Projeto reacende debate sobre a legalização dos jogos de azar no Brasil

Fotos: Javon Swaby/Pexels

A tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 442/91, que legaliza os jogos de azar no Brasil, trouxe à tona novamente a polêmica em torno dessa modalidade e seus impactos na sociedade.

O texto que tramitará sob regime de urgência na Câmara é uma atualização do projeto original, de 1991, organizada pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE). O substitutivo prevê a elaboração de regras “sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional”, como cassinos integrados em resorts, cassinos urbanos, jogo do bicho, apostas esportivas, bingos, jogos de habilidade e corridas de cavalos.

No projeto também está prevista a criação do Sistema Nacional de Jogos e Apostas, órgão público regulador responsável por aplicar a legislação aprovada às casas de aposta, bem como para “prevenir e combater o uso de jogos e apostas para as práticas de crimes, especialmente a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo”.

PROIBIÇÃO

São denominadas jogos de azar aquelas modalidades em que a vitória ou a derrota dependem única e exclusivamente do fator sorte e, portanto, não é necessário habilidade ou nenhum outro requisito para o ganho. A partir dessa definição geral, são incluídos nessa categoria tanto os jogos como loteria, rifa, roleta, jogo do bicho, caça-níqueis, bingos, quanto as apostas simples, por exemplo, o “cara ou coroa”.

A Lei de Contravenções Penais não proíbe os jogos de azar em si, mas a prática e comercialização deles em lugares públicos, como é o caso das roletas, caça-níqueis, bingo, jogo do bicho e os cassinos, que são proibidos de funcionar no País. Apostas esportivas e apostas sobre corrida de cavalos fora do hipódromo ou dos locais autorizados também são proibidas. A legislação brasileira, no entanto, não proíbe a prática desses jogos de maneira informal, com os amigos e familiares, desde que não haja nenhum fim comercial na prática.

A história sobre a proibição de jogos no Brasil remonta ao Decreto-Lei 9.215, de 30 de abril de 1946, promulgado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. Na época, argumentou-se que essa prática era altamente viciante e, consequentemente, prejudicial, fazendo com que as pessoas desenvolvessem transtornos que impactariam diretamente em suas vidas e convívio social. Além disso, o crescimento da manipulação de tais jogos por parte do crime organizado motivou a decisão de Dutra.

JOGOS AUTORIZADOS

De forma autorizada e regulamentada, os únicos jogos de azar permitidos no Brasil são as loterias, que contam com a supervisão do Governo Federal. Outros como o bingo e a rifa são autorizados desde que não sejam executados em locais públicos e com fins de angariar lucros pessoais, mas com finalidades beneficentes, por exemplo.

Jogos como o pôquer não são considerados de azar, pois existe um entendimento de que a vitória nessa modalidade depende da capacidade de leitura das ações do adversário e do cálculo de probabilidades das cartas que estão em jogo, e não estritamente da sorte.

Javon Swaby /Pexels

PREOCUPAÇÃO DOS BISPOS

Por meio de uma nota emitida no dia 1º, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou sua oposição à aprovação do projeto que autoriza os jogos de azar.

“Cabe-nos, por razões éticas e evangélicas, alertar que o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares. Além disso, o jogo compulsivo é considerado uma patologia no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. O sistema altamente lucrativo dos jogos de azar tem sua face mais perversa na pessoa que sofre dessa compulsão”, afirma o episcopado.

A conferência também questiona os argumentos em favor da aprovação do projeto, os quais “não consideram a possibilidade de associação dos jogos de azar com a lavagem de dinheiro e o crime organizado”. E prossegue: “Diversas instituições de Estado têm alertado que os cassinos podem facilmente se transformar em instrumentos para que recursos provenientes de atividades criminosas assumam o aspecto de lucros e receitas legítimas”.

DEPENDÊNCIA 

A dependência grave sobre a qual alerta o Catecismo é reconhecida pelos profissionais da saúde mental, que costumam chamá-la de “jogo patológico”, o qual consiste na compulsão ou mesmo adicção (vício) nessas práticas, com sintomas semelhantes aos da dependência de substâncias como álcool e drogas.

Na literatura médica, o jogo patológico é considerado como doença desde 1980, e atualmente é classificado como “transtorno do controle dos impulsos não classificados em outro local” ou como “transtorno de hábitos e impulsos”.

O jogo patológico pode ser definido como o comportamento recorrente de apostar em jogos de azar apesar das consequências negativas decorrentes desta atividade. O indivíduo perde o domínio sobre o jogo, tornando-se incapaz de controlar o tempo e o dinheiro gasto, mesmo quando está perdendo.

Os principais sinais dessa dependência são: necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores, a fim de atingir a excitação desejada; inquietude ou irritabilidade quando tenta reduzir ou interromper o hábito de jogar; preocupação frequente com o jogo; constantemente joga quando se sente angustiado; mente para esconder a extensão de seu envolvimento com o jogo; prejudica ou perde um relacionamento significativo, emprego ou uma oportunidade educacional ou profissional em razão do jogo; depende de outras pessoas para obter dinheiro, a fim de saldar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo.

DOUTRINA DA IGREJA

O Catecismo da Igreja Católica (CIC), ao tratar do sétimo mandamento – “não roubarás” –, menciona os jogos de sorte e apostas, assim como os riscos que tais práticas podem trazer quando excedem e causam dependência nas pessoas. “Os jogos de azar (jogos de carta etc.) ou apostas em si não são contrários à justiça. Tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno, que aquele que o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo” (CIC, 2413).

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