Dom Paulo Evaristo Arns é homenageado em sessão no Senado

‘Cardeal da Esperança’ completaria 100 anos de vida na terça-feira, 14. Ele foi Arcebispo de São Paulo entre 1970 e 1998

Reprodução

O Senado Federal realizou na manhã da segunda-feira, 13, uma sessão especial em homenagem ao centenário de nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns, OFM. O proponente foi o senador Flávio Arns (Podemos-PR), sobrinho do Arcebispo. Os trabalhos foram abertos e dirigidos pelo senador Izauci Lucas (PSDB-DF).

Prestaram homenagens ao Cardeal Arns Dom Joel Portella Amado, secretário geral da CNBB; o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano;  Padre Júlio Lancellotti; o ex-senador Pedro Simon; Nelson Arns Neumann, sobrinho e coordenador adjunto da Pastoral da Criança; Anita Sue Wright, filha do Reverendo Jaime Wright e vice-presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; Frei Fidênco Vamboemmel, Providencial Franciscano da Imaculada Conceição do Brasil; além dos senadores Antonio Anastasia (PSD-MG), Humberto Costa (PT-PE) e Marcelo Castro (MDB-PI).

O acadêmico

No começo da sessão, o senador Izauci Lucas referiu-se a Dom Paulo como  ‘”um dos mais honrados homens que este país já viu”, e complementou: “independentemente da fé religiosa de qualquer dos presentes, Dom Evaristo é uma daquelas pessoas que nos servem como guia moral e espiritual. É um exemplo com o qual podemos nos tornar seres humanos melhores, mais coerentes, mais corretos”.

Izauci Lucas salientou ainda que já sagrado sacerdote e “imbuído de uma tremenda curiosidade intelectual, obteve os mais distintos títulos acadêmicos, inclusive o de doutor em línguas clássicas pela Universidade Sorbonne, uma das mais conhecidas do mundo e, também, conceituada. Ele poderia ter se restringido a atividade puramente intelectual e o teria feito com enorme mérito; como demonstra sua tese de doutorado publicada com o título ‘A técnica do Livro segundo São Jeronimo’. Mas teve a vontade de ir muito além. Trabalhou em favelas, construiu escolas, deu pão aos famintos, abrigo aos que tinham frio, consolo aos que sentiam desespero”.

De esperança em esperança

Na sequência, foi passado um pequeno vídeo biográfico, feito pelo próprio Senado.

Na sequência, o senador Flávio Arns falou sobre as virtudes do tio. “Sua história e seu legado merecem nosso reconhecimento e nossa valorização, principalmente por sua caminhada de vida a favor do ser humano, da cidadania, dos mais vulneráveis e por sua incansável luta em defesa da democracia”. Ele comentou que a história de vida de Dom Paulo inspirou gerações “e continua nos inspirando até hoje a seguir lutando por um país igualitário e justo”.

“Dom Paulo teve sua vida e seu trabalho, como já foi dito, baseados no lema que adotou para vida religiosa: ‘De esperança em esperança’. Esse lema foi materializado em suas ações, que o tornaram conhecido como ‘o Cardeal da Esperança’. Dom Paulo acreditava que mesmo com todos os males presentes no mundo por meio das ações humanas, somos chamados a caminhar de esperança em esperança. Esse cidadão do Céu e da terra, pastor e profeta, de inquebrantável força moral, tinha no trato com cada pessoa a confirmação do profundo respeito pelo ser humano e pela sua dignidade. Pela sua palavra e por sua ação, Dom Paulo se tornou agente de vida e vida plena para todos, em especial aos pequenos e esquecidos. Lutou por direitos e praticou a solidariedade”.

Atuação eclesial e democrática

“Acreditando no poder da comunidade foi incentivador, apoiador e mentor de diversos movimentos pastorais. Como, a Pastoral da Criança, cuja criação tive a honra de acompanhar de perto, ao lado da também querida tia, Zilda Arns. Também teve papel importante na criação da Pastoral da Pessoa Idosa, da Pastoral do Povo de Rua, Pastoral Operária, Pastoral de DST-AIDS. Quando ele estava sendo velado, na Catedral Metropolitana de São Paulo, sentimos essa proximidade do povo pela fila que se fazia até o meio da praça e todas as pastorais presentes para dizer ‘que bom dom Paulo, que estivemos juntos e vamos continuar juntos’”, disse Flávio Arns.

