
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO
A natureza nos fascina, nos repousa, nos dá uma sensação de paz e integração com a realidade – nossas estradas lotadas de carros indo para praia e campo nos feriados e as crianças pequenas encantadas com animaizinhos nos mostram isso claramente. O Papa Francisco, na Laudato si’, trouxe uma nova dimensão a esse fascínio: “dizer ‘criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado […] a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal” (LS 76).
Muitas lideranças lutam pelo bem dos mais pobres e sofredores, mas Francisco trouxe a essas lutas uma dimensão de ternura e carinho. Não se trata apenas de defender direitos e combater a injustiça, mas de um amor cheio de ternura, que corresponde de forma muito mais ampla ao coração humano. Essa ternura, esse amor, claramente testemunhados em sua conduta, são o grande diferencial que fez da Ecologia Integral um fato novo na história da defesa do meio ambiente no mundo todo.
Por isso, na Campanha da Fraternidade de 2025, cujo tema é a Ecologia Integral, uma justa reflexão deve ter como conceitos iniciais e temas transversais o maravilhamento diante da beleza da criação e o cuidado para com a Casa Comum. O bom e o verdadeiro se manifestam, em todo o seu esplendor, na beleza – que é mais do que um sentimento estético, mas sim o sinal da profunda correspondência entre a realidade e o nosso coração. Não basta conhecer os males que nossa sociedade traz para a natureza e para si própria: para fazer o bem, temos que estar guiados pela verdade e pela beleza. Não basta uma visão moralista ou militante das práticas ambientais (algo como “temos que fazer isso para evitar uma catástrofe ambiental”). Grandes males virão do descaso com o meio ambiente, mas o “cuidado com a Casa Comum” se baseia em duas virtudes fundamentais: o respeito e a ternura – virtudes essas cada vez mais esquecidas em nossa sociedade individualista e niilista. Quem aprende a respeitar, respeita as pessoas, os demais seres vivos e até as coisas com as quais se relaciona; quem aprende a amar, demonstra ternura e cuidado com tudo que o cerca.
Reconhecer o desafio do aquecimento global
É inegável que a crise climática decorrente do aquecimento global, tema central da encíclica Laudato si’ (2015) e da exortação Laudate Deum (2023), é a grande ameaça ecológica do mundo atual. A comunidade científica acumula evidências do aquecimento global desde o século XIX. A primeira análise comparativa de dados de postos climatológicos espalhados pelo mundo, mostrando o aumento de temperatura média do planeta, foi publicado em 1938!
Porém, assim como há dias mais frios ou mais quentes na mesma estação do ano, os anos não vão se tornando mais quentes de modo uniforme. Assim como o interior de um bosque é mais fresco que a cidade adjacente, as diferentes regiões do planeta não se aquecem igualmente. Por isso, a percepção individual nem sempre capta o aquecimento global – ele só se tornava, evidente, no século XX, a partir de estudos estatísticos com dados de longa duração.
Mas o problema se tornou muito mais evidente agora. Os aumentos de temperatura se tornaram mais perceptíveis e enfrentamos um desafio antes pouco notado: os “eventos climáticos extremos” (furacões, tempestades, inundações), cada vez mais frequentes e devastadores. No planeta, algumas regiões aquecem mais do que outras e, quanto maior a diferença de temperatura entre dois pontos, maior a probabilidade de um evento climático extremo acontecer – e eles estão acontecendo, como vimos no Rio Grande do Sul no ano passado e estamos vendo em São Paulo neste ano (cf. Texto-base da Campanha da Fraternidade 2025, nsº 30-45).
Mas as evidências científicas e até as mais recentes percepções de senso comum frequentemente se confundem com discursos partidários. Em nosso mundo polarizado, uma falsa e injusta fidelidade partidária pode se tornar, para qualquer um de nós, mais importante do que o amor à verdade. A Campanha da Fraternidade não pode deixar de ser um chamado a uma conversão ecológica (Idem, nº 54-62) que dialogue com todos, buscando o consenso em torno da verdade e não a afirmação da própria posição, nos ajudando a abraçar tanto a “Casa Comum” quanto os nossos irmãos que mais sofrem com as catástrofes ambientais.
Superar o paradigma tecnocrático
No quarto capítulo da Laudato si’, o Papa Francisco procura chegar às razões mais profundas da crise ambiental de nossos tempos, caracterizando o atual “paradigma tecnocrático”. Escreve: “Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e do mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a maneira como o está usando […] A verdade é que o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder […] Temos um ‘superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizado- ra’ (Bento XVI. Deus caritas est, DCE 22)” (LS 104-109).
Não se trata de uma crítica ao progresso ou à técnica em si, como alguns querem ver, ou um embate entre capitalismo e socialismo, como querem outros (ainda que as críticas a nosso sistema econômico sejam duras e inevitáveis). É uma crítica radical à forma como usamos o poder – seja qual for sua origem. A própria lógica que rege os sistemas econômicos e políticos leva ao desrespeito para com a “Casa Comum” e com os mais vulneráveis na sociedade. Francisco nos apresenta um grande embate entre o poder/dominação que a tudo desrespeita e degrada em sua ambição, e o amor/cuidado que acolhe e faz crescer a vida humana e toda a criação.
A educação ambiental e o compromisso político
A frase “agir localmente, pensar globalmente” é um dos grandes lemas dos movimentos ambientalistas. Reforça a necessidade das pequenas práticas de cuidado e respeito (como reciclar o lixo, evitar o desperdício, cuidar dos espaços verdes) como caminho para a melhoria da vida em todo o planeta.
Nesta Campanha da Fraternidade, somos chamados a combinar uma conduta pessoal adequada do ponto de vista ecológico com o compromisso político por uma organização da sociedade que respeite o meio ambiente. Não adianta as famílias separarem o lixo reciclável se as prefeituras não tiverem coleta seletiva e usinas de reciclagem; não basta economizar água em casa se o sistema de distribuição tem perdas consideráveis nas tubulações; o desenvolvimento industrial e econômico não deve ser negado, mas orientado para a realização do bem comum; a redução da emissão de gases do efeito estufa implica em políticas governamentais adequadas… Não há defesa da Casa Comum sem compromisso político.
A Ecologia Integral implica em uma espiritualidade cheia de fascínio e cuidado para com a Criação que recebemos de Deus, em práticas ambientais pessoais e comunitárias e em um compromisso político pelo bem de todos e de nossa Casa Comum.