Museu da Língua Portuguesa ressurge para acompanhar o dinamismo do idioma e da metrópole

Espaço cultural retoma seu lugar na cidade e exalta a língua portuguesa como protagonista

Museu da Língua Portuguesa/Divulgação

Fechado há mais de cinco anos em decorrência de um incêndio que destruiu dois terços do prédio histórico que o abrigava, o Museu da Língua Portuguesa será reaberto no dia 31, nas mesmas dependências da Estação da Luz, região central da capital paulista, em cerimônia que será transmitida pelos canais das redes sociais da instituição.

Graças a uma parceria entre a Secretaria da Cultura e Economia Criativa do governo do estado de São Paulo e entidades privadas que tornou possível a sua restauração – embora concluída em dezembro de 2019, o acesso às novas instalações somente foi autorizado recentemente em razão das restrições impostas pela pandemia de coronavírus –, o Museu volta a fazer parte da cena cosmopolita paulistana e resgata sua vocação originária: valorizar a pluralidade da língua portuguesa, celebrá-la como elemento fundamental e fundador da cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundo.

“O Museu da Língua Portuguesa tem uma grande contribuição que é se entender um museu cidadão, comprometido com o seu território, com o seu entorno, com a diversidade dos falantes da língua portuguesa, não somente no Brasil como também em outros países, comprometido com a valorização dos falares e contra o preconceito linguístico. O Museu é uma grande janela de debates, de discussões e de celebração da língua portuguesa”, afirmou Marília Bonas, diretora técnica do Museu e colaboradora da IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, organização social responsável pela gestão do espaço cultural desde 2012.

COMO TUDO COMEÇOU

São Paulo foi escolhida para sediar o espaço voltado à promoção do idioma nacional por ser a cidade em que há a maior população falante de português no mundo. Assim, para dar vida ao Museu pela primeira vez, uma equipe multidisciplinar de profissionais foi formada e contou com a colaboração de sociólogos, museólogos, especialistas em língua portuguesa e linguística, designers, artistas e técnicos.

Inaugurado em 20 de março de 2006, na confluência de três bairros tradicionais do coração da metrópole – Bom Retiro, Luz e Campos Elísios –, a opção pela Estação da Luz para abrigar o Museu não foi por acaso: além de ser, durante décadas, um dos principais pontos de passagem de imigrantes que chegavam ao País – o que não deixou de representar uma valiosa contribuição para a língua –, até hoje é considerado um espaço dinâmico de contato e convivência entre várias culturas e classes sociais, favorecendo a aproximação e o intercâmbio dos mais diversos sotaques e influências de todos os cantos do Brasil e do mundo.

MISSÃO INTERROMPIDA

Em quase dez anos de funcionamento, o Museu da Língua Portuguesa recebeu em torno de 4 milhões de visitantes, apresentou, além do acervo permanente, 30 exposições temporárias – que homenagearam nomes como Clarice Lispector, Machado de Assis, Cora Coralina, Rubem Braga, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Gilberto Freyre e o cantor e compositor Cazuza, entre outros –, ofereceu cerca de 320 mil atendimentos educativos e foi laureado com 12 prêmios, sendo a maior parte deles de reconhecimento internacional.

Em 21 de dezembro de 2015, porém, essa trajetória de sucesso foi interrompida: um incêndio destruiu boa parte de suas instalações, obrigando o seu fechamento.

“Por medida de segurança, tínhamos back up do conteúdo [exposto no Museu] em outros lugares, não havendo perda alguma da parte museológica”, afirmou Marília.

PATRIMÔNIO IMATERIAL

Falado atualmente por mais de 280 milhões de pessoas em nove países que o têm como língua oficial (Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Timor Leste e São Tomé e Príncipe), o português é o quinto idioma mais utilizado em todo o mundo, o terceiro no Ocidente, o primeiro no Hemisfério Sul e a língua de trabalho em 32 organizações internacionais.

A fim de revalorizar este patrimônio cultural imaterial da humanidade, era preciso trazer de volta à cena o local por excelência no qual a língua portuguesa é cultuada e promovida e, assim, devolver o Museu ao público que já o consagrara.

Para tanto, Marília explica que para se chegar à nova concepção do espaço, “foi necessário um trabalho de museografia, que é como se traduz, na linguagem museológica, a narrativa do Museu. Essa representação do projeto museográfico somente foi possível por meio de um trabalho conjunto de profissionais especializados”, afirmou.

INSTALAÇÕES

Com três pavimentos, além do terraço – área considerada a menina dos olhos dos curadores e que anteriormente não era aberta ao público –, a atual configuração do Museu foi ampliada e é composta de 14 estações de exposição, o dobro do que havia anteriormente.

Ciete Silvério/Museu da Língua Portuguesa/Divulgação

Dotado de equipamentos e materiais de última geração no que diz respeito às instalações elétricas, tudo foi pensado visando à segurança completa dos componentes de iluminação e sonorização, bem como dos dispositivos de prevenção de incêndios (leia mais na página 17). Como inovação, conta também com instrumentos de monitoramento ambiental, que controlam temperatura e umidade, a fim de garantir a preservação das obras museológicas ali expostas.

