Por meio da Liturgia das Horas, cristãos santificam o dia em comunhão com toda a Igreja

Das muitas práticas pelas quais o cristão pode cultivar e expressar sua comunhão e pertença à Igreja, a Liturgia das Horas é, sem dúvida, uma das que ganharam um significado ainda maior neste tempo de pandemia e isolamento social.  

Considerada a oração oficial da Igreja, ela tem sua origem já nas primeiras comunidades cristãs, que, herdando o costume da tradição judaica, dedicavam-se à oração ao longo das horas do dia, como uma forma de santificação do tempo, recitando, sobretudo, salmos, cânticos e outros textos bíblicos.

DOS MONGES AO BREVIÁRIO

Com o passar dos anos, essa prática foi se estruturando até consolidar o que depois foi chamado de Ofício Divino. Nessa época, era costume os bispos se reunir com o clero e fiéis nas catedrais para oferecer o louvor a Deus em nome de toda a Igreja.

O Ofício Divino ganhou notoriedade na vida monástica, que une o trabalho apostólico à oração cotidiana quase que ininterruptos, percorrendo, ao longo da semana, os 150 salmos da Bíblia.

Com o passar dos séculos, os textos do Ofício Divino foram condensados em um único livro para que os sacerdotes diocesanos pudessem rezá-lo com maior praticidade em meio à vida pastoral. Assim, nasceu o Breviário, que  passou por diversas modificações ao longo dos séculos.

REFORMA

A última reforma aconteceu em 1970, feita por São Paulo VI, após o Concílio Vaticano II (1962-1965). A Constituição Sacrosanctum concilium ressaltou que o Ofício Divino, ao consagrar pelo louvor a Deus o curso do tempo, “é verdadeiramente a voz da Esposa que fala com o Esposo ou, melhor, a oração que Cristo, unido ao seu Corpo, eleva ao Pai”.

“A Liturgia das Horas alarga aos diferentes momentos do dia o louvor e ação de graças, a memória dos mistérios da salvação, as súplicas, o antegozo da glória celeste, contidos no mistério eucarístico, centro e vértice de toda a vida da comunidade cristã”, enfatiza a IGLH, acrescentando que a própria celebração eucarística tem na Liturgia das Horas a sua melhor preparação, “porque esta suscita e nutre da melhor maneira as disposições necessárias para uma frutuosa celebração da Eucaristia, quais são a fé, a esperança, a caridade, a devoção, o espírito de sacrifício”.

ESTRUTURA

Na sua estrutura geral, a Liturgia das Horas inclui sempre: um hino introdutório; a salmodia, isto é, o conjunto de salmos e cânticos do Antigo ou do Novo Testamentos; a seguir, uma leitura, longa ou breve, da Sagrada Escritura e, finalmente, as preces. “Tanto na celebração comunitária quanto na recitação individual, a estrutura essencial é sempre a mesma: diálogo entre Deus e o homem”, ressalta a Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas (IGLH).

As orações da Liturgia das Horas são as seguintes:

Laudes ou Oração da Manhã: é uma oração de louvor dado a Deus pela vida recebida, rezada ao nascer do sol.

Hora média: geralmente é rezada às 12h (hora da crucificação),  mas também pode ser recitada às 9h (hora da vinda do Espírito Santo em Pentecostes) e às 15h (hora da morte de Jesus).

Vésperas ou Oração da Tarde: recitada ao entardecer do dia, como ação de graças.

Completas: é a última oração do dia, feita antes de dormir. Nela, é entoado o cântico evangélico de Simeão, que diz: “Deixai, agora, o vosso servo ir em paz…”, e é concluída com o pedido de uma noite tranquila e “no fim da vida, uma morte santa”. 

Ofício das Leituras: costumava ser recitado de madrugada. Contudo, pode ser rezado ao longo do dia, desde que se mantenha o caráter de vigília. Além dos salmos, contém leituras bíblicas e textos de padres da igreja, santos e demais escritores eclesiásticos.

