300 dias de guerra no Sudão deixam 700 mil crianças sob risco de desnutrição grave

Além de sofrer com assassinatos, violência sexual e recrutamento forçado, menores estão ameaçados por deslocamento, desnutrição e doenças; interrupção de sonhos de jovens mergulha o país em um futuro sem esperança; Unicef pede que comunidade internacional “pare de fechar os olhos”.

Ocha/Mohamed Khalil
 

À medida em que a guerra no Sudão atinge a marca de 300 dias, a desnutrição generalizada, a maior crise de deslocamento infantil do mundo e um sistema de saúde destruído ameaçam matar muito mais crianças do que o próprio conflito armado.

O alerta é do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, que está registrando níveis recordes de internações para o tratamento da desnutrição aguda grave nas áreas que podem ser alcançadas com assistência humanitária.

A forma mais mortal de desnutrição

Segundo a agência, as condições em áreas inalcançáveis por causa dos combates são, sem dúvida, piores. O conflito entre o exército sudanês e as Forças de Apoio Rápido, RSF, eclodiu em abril de 2023. 

O porta-voz do Unicef, James Elder, que esteve no Sudão na semana passada, afirmou que como consequência desses 300 dias de guerra, mais de 700 mil crianças provavelmente sofrerão da forma mais mortal de desnutrição este ano.

De acordo com ele, a agência não conseguirá tratar mais de 300 mil delas se não houver melhora do acesso e apoio adicional.

Falando a jornalistas em Genebra, Elder mencionou ainda um aumento de cinco vezes nos casos de assassinatos, violência sexual e recrutamento de menores em relação ao ano passado.

“O verdadeiro custo da guerra”

Para ele, “o verdadeiro custo da guerra não é medido apenas em baixas, mas também na perda de capital intelectual, e esta guerra corre o risco de condenar o Sudão a um futuro desprovido de aprendizagem, inovação, progresso e esperança”.

Cerca de 3 milhões de crianças foram deslocadas internamente desde o início dos combates, além de 2 milhões de deslocadas em crises anteriores, compondo assim o maior número de crianças deslocadas internamente em todo o mundo.

Vivendo em locais superlotados e insalubres, as crianças que sofrem de desnutrição aguda grave têm até 10 vezes mais chances de sucumbir à doenças do que uma criança saudável.

Sistema de saúde destruído

Elder afirmou que os profissionais de saúde não recebem salário desde que a guerra começou, mas seguem apoiando suas comunidades. 

No entanto, mais de 70% das instalações de saúde em áreas afetadas por conflitos não estão mais funcionando e dois terços da população não têm acesso a cuidados de saúde.

O número de casos de cólera mais do que dobrou no último mês, com mais de 10 mil casos suspeitos e 300 mortes, 16% entre crianças menores de 5 anos, registradas até o final de janeiro. Também houve surtos de sarampo em áreas que abrigam um grande número de crianças deslocadas.

“O mundo precisa parar de fechar os olhos”

O representante do Unicef disse que conversou com diversos jovens refugiados, tanto em Darfur como os recém-chegados ao Chade, e disse que muitos deles estavam estudando economia, ciências médicas, engenharia, tecnologia da informação. No entanto, “em meio ao caos da guerra, as mentes mais brilhantes foram forçadas a abandonar os seus estudos, e as suas ambições foram destruídas”.

Elder afirmou que a forma de sair desse “pesadelo” e despertar os sonhos da população é a negociação um cessar-fogo e o desbloqueio da ajuda por aqueles que estão no poder. Ele pediu também “compaixão e humanidade” dos países doadores.

Em 2024, a Unicef apela por US$840 milhões para alcançar 7,6 milhões de crianças mais vulneráveis ​​no Sudão com assistência humanitária. Apesar da magnitude das necessidades, no ano passado o financiamento que a agência procurava para atender quase três quartos das crianças não foi obtido.

O porta-voz do Unicef alertou para o risco desta se tornar uma crise negligenciada e disse que “quando se trata das crianças e jovens do Sudão, o mundo precisa parar de fechar os olhos”. Ele questionou “onde está a nossa humanidade coletiva se permitirmos que esta situação continue?”

Para o especialista, as pessoas estão usando toda a sua força e resiliência para sobreviver e apoiar suas comunidades. No entanto, o povo do Sudão sente-se cada vez mais “abandonado pelo mundo”.

Fonte: ONU News

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