Apostando na multiplicidade de recursos oferecidos pela tecnologia, todas as instalações têm na interatividade seu ponto alto, tornando o visitante parte atuante na exposição, convidando-o, a todo instante, por meio de experiências sensoriais imersivas, a pensar a língua, a ela se conectar, conhecê-la mais profundamente e, assim, redescobri-la.

O QUE ENCONTRAR

Com espaços que dão voz tanto à língua oral popular quanto à língua erudita, todas as manifestações linguísticas são contempladas. Um deles – que já era presente na edição anterior ao incêndio e agora ressurge ampliado e propõe uma nova experiência, mais artística, lúdica e poética – é a Rua da Língua, um painel de 106 metros de comprimento no qual são projetados murais e outdoors, uma verdadeira reprodução das ruas das cidades, com propaganda, pichações, poemas, provérbios e demais elementos visuais que contemplam a língua e estão presentes em qualquer metrópole.

Ciete Silvério/Museu da Língua Portuguesa/Divulgação

Na Línguas do Cotidiano, o idioma é apresentado como código central da cultura, algo que dá unidade, porém, às vezes, como algo que gera também exclusão, denotando o seu caráter múltiplo e mutante, trazendo à reflexão a língua como artigo de identidade afetiva.

O Beco das Palavras é um jogo interativo, sem toque, que funciona por meio de sensores de movimento, em que se formam palavras, e, a partir daí, mostra-se a sua estrutura, etimologia, origem e qual é o seu percurso histórico ao longo do tempo.

Para simbolizar a língua portuguesa em movimento e o quanto ela intermedeia a relação das pessoas com o mundo, há a Linha do Tempo, com uma escultura do poeta e cantor Arnaldo Antunes, com todo o seu vasto legado de composições de poesia concreta.

Permanecem no acervo as principais experiências, como a instalação Palavras Cruzadas, que mostra as principais línguas que contribuíram para a formação do português no Brasil e viceversa, ou seja, como o português contribuiu para o enriquecimento de outros idiomas, e a Praça da Língua, uma espécie de planetário do idioma, que homenageia a língua portuguesa escrita, falada e cantada em um espetáculo imersivo de som e luz.

RENOVADOS

Entre as novas instalações estão Línguas do Mundo, experiência sonora que se traduz em uma espécie de “floresta de línguas” que influenciaram e ainda influenciam o português falado no Brasil, tornada possível graças à contribuição de comunidades de imigrantes e de personalidades estrangeiras conhecidas, que, por meio de totens, recitam frases em sua língua de origem, que depois são apresentadas em português. Utiliza-se também de jogos interativos e contempla 23 idiomas diferentes.

Ciete Silvério/Museu da Língua Portuguesa/Divulgação

Já o Português do Brasil é uma grande linha do tempo, porém não necessariamente construída de forma crono ou etnológica, na qual é contada a história da língua portuguesa, sua formação e os impactos que ela ocasiona no Brasil até nossos dias.

Laços de Família é uma instalação fundamental, principalmente para quem está em idade escolar, para entender de onde vem o português, o que é o latim, o que é língua morta, o que é a língua falada, o que é língua usada, o que é língua-mãe, trazendo uma grande árvore genealógica da língua portuguesa, com suas influências e com seus grandes troncos linguísticos.

NOVIDADES

A instalação Nós da Língua Portuguesa apresenta a língua portuguesa em outros países lusofalantes, como um caleidoscópio, com os laços, embaraços e a diversidade cultural da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A mostra temporária Língua Solta, que marca a reinauguração do espaço, traz os diversos desdobramentos da língua portuguesa na arte e no cotidiano. É composta de 180 peças, possibilitando aos visitantes o contato com o embaralhamento proposto pela curadoria, por meio da conexão da arte à vida, à vida em sociedade, às práticas do cotidiano e às formas de protesto, de religião e de sobrevivência, sempre sob o prisma da língua portuguesa.

Por sua vez, a instalação Falares apresenta os diferentes sotaques e expressões do idioma nas mais diversas regiões do Brasil, incluindo crianças, adultos, artistas, imigrantes, indígenas, enfim, uma grande variedade de pessoas que falam sobre a língua por meio de textos, cantos, piadas, encenações, entre outras formas de expressão.

Ciete Silvério/Museu da Língua Portuguesa/Divulgação

Um documentário intitulado O que pode essa língua mostra o idioma como estruturação da subjetividade de cada pessoa e a forma como cada um vê o mundo.

A torre do Museu será um local de projeções, chamada de Praça da Língua, que atualmente traz a apresentação de três vídeos com amostras representativas da língua portuguesa.

MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

Praça da Luz, s/nº, Portão 1, Bom Retiro.

Terça-feira a domingo, das 9h às 18h (a bilheteria fecha às 16h30)

Ingressos: R$ 20 (inteira), R$ 10 (meia). Grátis aos sábados.

Compra pelo site sympla.com.br.

Os ingressos estarão disponíveis a partir da próxima semana e poderão ser adquiridos exclusivamente pela internet, com dia e hora marcados, e a capacidade de público está restrita a 40 pessoas a cada 45 minutos. Os visitantes receberão chaveiros touchscreen para evitar toque nas telas interativas.

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