QUEM PODE REZAR

Para os bispos, sacerdotes e membros de institutos de vida consagrada, a recitação das horas canônicas é uma obrigação própria do seu serviço prestado à Igreja.

Contudo, os leigos são incentivados a rezar alguma parte do Ofício Divino em comunidade ou individualmente, assim como as famílias, dentro das suas possibilidades.

ORAÇÃO DO TEMPO PRESENTE

Olívio Pereira de Oliveira Junior, engenheiro químico e professor no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conheceu a Liturgia das Horas na década de 1970, por meio de colegas na Universidade de São Paulo (USP). Depois de formado, continuou o hábito.

Em 2015, Oliveira Junior foi detectado com um angioma cavernoso no cérebro, que o deixou internado por 76 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Esses dias foram muito duros, pois as horas não passavam, o meu corpo enfraquecia, e começaram a surgir várias complicações e sequelas”, contou o engenheiro, que destacou o quanto a Liturgia das Horas o ajudou naquele momento.

“Percebi que todos os sentimentos que se alternavam em mim, angústia, medo da morte ou confiança no amparo e fidelidade do Senhor, estavam expressos de forma magistral nos salmos. E, para coroar, a Palavra do Senhor lida diariamente mostrava que Ele é fiel, não abandona os seus amigos e responde a todo desejo do coração do homem”, afirmou o engenheiro, que continua a rezar a Liturgia das Horas.

ESSENCIAL

Ana Lydia Sawaya, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutora em Nutrição, reza a Liturgia das Horas há 40 anos. Para ela, essa é a oração que, junto com os sacramentos, mais ajuda a crescer e alimentar a fé.

“Assim como precisamos de alimento três vezes por dia, para mim, a Liturgia das Horas é o alimento no início, no meio e no final do dia. Posso facilmente reconhecer a diferença no meu dia quando a rezo e quando não o faço. Não sei mais viver sem ela”, relatou.

A professora  ressaltou, ainda, que é possível rezar a Liturgia das Horas em qualquer lugar, uma vez que hoje é possível fazê-lo pelo celular, por meio de vários aplicativos digitais que permitem acessar os textos. “Eu uso e gosto muito do iLiturgia [aplicativo vinculado às Edições CNBB], que pode ser facilmente encontrado na internet. Há também um livrinho de bolso com a liturgia semanal nos vários horários do dia. Muitas vezes rezei no metrô, trem e ônibus”, disse.

EM FAMÍLIA

Casados há sete anos, o engenheiro civil Marco Figueiredo e a estudante universitária Marcela Figueiredo têm o hábito de rezar as Laudes e consideram um momento que ajuda a dar uma ordem ao dia, “como uma âncora para um navio em mar agitado”.

Por razões de trabalho, o casal mora no Egito há dois anos. Vivendo em um país com maioria muçulmana, rezar uma das horas do Ofício Divino, unido aos sacramentos, tornou-se indispensável para cultivar a fé cristã. “Cabe a nós, como católicos, manter a chama da fé viva, e nós o fazemos por meio da oração e da participação na vida da Igreja”, garantiu o engenheiro.

LUZ PARA O DIA

A médica Isabela Costa e o economista Daniel Fachin têm o hábito de rezar diariamente o Ofício das Leituras e as Completas. A prática os acompanha desde a época do namoro, passando pelo noivado e agora continua presente no casamento. “Sempre respeitando nossas possibilidades, houve períodos em que rezávamos as Laudes; em outros, as Vésperas”, explicou Isabela.

Para o casal, o Ofício das Leituras ilumina o dia e o ajuda a colocar cada circunstância da realidade no seu justo lugar. “Depois do Ofício, é como se olhássemos para toda a nossa vida por meio de uma lupa e fôssemos capazes de discernir e ver a positividade no fundo das coisas e das pessoas, que tantas vezes perdemos devido a nossas concepções preconcebidas”, afirmou a médica.

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