“A opção pelos mais vulneráveis também se fez presente em outras passagens emblemáticas na vida de Dom Paulo. Como quando vendeu, e é bom repetir isso, o Palácio Episcopal da Arquidiocese de São Paulo e usou o dinheiro arrecadado para criar centros comunitários na periferia da capital Paulista. Dom Paulo acreditava no poder do povo organizado”, continuou o senador.

“E não há como falar de Dom Paulo sem falar de sua atuação em defesa da democracia. Certamente, esse é um de seus principais legados. Em um período em que o Brasil vivenciou as consequências sombrias da ditadura, Dom Paulo não só resistiu, mas também agiu. Ao lado do pastor presbiteriano Jaime Wright e do rabino Henry Sobel, idealizou o projeto que resultou no livro ‘Brasil Nunca Mais’. A iniciativa deu voz a muitas pessoas que foram mortas ou torturadas durante o regime militar em nosso país. Destaco as palavras de Dom Paulo no prefácio do livro ‘as angústias e esperanças do povo, devem ser compartilhadas pela Igreja”.

Por fim, o senador desejou que a lembrança de dom Paulo sirva de inspiração para descoberta de caminhos de superação das injustiças, das divisões, das exclusões, dos radicalismos, dos preconceitos e das discriminações. ‘

Atuação no episcopado brasileiro

Dom Joel Portela Amado, secretário-geral da CNBB, recordou a atuação de Dom Paulo nas questões tratadas pela conferência episcopal.

“Sendo minha fala institucional, me permito tomar as palavras do então secretário geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, meu predecessor, por ocasião do falecimento de Dom Paulo Evaristo no dia 14 de dezembro de 2016. Naquele dia, assim, em nome de todos nós Dom Leonardo se expressava: ‘Em seu ministério episcopal, especialmente durante os penosos anos do regime de exceção vividos pelo Brasil, ele foi sempre um pastor símbolo da fidelidade à Palavra de Cristo e aos Ensinamentos da Igreja. Dom Arns,’ continua dom Leonardo, ‘tornou-se um verdadeiro ícone da defesa dos desamparados e perseguidos.’ ‘Sua palavra sempre trouxe especial alento ao coração dos cristãos e deu significativa contribuição na luta contra a tortura e o restabelecimento da democracia.’ Essa foi a fala, esse foi o texto de dom Leonardo no dia do falecimento. E de fato, minhas irmãs, meus irmãos, dom Paulo foi um homem de Fé. O fundamento de sua vida, a razão da sua missão, como já lembrado aqui, era Jesus Cristo. O Deus feito homem, homem simples e solicito de Nazaré, ao qual dom Paulo Evaristo, no caminho de São Francisco de Assis, se empenhou por configurar a cada dia.”

Dom Joel destacou, ainda, que em um tempo de regime de exceção, Dom Paulo primou sempre pela unidade e pela colegialidade, “tratando todas as pessoas com respeito. Particularmente quem pensava diferente dele. As diversas celebrações em homenagem ao seu centenário servem para refletirmos sobre o exemplo de alguém que soube viver na adversidade mantendo, porém, a unidade e o respeito. Durante os penosos anos do regime de exceção vividos no Brasil, Dom Paulo demonstrou com sua própria vida, como já destacado aqui pelos que falaram antes de mim, que a virtude da Fé é inseparável da esperança que se concretiza na caridade, na solidariedade”.

O secretario geral da CNBB concluiu sua fala, dizendo que Dom Paulo ensinou a beleza e a firmeza da esperança, traduzida em solidariedade. “Deixando-nos a lição de que somente assim, efetivamente superaremos o que nos parece, nas mais diversas situações da vida, nos parece insuperável. Para além das nossas diferenças, nós somos seres de esperança. E a esperança é chamada a se concretizar em atitudes de solidariedade. O testemunho de Dom Paulo Evaristo se torna para nós um legado que devemos acolher e levar adiante. Que Deus nos dê contínuas forças para em nossos dias trabalharmos pelos mesmos ideais de vida de paz, de justiça social, de democracia e de direitos humanos que marcaram a vida de Dom Paulo Evaristo”.

