Dom Cláudio Hummes esteve ao lado dos operários nas greves de 1979 e 1980

“Cristo não veio ajeitar as coisas. Não veio fazer média entre justiça e injustiça. A Igreja nunca decidirá se vocês devem fazer ou parar a greve. Vocês é quem devem decidir. A Igreja se põe a serviço de vocês, mas esta decisão é de grande responsabilidade”.

Memorial da Democracia

A frase de Dom Claudio Hummes, dita em 1980, em uma assembleia dos operários em greve no ABC paulista, é a síntese de como o então Bispo de Santo André esteve ao lado daqueles que lutavam por seus direitos, mas sem transformar a mobilização em politicagem. 

Dom Claudio assumiu a Diocese de Santo André em 1975 e logo no começo de sua trajetória episcopal colocou-se em diálogo com os trabalhadores e empresários na busca de uma resolução justa para a greve, especialmente nos momentos de maior tensão, nos anos de 1979 e 1980. 

O movimento grevista foi considerado ilegal pelo governo militar e não foram os trabalhadores que foram agredidos pelas tropas estatais quando reivindicavam seus direitos. Esse cenário motivou a Igreja no ABC paulista, a partir do seu bispo, a prestar solidariedade aos operários, incluindo abrir as portas das igrejas para as assembleias dos trabalhadores, quando os sindicatos estavam sob intervenção. 

Em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC, em 2015, o Padre Carlito Dall Agnese, que em 1979 era o cura da Catedral Nossa Senhora do Carmo, em Santo André, lembrou que muitas vezes conduziu Dom Claudio, de carro, às assembleias e portarias das empresas da região para auxiliar os operários na negociação com as autoridades. 

Certa vez, recordou Padre Carlito, Dom Claudio pediu a ele que abrisse a Catedral para uma assembleia dos trabalhadores. “A polícia veio e o comandante deles me proibiu de dar o microfone para que eles falassem. Eu lhes disse: ‘Subam nos bancos e falem bem alto para todos ouvirem’. Não deixei de cumprir a ordem”, rememorou. 

Negociações e resistência

Em março de 1979, também partiu do Bispo de Santo André a ordem para abrir a igreja matriz da cidade de São Bernardo do Campo para que os trabalhadores pudessem se reunir após o governo militar ter proibido as assembleias sindicais. Ele já havia participado de outras assembleias a convite da Pastoral Operária. 

Junto com operários e membros da Pastoral, Dom Claudio elaborou o “Fundo da Greve”, que visava a oferecer assistência às famílias de operários em situação vulnerável por causa da greve, especialmente com a arrecadação de alimentos. Os itens eram guardados nas dependências das paróquias da Diocese de Santo André. 

Conforme conta a historiadora Cleonice Rosa do Nascimento Servo na dissertação de mestrado “A atuação da Diocese de Santo André durante a ditadura civil-militar nos episcopados de Dom Jorge Marcos de Oliveira e Dom Claudio Hummes (1964-1980)”, apresentada à PUC-SP em 2016, quando as assembleias operárias foram proibidas no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, em 1979, os trabalhadores  foram para a praça da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, no centro da cidade, mas acabaram agredidos com tiros e bombas pelas tropas militares. Mesmo assim, o movimento grevista se manteve firme e, com a ajuda de Dom Claudio, alcançou a promessa dos empresários de melhores condições de trabalho e de reajuste salarial, em um tempo cujas perdas salarias superavam 84%.

Como o acordo não foi cumprido pelos patrões, em 1º de abril de 1980, começou a histórica greve, que durou 41 dias, sob um clima tenso de prisões e atos de violência pelas forças estatais, já que a greve foi considerada ilegal.

No dia anterior ao início, Dom Claudio esteve na assembleia dos metalúrgicos de São Bernardo e apoiou a decisão dos trabalhadores, anunciando que “a Igreja estará ao lado dos pobres até o fim”. Na ocasião, garantiu que as igrejas e os salões paroquiais estariam abertos aos trabalhadores, no caso de intervenção dos sindicatos. Além disso, em todas as paróquias da diocese foi distribuída uma mensagem em apoio aos metalúrgicos assinada por Dom Claudio.

A comemoração do 1º de maio de 1980 aconteceu com uma celebração na igreja matriz de São Bernardo do Campo. Foi um momento marcante que reuniu mais de 150 mil pessoas. Após a missa, o Bispo, os padres e os participantes se dirigiram ao Estádio da Vila Euclides, onde fizeram um ato contra o militarismo. As negociações avançaram e em 11 de maio a greve chegou ao fim. 

Ao falar à historiadora Cleonice Rosa do Nascimento Servo sobre o apoio da Igreja no ABC Paulista aos trabalhadores naquele período, assim se manifestou Dom Claudio: “Eu acho que o Espírito Santo também nos guiou muito, de termos tido, digamos assim, a lucidez de apoiar esse movimento do povo e dos operários aqui. A Igreja aqui apoiou, apoiou fortemente”, concluiu. 

(Com informações do Portal Terra, Diário do Grande ABC e da dissertação de mestrado de Cleonice Rosa do Nascimento Servo)

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