que não sejam estritamente profissionais, para assim descobrir interesses comuns. Com isso, é possível conhecer as realidades de vida do próximo para, depois, tratar de questões como família, filhos. Não se deve começar por uma catequese propriamente dita, algo que fale dos dogmas da Igreja, mas, sim, partir de uma amizade e, aos poucos, aconselhar a pessoa com base na moral cristã”, orienta. 

Caldas, porém, ressalta que, diante de questões de ordem moral, o cristão leigo não pode ser relativista: “Muitas vezes, até sou a voz dissonante. Por exemplo: se é pensada uma ação de marketing a respeito de um tema mais delicado, eu explico minhas razões sobre ser contra algum aspecto. Faço isso sem levantar explicitamente bandeiras da Igreja, mas de modo calmo e respeitoso, para testemunhar o que é a Verdade”. 

A PROXIMIDADE COM A GRAÇA DE DEUS 

Caldas enfatiza que o leigo não consegue dar verdadeiro testemunho cristão se estiver distante dos sacramentos: “A recorrência à graça de Deus é o que fortalece a convicção que se tem sobre a própria vocação e os deveres como cristão. Por meio da pregação da Palavra e do estímulo, a Igreja ilumina a inteligência do fiel – para que ele não perca de vista a Verdade e a sua vocação – e fortalece a sua vontade de aderir ao bem. Para isso, a graça é fundamental, comungando frequentemente e buscando o sacramento da Reconciliação”. 

Caldas lamenta, porém, que muitos católicos apenas procurem a Igreja para o formalismo dos sacramentos, como para batizar os filhos, simplesmente por ser uma tradição familiar, ou para se casar em um templo que considere bonito. 

O DIÁLOGO NA COMUNIDADE ECLESIAL 

Na convivência na paróquia e na comunidade, Caldas diz que o fiel deve perceber que os outros podem ter problemas comuns e que vão à Igreja em busca do mesmo ideal: “Quando você é um guerreiro solitário, a luta é muito mais difícil do que quando você a com- partilha com mais pessoas”. 

Questionado sobre como deve ser a postura do leigo em um ano de eleições, Caldas reforça que o caminho é o diálogo respeitoso na comunidade eclesial, mas não relativista. 

“Há pontos que estão no debate político e que pertencem à esfera moral. Um deles é a proteção da vida. A discussão sobre a legalização do aborto é emblemática nesse sentido. Assim, o primeiro passo é diferenciar assuntos que são passíveis de debate daqueles que não são. Em algumas coisas, temos de ser firmes e defender uma opinião com clareza e sem capitulações: tal assunto é assim e não pode ser diferente. Quem defende o contrário, infelizmente, vai trazer para a esfera pública, para a política, algo em detrimento da pessoa. Já para outras várias questões, devemos estar abertos ao diálogo”, afirma. 

COMO SE APROFUNDAR SOBRE A VERDADEIRA MISSÃO DO LEIGO? 

“Todo cristão precisa ter uma formação sólida”, enfatiza Gustavo Caldas. “Quando você está bem blindado intelectualmente, fica menos passível à influência de ideologias e de ideias que querem transformar a vida da pessoa em uma coisa muito diferente daquilo que Deus preparou para ela.” 

Outra recomendação dada por ele é que o leigo sempre tenha contato com a Palavra de Deus e com o Catecismo. Já para quem está começando a voltar para a Igreja e quer descobrir a sua vocação, Caldas orienta: “Sempre há um passado que precisa ser purificado. Às vezes, um exame de consciência e a busca da Confissão já colocam a pessoa em um ponto de poder receber a graça de Deus com regularidade. Essa é a fórmula simples que a Igreja apresenta para o cristão ser feliz”. 

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