Sempre teve a marca da esperança

Também participante da sessão on-line, o Cardeal Odilo Pedro Sherer, Arcebispo de São Paulo, lembrou que a atuação de Dom Paulo se deu em um contexto histórico da sociedade e da Igreja: “Seu serviço à Igreja e à comunidade humana teve sempre a marca da esperança. Seu lema ‘de esperança em esperança’ é inspirado na palavra de Deus e serviu de orientação para vida e ação episcopal do Cardeal”.

Dom Odilo recordou a atuação de Dom Paulo para a aplicação das decisões do Concílio Vaticano II na Arquidiocese, desde a época que era Bispo Auxiliar na Região Norte (atual Região Episcopal Santana), e depois como Arcebispo, a partir de 1970.

“Com o passar dos anos o lema de Dom Paulo, mostrou-se cada vez mais inspirador e confortador para ele e para sociedade. Em 1970, com apenas quatro anos de episcopado, foi nomeado arcebispo de São Paulo, pelo Papa Paulo VI, que lhe confiou o pastoreio de toda metrópole paulistana. Na mesma época, São Paulo e o Brasil viveram anos difíceis, durante os quais dom Paulo, com destemor e paciência, indicou caminhos de esperança e superação. Diante das situações aviltantes da dignidade humana, ele empenhou-se na realização de pequenas e grandes esperanças das comunidades da periferia urbana e dos empobrecidos. Dom Paulo também se empenhou, engajou e encorajou muitos outros a se empenharem na normalização da vida democrática do Brasil”, continuou.

“As esperanças de Dom Paulo para o povo e para Igreja, continuam sendo as nossas esperanças. Ele queria uma Igreja-Povo de Deus onde todos tivessem seu lugar e participassem da missão e testemunho de Jesus Cristo no Evangelho”, afirmou Dom Odilo, que por fim, disse:

“Lembrar o centenário de Dom Paulo é, para todos nós, momento de lembrar que as suas esperanças são as nossas esperanças. E que a sua luta é também a nossa luta, luta de toda sociedade brasileira. Que, portanto, recordar Dom Paulo seja para nós motivo de empenho e novo compromisso para construir um Brasil melhor e edificar a Igreja, voltada para pessoa humana, o bem comum. Voltada para os valores do Evangelho, que fazem muito bem a sociedade.”

Dom Paulo abraçou a cruz

Frei Fidênco Vamboemmel, capuchinho providencial franciscano da Imaculada Conceição do Brasil, destacou que Dom Paulo nasceu no dia que a Igreja celebra a exaltação da Santa Cruz, 14 de setembro, de modo que “ele abraçou a cruz de Jesus como fiel discípulo do Evangelho. Creio que Dom Paulo, seja como frade menor, seja como membro de sua família que tanto amava, seja bispo e pastor dessa grande Arquidiocese referência para todo Brasil, mais do que nunca abraçou essa cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

O Frade disse ainda que o Cardeal para seus irmãos da província franciscana, “foi um referencial muito importante, significativo, do apreço, do cuidado para com os pobres de Deus, as pessoas mais fragilizadas. Em seu livro ‘Um Padre em Sete Morros Abençoados’, ele mesmo narra um pouco da sua trajetória, sobretudo como formador de frades menores. E relata uma tragedia que aconteceu em Petrópolis no mesmo ano que foi nomeado para bispo auxiliar de São Paulo, 1966. No primeiro semestre houve ali uma grande tragédia. O que dom Paulo fez? Ele pediu para os frades tirassem seu hábito religioso, vestissem calças, botas e socorrer as pessoas feridas e ajudar a recolher os mortos. Foi um trabalho incansável durante o dia e depois, ele mesmo fala, na noite ‘recolheram os mortos no salão da igreja da ordem terceira franciscana, fizemos escala e os frades após o banho, trajando os hábitos passaram a noite ao lado dos mortos, rezaram e cantaram par evitar a confusão do choro e a reclamação contra Deus.”

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