Em live, especialistas apresentam as primeiras impressões sobre a Laudate Deum

Entender os objetivos do Papa Francisco ao publicar a exortação apostólica Laudate Deum e quais as mensagens principais do documento foi a proposta de uma live promovida, no dia 6, pelo jornal O SÃO PAULO, a rádio 9 de Julho e o Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, com o apoio do site Aleteia.

Mediado pela jornalista e radialista Cleide Barbosa, o encontro on-line teve as participações do jornalista Filipe Domingues, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, vice-diretor do Lay Centre, em Roma, e colaborador do O SÃO PAULO; da psicóloga Marlise Bassani, professora titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP, onde desenvolve pesquisas na área de psicologia ambiental; e do sociólogo e biólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP e que se dedica ao estudo da Doutrina Social da Igreja e das relações entre meio ambiente, religião e cultura.

RETOMADA DE PREOCUPAÇÕES

Inicialmente, os debatedores analisaram as motivações do Papa para escrever a Laudate Deum. No entender de Domingues, o Pontífice buscou reforçar preocupações sobre as questões ambientais que ele já havia externado há oito anos na encíclica Laudato si’, mas que tiveram poucos avanços desde então. Também objetivou desfazer as resistências e confusões sobre a temática ambiental.

Marlise, por sua vez, observou que o Papa retoma as falas de diferentes conferências episcopais sobre a crise climática, ressaltando, assim, que este tema preocupa a toda a Igreja; vale-se de dados científicos a respeito; aponta que o ser humano é parte da natureza, não devendo a ela sobrepor-se; e pede que se valorizem as boas ações que já são realizadas em diferentes locais.

De acordo com Borba, na nova exortação apostólica, o Papa destaca que já não há mais como duvidar de uma crise climática global e que esta é decorrente das atividades humanas. Também ressalta a necessidade de que haja uma transição enérgica; e diante do atual paradigma cultural tecnocrático – uma espécie de idolatria ao poder da ciência, da técnica, do dinheiro e dos governos para sobrepor suas vontades perante a realidade –, o Papa propõe o amor, pois aquilo que é justo, bom e capaz de levar à realização humana é definido pelo amor. Além disso, o Pontífice retoma a ideia de que “a ternura de Deus por nós se manifesta nos dons da natureza”.

UM PROBLEMA QUE SE PERPETUA

Domingues observou que já no início do documento, o Papa sinaliza que “a questão ambiental é um problema social global que está intimamente ligado à dignidade da vida humana, não é algo meramente ecológico. O problema ambiental é um pecado estrutural, de modo que enquanto esta estrutura não mudar, vamos continuar errando”.

Citando os atuais projetos do governo brasileiro para extrair petróleo da Amazônia, o jornalista enfatizou: “Os poderosos, incluindo os governos, no fim das contas, parecem estar preocupados apenas em como obter resultados rápidos. Explorar petróleo na Amazônia, por exemplo, nem deveria ser cogitado por um país que quer se apresentar ao mundo como um modelo de preservação do meio ambiente”.

NOVAS INSTÂNCIAS DE DECISÃO

Diante do exemplo citado por Domingues, Borba recordou que na exortação apostólica o Papa faz um chamado para que as pessoas não fiquem à espera das ações dos governos para solucionar as problemáticas ambientais: “É fundamental que as organizações da sociedade trabalhem juntas para acelerar este processo de transição energética, de conservação dos recursos naturais, de recuperação de florestas”.

Marlise disse já perceber que diferentes movimentos de base têm se unido para cobrar dos poderes públicos mudanças nas políticas ambientais locais. Ela também citou uma pesquisa feita em dez países da América Latina, segundo a qual o Brasil é a única dessas nações em que as pessoas se sentem corresponsáveis pelos rumos da questão ambiental. Diante desse panorama – lembrou a psicóloga – os governos terão de ouvir mais os movimentos, as pessoas e as comunidades, já que estes “passam a cobrar uma nova configuração econômica e de participação nas políticas públicas”.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Os participantes da live também responderam a perguntas dos internautas. Um deles questionou se o Brasil, ao não extrair petróleo na Amazônia, não estaria na contramão de potências como os Estados Unidos e o Reino Unido que estudam a extração deste recurso em reservas ainda não exploradas.

Borba enfatizou que o melhor caminho para o Brasil é investir na transição energética, com o uso de fontes menos poluentes que o petróleo: “É possível, sim, crescer com modelos alternativos que minimizam o impacto ambiental. A grande questão reside no quanto a sociedade está disposta a pagar o preço de uma transição cultural para hábitos de consumo mais comedidos – o que não significa perda de qualidade de vida – e de fazer a troca de certas tecnologias mais poluentes por outras mais limpas”.

Já Domingues lembrou que a lógica apresentada por Francisco na Laudate Deum é a de que os modelos econômicos se moldem às necessidades das pessoas e não o contrário. “O Papa está insistindo que se deve colocar a vida no centro, olhando o ser humano como parte da Criação. Assim, parte-se daquilo que precisa ser produzido e disponibilizado para que todos tenham vida, e não da preocupação primeira de como ganhar dinheiro para depois tentar achar um modelo que tente fazer as pessoas se beneficiarem dentro dele”, explicou, recordando que na exortação apostólica o Pontífice fala de um multilateralismo construído de baixo para cima, com a sociedade se organizando a partir de suas necessidades para uma vida mais sustentável.

IGREJA: MEDIAÇÃO E ESPERANÇA

Na parte final da live, tanto Domingues quanto Marlise lembraram o alerta feito pelo Papa no último parágrafo da Laudate Deum: “Um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo” (LD 73).

Domingues apontou que o Pontífice, retomando a figura de São Francisco de Assis, apresenta a Igreja comprometida com as questões ambientais, dada sua preocupação com a sobrevivência atual e a das próximas gerações. “Francisco parte da ideia do ser humano como guardião da Criação e não seu proprietário”, ressaltou.

Marlise lembrou que o Papa tem feito com que todas as pessoas, e não somente os católicos, se questionem sobre os próprios hábitos de vida, e isso ajuda que avance o debate sobre a questão ambiental. “Temos bens em comum e uma relação compartilhada com a natureza, um compromisso com a vida, com o outro e é nisso que deve estar a prioridade de pensar em mudanças de hábitos e nas relações entre nós, para que sejam mais fraternas e solidárias, para que cresçamos juntos. Não devemos nos esquecer de que fazemos parte de um planeta, de que somos a natureza e o somos com o outro”.

Por fim, Borba destacou que com mais este documento, o Papa mostra como a natureza pode ser um sinal fascinante da ternura de Deus com o ser humano, fazendo um convite “para que nós encontremos a Deus no amor ao próximo, na luta por um meio ambiente um pouco melhor e no esforço por uma sociedade mais justa”.

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