Projeto Arena Bela Vista: muito mais que uma partida de futebol

Embaixo do viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região central de São Paulo, a iniciativa proporciona a prática do esporte mais popular do Brasil, estimula a frequência nos estudos e a formação para a cidadania

Roseane Welter/O SÃO PAULO

Todo mês, sob o viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região central de São Paulo, a bola rola nas partidas do projeto Arena Bela Vista (ABV), criado em 2016 pelo treinador de futebol Antônio Carlos Pereira Lima e pelo ex-jogador profissional de futebol Gilson Souza Santos. Ao todo, 500 crianças e adolescentes ali se reúnem para jogar futebol society.

O projeto atende, gratuitamente, crianças de 4 a 17 anos. As atividades acontecem diariamente, das 10h às 12h e das 16h às 18h, no contraturno escolar: quem estuda de manhã treina à tarde e vice-versa.

O pontapé inicial

O viaduto Júlio de Mesquita Filho fica no tradicional bairro da Bela Vista e é uma importante via que liga as zonas Oeste e Leste da cidade.

Ao observarem o espaço disponível embaixo do viaduto, até então uma área livre e abandonada, e conhecendo as dificuldades das crianças em conseguir uma quadra de esportes na região, Lima e Santos resolveram investir em um campo de futebol society. Com a ajuda de familiares, amigos e voluntários, eles conseguiram doações de bolas, grama sintética, iluminação e o espaço foi, mesmo que ainda precário, acolhendo as crianças que iam ansiosas para jogar futebol.

Em cinco anos de atividades, mais de 20 meninos iniciados no projeto passaram a atuar nas categorias de base de grandes clubes, como o Corinthians.

No início, o projeto acolhia crianças do entorno do viaduto. Agora também há as que vêm de outros bairros, como Santa Ifigênia, Santa Cecília e Baixada do Glicério. No local, que é a sede da ABV, há também quadras de basquete, vôlei, handebol e academia ao ar livre.

Gol de solidariedade

O treinador Lima recebeu a reportagem do O SÃO PAULO na quadra do projeto. Enquanto a bola rolava, ele contou que a ideia inicial era proporcionar esperança às crianças e adolescentes por meio do esporte.

“Começamos com uma bola em estado precário, num local pouco provável para treinos de futebol, mas graças a Deus as portas foram se abrindo e as pessoas começaram a incentivar e acreditar na ação”, recordou, destacando que é possível fazer o bem, independentemente do local: “Basta ir à luta com fé e coragem. Deus providencia tudo”.

“Estamos situados em uma região permeada pela pobreza e tantas realidades de sofrimento. Eu mesmo já estive no mundo da drogadição, e não quero isso para meus filhos nem para as crianças do projeto”, disse o treinador.

“Aqui as crianças aprendem muito mais do que simplesmente jogar bola. Elas convivem de maneira coletiva, aprimoram a disciplina, desenvolvem o respeito pelos companheiros, superam a timidez e seus limites, aprendem a ter regras, a respeitar os pais, além de desenvolverem a parte física e emocional”, exaltou o treinador.

‘Nunca foi sorte, sempre foi Deus’

Este é o lema do projeto, frase inspiradora e grito de guerra dos jogadores, no início e na conclusão de cada treino ou participação em campeonatos.

Antes de iniciar os treinamentos, Lima faz um momento de diálogo informativo sobre os jogos e campeonatos nacionais e internacionais em andamento; enumera as competições nas quais a Arena Bela Vista vai participar e destaca o desempenho dos times e dos integrantes nos jogos.

“É um momento de conversa e aprendizado coletivo, com o intuito de despertar e promover o autoconhecimento da atuação em campo e aprender com jogadores profissionais”, disse. Na sequência, abraçados, todos rezam um Pai-nosso e uma Ave-Maria.

“Herdei da família o hábito de rezar, e aqui na quadra essa é uma forma de reavivar a fé, de amenizar sofrimentos e acreditar que, com dedicação e resiliência, somos capazes de alçar voos para a realização dos sonhos”, completou o treinador.

Eduardo Lopes, 14, chegou ao projeto em 2016. Para ele, futebol e oração são elementos que harmonizam a dinâmica pessoal, familiar e profissional.

“A Arena Bela Vista é um diferencial na minha vida. Ainda criança, perdi meu pai, vítima da violência urbana, e aqui, mais que jogar bola, aprendo a ser uma pessoa melhor. O momento de oração me fortalece e acalenta o coração, diante da perda”, disse o adolescente, que atua como goleiro.

Na ponta do lápis

O desempenho escolar é prioridade na ABV. Frequência escolar e boas notas são primordiais para os jogadores do projeto.

“A cada dois meses aqui na quadra, em vez de bola no pé, é o momento de caneta na mão para um provão com questões das áreas de conhecimento estudadas em sala de aula: Redação, Português, Matemática…”, frisou Lima.

“Muito além de cobrar notas, é uma forma de acompanhar o desempenho de aprendizagem de cada um, para então, direcionar aos pais”, disse, poderando, porém, que a ação não é intimidatória.

Em busca de sonhos

Gabriel Alencar Pimenta, 16, conheceu a Arena por indicação de um amigo. “Meu sonho é ser o melhor goleiro do mundo, e a ABV é a porta para essa realização”, disse, após o treino.

João Pedro, 14, sonha em dar uma casa à sua mãe e melhores condições à família. “A cada treino, sinto que tenho muito a aprender, mas me esforço para ser um jogador profissional”, contou.

Kaue Ferreira da Silva, 15, treina na quadra às segundas, quartas e sextas-feiras. “Espero ansioso pelos dias de treino. Aqui, aprendo, além de táticas para um bom futebol, a ser um ser humano melhor”, disse, ressaltando que a maior felicidade é estar no campo.

Lucas da Costa Pereira Lima, 12, é filho do treinador, mas no quesito cobrança não tem moleza, não. “Meu pai é meu exemplo de vida. Ele é um modelo de transformação. Foi usuário de drogas, superou essa fase e hoje nos mostra o caminho certo”, contou, assegurando que o pai não lhe dá um tratamento diferenciado.

Ana Beatriz Vieira da Silva, 15, começou a treinar no projeto social aos 12 anos, e atualmente é jogadora das categorias de base do Corinthians. “Comecei treinando na quadra embaixo do viaduto. Jogava no time com os meninos. A ABV me abriu portas na realização do meu sonho: ser jogadora de futebol”, disse a recém-campeã do Brasileiro Sub- -16. “A Arena tem um espaço especial na minha vida; ali aprendi muito: além de técnicas esportivas, aprendi a ser uma pessoa melhor, com ideais e, sobretudo, a acreditar em meus sonhos”, concluiu.

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Flávia Cristina dos Santos
Flávia Cristina dos Santos
2 anos atrás

Um exemplo de amor as nossas criancas Antonio e meu amigo e nosso anjo da guarda ….. Eu comecei um projeto mas nao tive a ajuda e nem apoio da minha comunidade glicerio e pra nao perder tds. Meus meninos incentivei a eles irem pra arena bv. .hj muitos ainda estao la gracas a deus …e espero conseguir mas meninos para salvar desta vida louca … Gratidao a prof Antonio mestre do Arena Bela Vista