Francisco tinha uma visão integrada dos problemas ambientais e sociais

Vatican Media

O argentino Jorge Mario Bergoglio (1936-2025) foi o Papa que mais fez pelo clima. Em maio de 2015, lançou a encíclica Laudato si’, marco inédito na posição de católicos sobre questões ambientais. No fim daquele ano, 196 países assinaram o Acordo de Paris, com o compromisso também inédito de manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais. O Vaticano e a ONU destacam o papel relevante da encíclica nos processos que permitiram a construção do acordo climático. 

Na Laudato si’, o Papa Francisco diz que não há como separar a crise ambiental da pobreza, desigualdade e justiça social. De fato. Quem é mais afetado por enchentes e deslizamentos de terra? Quem ficou sem ir à escola e teve dificuldades para comprar comida por causa da seca dos rios da Amazônia em 2023 e 2024? O atendimento interrompido de postos de saúde e creches durante as enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado prejudicou principalmente a quem? Os mais pobres. Francisco tinha uma visão integrada dos problemas ambientais e sociais.

O documento apresenta de forma clara e objetiva as causas do maior problema coletivo da humanidade, e aponta a necessidade de soluções urgentes com base na ciência, como o fim do uso de combustíveis fósseis e do desmatamento. Critica padrões insustentáveis de produção e consumo. Parte do melhor conhecimento científico disponível para construir um alerta abrangente sobre a situação ambiental do planeta, em especial sobre a mudança do clima. Indica a atividade humana como causa principal do aquecimento da Terra. E exige de líderes políticos medidas de adaptação, mitigação e financiamento climático ao cobrar que os compromissos assumidos nas negociações internacionais sejam ambiciosos e saiam do papel.

Francisco olhou para a Amazônia desde o início do pontificado. Em 2014, criou a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) como iniciativa fundamental para a defesa da floresta e de seus povos. Durante visita à Colômbia, em 2017, destacou a sabedoria dos povos amazônicos e a necessidade de aprender com a visão deles sobre a vida e a natureza. No mesmo ano, anunciou um sínodo especial para a Pan-Amazônia, com um processo de escuta dos povos originários. Em 2019, o sínodo foi realizado no Vaticano, com a presença de religiosos, indígenas e cientistas, como o climatologista brasileiro Carlos Nobre.

Em 2021, Francisco enviou uma carta à 26ª Conferência do Clima da ONU (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, enfatizando a urgência de ações políticas. Dois anos depois, pouco antes da COP28 e após uma série de eventos climáticos extremos, publicou a Laudate Deum, uma continuação da encíclica ambiental de 2015. Na ocasião, alertou que “não temos reações suficientes enquanto o mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”. Em resumo, endossou o que ambientalistas e cientistas vêm defendendo há décadas. 

Fomos e continuaremos a ser inspirados pelo legado de Francisco. A cartilha Nossa casa comum: guardiões da criação é resultado de parceria do Observatório do Clima com o Movimento Laudato Si’, o Instituto de Estudos da Religião (Iser) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O material apresenta a encíclica e as evidências científicas ao tratar do maior desafio da humanidade. A ideia é que religiosos compartilhem as informações em suas comunidades. 

Na Laudato si’, Francisco repete que “tudo está interligado”. Ele defendia uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza. “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental.”

SOBRE O AUTOR
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, é formado em gestão pública e pós-graduado em políticas públicas e direito constitucional. Possui vasta experiência nos poderes Executivo, Legislativo e no terceiro setor.

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