Pastoral da Criança alerta para o aumento da desnutrição infantil no Brasil

Crescimento foi verificado durante o período da pandemia; má-nutrição dos 0 aos 6 anos de idade pode deixar consequências para o resto da vida

Pastoral da Criança da Arquidiocese de São Paulo

O flagelo da fome no Brasil também tem alcançado cada vez mais as novas gerações. Um levantamento da Pastoral da Criança revelou que de 2020 a 2022 saltou de 3% para 4,9% a quantidade de crianças desnutridas de 0 a 6 anos que são acompanhadas pela Pastoral, revertendo uma tendência de queda gradual deste indicador que vinha sendo verificada antes da pandemia de COVID-19. 

Regularmente, os agentes da Pastoral – também chamados de líderes – realizam a aferição de peso e altura das crianças de 0 a 6 anos, inserem estes dados no aplicativo “App da Pastoral da Criança + Gestante” e, assim, obtêm um diagnóstico sobre o estado nutricional de cada uma. 

“Qualquer tipo de desvio nutricional, seja a desnutrição, seja a obesidade, é preocupante, até porque o excesso de peso e a desnutrição podem ser concomitantes. O nosso aplicativo já sinaliza para os agentes sobre aquelas crianças que realmente precisam de alguma intervenção, de algum acompanhamento mais próximo do serviço público. E diante deste aumento de desnutridos, temos proposto temas semanais para que nossos voluntários fiquem ainda mais atentos a isso”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Caroline Dalabona, nutricionista da equipe técnica da coordenação nacional da Pastoral da Criança. 

O principal alerta é a baixa estatura

No Brasil, conforme dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, em média 11 crianças menores de 5 anos de idade são internadas com desnutrição. 

Na relação entre peso e altura, o chamado índice de massa corporal, o principal indício de que a criança possa estar desnutrida é a estatura abaixo do esperado para sua idade.

“A altura é um dos indicadores que nos mostra a qualidade de vida da criança. Se ela apresenta uma baixa estatura, isso pode indicar uma desnutrição crônica, e significar que ela está vivendo uma condição de vulnerabilidade por um grande período de tempo”, detalhou Caroline. 

Na avaliação de Nelson Arns Neumann, doutor em Saúde e coordenador internacional da Pastoral da Criança, a interrupção das atividades nas escolas durante a fase mais aguda da pandemia pode ter impactado no nível nutricional das crianças, pois, especialmente para as mais pobres, a maior parte das refeições é feito na escola. 

Marcas para toda a vida

A Campanha da Fraternidade de 2023, que trata do combate à fome, alerta que “as principais vítimas da insegurança alimentar são as crianças, já que, no caso delas, pode comprometer o crescimento e o desenvolvimento físico e cognitivo, uma vez que a anemia, que é a ausência de ferro no organismo, pode comprometer o desenvolvimento de órgãos, tecidos e o funcionamento cerebral, afetando capacidades como a memória e a atenção, a leitura e a aprendizagem de linguagens como um todo, o que por sua vez leva ao mau rendimento escolar. Esse déficit pode ser irreversível em situações de insegurança alimentar grave” (texto-base da CF 2023, n.71).

Caroline destacou que a preocupação com a alimentação da criança deve começar já durante a gestação: “Se nessa fase a mãe passar fome, toda a formação dos órgãos da criança será deficitária, resultando em coração, rins e fígados menores que o esperado. E com o passar do tempo e o estilo de vida dessa pessoa, aumentam as chances de muitas doenças crônicas, com a hipertensão e diabetes, por exemplo. Portanto, é indispensável que façamos algo para que a criança não sofra consequências depois. Pensando de uma forma bastante ampla, com a desnutrição infantil estamos comprometendo a formação da nossa sociedade, assim, o momento de intervir é agora”. 

Como mudar este cenário?

Com base na experiência de quatro décadas de atuação da Pastoral da Criança, Neumann destaca que o combate à desnutrição infantil passa não apenas pela oferta de refeição de qualidade às crianças, mas também em dar condições às famílias para que possam preparar os próprios alimentos e que tenham estruturas mínimas como acesso a energia elétrica e saneamento básico, para corretamente manuseá-los e acondicioná-los. 

“Em fevereiro do ano passado, visitamos uma comunidade na área da Região Brasilândia, e eu olhei para o entorno e pensei: ‘não é possível que com esta água espirrando pra todo lado, com cocô de cachorro pelas ruas se misturando com o furo das mangueiras, não aconteçam casos de diarreia’. Em abril, quando fizemos o mutirão pela vida, indo pesar as crianças naquele local, houve um baixo comparecimento. Fomos, então, verificar nas creches o que havia acontecido, e soubemos que 2/3 das crianças não tinham ido às aulas por causa de um surto de diarreia, que pegou adultos e crianças daquela região”, recordou.

“A Campanha da Fraternidade deste ano é muito sábia em dizer que existem situações emergenciais da fome, mas é preciso focar nas razões que levam a isso, como a questão do saneamento básico, como neste caso que citei do surto de diarreia. É muito interessante que a CF deste ano aborde todas as causas da fome, não se limitando apenas à boa vontade de se distribuir cesta básica ou marmitas”, complementou.

O coordenador internacional da Pastoral da Criança apontou, ainda, que seria fundamental que também as escolas fizessem o acompanhamento da condição nutricional das crianças e que as famílias precisam ter acesso a corretas informações sobre nutrição infantil. 

 “Às vezes, vemos mães que compram coisas que não devem para os filhos, por exemplo, danoninho para crianças que precisam apenas receber o aleitamento materno. Falta orientação, mas quando essa mãe acessa o nosso aplicativo e começa a ter mais conhecimentos, ela muda práticas, passa a ser mais exigente com os serviços que o Estado fornece”, avaliou.

“Na Pastoral, fazemos o acompanhamento das crianças, considerando todas as variáveis, inclusive o que a criança comeu, e devolvemos essa informação nutricional para a mãe. Com isso, ela fica alerta e a escola pode ser informada por ela sobre algo específico da alimentação da criança. O ideal na escola seria não se pensar apenas no prato padrão, mas também considerar que para determinada creche onde há algum déficit nutricional possa haver alguma variação”, comentou.

No “App da Pastoral da Criança + Gestante”, disponível para download gratuito na Google Play, são disponibilizados materiais orientativos, como o “Guia da Gestação aos 6 anos” e outros conteúdos formativos sobre saúde, alimentação saudável e desenvolvimento infantil. Por ele, também é possível e avaliar em tempo real o estado nutricional da criança com base em seus dados de peso e altura. 

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CONHEÇA O TRABALHO DA PASTORAL DA CRIANÇA

Criada em 1983 pela sanitarista e pediatra Zilda Arns Neumann e pelo Cardeal Geraldo Majella Agnelo, então Arcebispo de Londrina (PR), a Pastoral da Criança ajuda a salvar vidas de crianças de 0 a 6 anos, a partir de orientações práticas às famílias sobre aleitamento materno, higienização, alimentação saudável, acompanhamento nutricional, vacinação. Regularmente também faz a aferição do peso e altura dessas crianças. Saiba mais em: https://www.pastoraldacrianca.org.br.

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