Mostra sobre itinerário de migrantes e refugiados venezuelanos é aberta em SP

Iniciativa também contempla dois seminários temáticos sobre a forma como eles são acolhidos no Brasil e as oportunidades que conseguem no mercado de trabalho

Antonello Veneri

Por meio de 120 fotografias, retratos e registros audiovisuais, a mostra “Acolhidos: o percurso da Venezuela à integração no Brasil”, aberta na sexta-feira, 27 de maio, ilustra o itinerário de migrantes e refugiados venezuelanos que chegaram a Roraima, em 2021, sendo recebidos nos abrigos da Operação Acolhida, organizada pelo Governo federal. Após receberem suporte, conquistaram autonomia financeira, a partir de oportunidades de trabalho em diferentes cidades brasileiras. 

Quem visitar a mostra até 26 de junho, no Edifício do Banco do Brasil/ Torre Matarazzo (Avenida Paulista, 1.230, na Bela Vista), com entrada gratuita, pode ler depoimentos dos entrevistados pela curadora, Benedetta Fontana, e assistir a vídeos dos bastidores das sessões fotográficas realizadas por Antonello Veneri, além das falas de colaboradores da Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI Brasil), uma das organizadoras da mostra e que implementa o projeto social “Acolhidos por meio do trabalho”, com recursos do Escritório de População, Refugiados e Migração (PRM) do governo dos Estados Unidos. 

“Os registros, feitos por Antonello Veneri, são de pessoas reais que, assim como qualquer outra, de qualquer nacionalidade, sentem inseguranças, dores e tristezas, mas também alegria e esperança. Todos desejam ter uma oportunidade para uma vida melhor. Então, este elemento humano, comum a todos nós e presente nas fotografias, é um fator que gera empatia e acolhimento”, explicou, ao O SÃO PAULO, Thais Braga, gerente do projeto “Acolhidos por meio do trabalho”, da AVSI Brasil. 

A mostra foi apresentada em Brasília (DF) no ano passado. Para esta edição em São Paulo, a iniciativa tem o patrocínio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e da Fundação Bernard van Leer, com apoio institucional do Consulado da Itália no Brasil, Organização Internacional para as Migrações (OIM), Rede Brasil do Pacto Global e Casa Civil da Presidência da República. 

ENCONTROS MULTISSETORIAIS 

Além da mostra, a temática das migrações e refúgio foi tratada em um seminário na segunda-feira, 30 de maio, com enfoque na emergência humanitária venezuelana e as ações desenvolvidas no âmbito da Operação Acolhida. 

Outro seminário será realizado em 15 de junho, destacando o processo da integração local de famílias com crianças refugiadas e migrantes venezuelanas. A proposta é alertar para a necessidade de instrumentos de sensibilização para as administrações locais, para que se garanta a essa população o acesso a serviços de assistência, saúde e educação. 

Desde 2018, a Venezuela enfrenta uma crise política, econômica e social, que levou milhares de venezuelanos a atravessar a fronteira brasileira em busca de abrigo, gerando pressões sociais e econômicas no estado de Roraima. Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), até março de 2022, quase 200 mil venezuelanos obtiveram autorização de residência no Brasil, e outros 51.578 tiveram sua condição de refugiado reconhecida pelo Estado brasileiro. 

ACOLHIDOS 

De acordo com o representante no Brasil do Acnur, José Egas, o País tem sido exemplar no acolhimento de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela. 

“A sociedade brasileira é acolhedora e, devido à sua diversidade cultural e étnica, há várias zonas de interseção com as pessoas refugiadas que buscam proteção no País. A sociedade civil organizada, o setor privado e a academia são exemplos de como o apoio à causa das pessoas refugiadas vai muito além do Estado brasileiro, que tem, por sua vez, desempenhado um papel essencial nesta questão. Certamente, registramos e reconhecemos a existência de episódios de preconceito e discriminação, o que muitas vezes são resultado do desconhecimento das razões que levam as pessoas a buscar proteção internacional em outro país – e também dos direitos e deveres que estas pessoas têm no Brasil”, comentou Egas à reportagem, garantindo que o Acnur e organizações parceiras têm trabalhado para difundir cada vez mais essa informação, sensibilizar a sociedade, além de realizar outras atividades de comunicação e defesa da causa, bem como incorporar novos interlocutores para defender e promover os direitos das pessoas refugiadas no País. 

Thais lembra que os venezuelanos que chegam ao Brasil de carro, ônibus e a pé, buscam emprego e condições materiais para sobreviver. “São pessoas frequentemente em situação de vulnerabilidade, que no contexto da crise humanitária, frequentemente, chegam com a roupa do corpo. São abrigadas nos centros temporários de Roraima, estado que, dadas as características de sua fundação e de sua economia, oferece baixas oportunidades de empregabilidade. Para a família migrante recebida nesses centros, não apenas é difícil a inserção no mercado laboral local – que se caracteriza, sobretudo, por atividades informais e esporádicas –, mas também buscar oportunidades em outros locais, dado o isolamento geográfico de Roraima em relação aos demais estados da federação. E, ainda, há uma série de efeitos psicológicos decorrentes do deslocamento forçado. É muito difícil ter ânimo para recomeçar nesse contexto, mas é necessário”, comentou. 

MERCADO DE TRABALHO 

Desde que o projeto “Acolhidos por meio do trabalho” foi implementado, aconteceram 1,7 mil interiorizações de venezuelanos que chegaram a Roraima e que, depois, foram enviados para nove estados. Desse total, 800 pessoas foram contratadas por empresas parceiras e puderam levar seus familiares para um novo recomeço, além de contar com acompanhamento social e moradia nos três primeiros meses após a contratação. 

“As empresas parceiras do projeto relatam que os venezuelanos contratados desempenham suas atividades com muito afinco, que possuem alto desempenho e forte compromisso com o trabalho, além do turnover [a pessoa deixar a empresa] ser mínimo. Também mencionam que são pessoas vistas como muito educadas, inteligentes, habilidosas, comunicativas, com grande potencial para permanência e ascensão na carreira. Além disso, são autônomas, proativas e resilientes, em função de suas histórias de vida e da sua busca por melhores condições de existência. Os principais setores contratantes são a agroindústria, indústria moveleira, construtoras, varejo e serviços”, detalhou Thais. 

Entretanto, ainda há resistências à contratação dos venezuelanos. No dia 26 de maio, o Acnur e o Pólis Pesquisa apresentaram um diagnóstico sobre os refugiados e migrantes venezuelanos que vivem em Manaus (AM). A metade dos pesquisados tem formação em nível médio, técnico ou superior, mas quando são contratados recebem remuneração inferior à dos brasileiros com o mesmo nível de instrução. Atualmente, 59,9% da população refugiada na capital amazonense se encontra com alguma ocupação, mas apenas 4,5% têm emprego formal e carteira de trabalho assinada. Na cidade, os venezuelanos ganham em média um terço da remuneração do trabalho dos brasileiros em geral. 

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