Os 10 anos da Laudato si’ e a inspiração para políticas públicas municipais

POR JOSÉ MARIO BRASILIENSE CARNEIRO E EDER BRITO

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Neste mês, a encíclica Laudato si’, do recém-falecido Papa Francisco, completa dez anos. O documento teve grande repercussão tanto no mundo católico quanto fora dele. Ao abordar com profundidade as questões socioambientais, as palavras do Papa serviram de alerta e apontaram caminhos para a superação dos desequilíbrios na ecologia humana e ambiental.

As urgências climáticas, visíveis nas catástrofes ambientais e na pandemia de COVID-19 (2020), demonstram a relevância da abordagem de Francisco. O Papa oferece como resposta a esperança cristã: “O urgente desafio de proteger a nossa Casa Comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado” (LS 13).

A colaboração é necessária no enfrentamento de problemas concretos como os citados no parágrafo 24, sobre os impactos do aquecimento global, especialmente em cidades litorâneas. Exemplo disso tem sido a solidariedade para superação do drama decorrente das enchentes nas cidades do Rio Grande do Sul, ocorrido em 2024. Por outro lado, o parágrafo 28 destaca o desafio correlato da escassez hídrica nas grandes cidades e em regiões pobres do planeta. 

Na mesma linha, o parágrafo 44 denuncia a má qualidade de vida provocada pelo “crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades”, citando a poluição do ar, os problemas de transporte e as demandas insustentáveis de energia e água. Para tanto, é fundamental o planejamento e a gestão das cidades segundo o princípio da subsidiariedade, preconizado pela Doutrina Social da Igreja (DSI), que aponta para soluções descentralizadas. 

Na ONG Oficina Municipal, uma Escola de Cidadania e Gestão Pública, temos acompanhado experiências inovadoras em políticas ambientais regionais. Por exemplo, no Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema (Civap), com sede em Assis (SP), as conferências intermunicipais de Meio Ambiente priorizaram a construção de uma usina de geração de energia por meio de resíduos sólidos urbanos. Recém-licenciada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) a usina atenderá 15 municípios, convertendo lixo em gás de síntese para gerar energia elétrica ou abastecer processos industriais.

Outro aspecto ressaltado pela Laudato si’ é a importância da participação cidadã. Nesse sentido, também observamos na Oficina Municipal o crescente engajamento da sociedade civil na busca de soluções locais para problemas ambientais. Isso é visível na participação de centenas de pessoas nos cursos on-line para membros de conselhos municipais de meio ambiente. Diante desses exemplos, fica evidente a inspiração oferecida pela Igreja às políticas públicas municipais.

A recente eleição do Papa Leão XIV aponta na mesma direção. Ao fazer memória de Leão XIII, autor da primeira encíclica social (Rerum novarum, 1891), Leão XIV recoloca a DSI como pilar da nova evangelização e da busca de respostas aos desafios socioambientais da humanidade.

Concluímos com o apelo do Papa Francisco à solidariedade: “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos, e suas raízes humanas, dizem respeito e têm impacto sobre todos nós… Precisamos de nova solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, ‘são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus’” (LS 14).

SOBRE OS AUTORES
José Mario Brasiliense Carneiro, diretor-presidente da Oficina Municipal, é advogado (USP), mestre e doutor em administração pública (FGV-SP), com especialização em Teologia da Evangelização (Universidade Lateranense).
Eder Brito, gerente da Oficina Municipal, é jornalista (Metodista) e mestre em administração pública (Korean University e Universidade de São Paulo)

Comentários

  1. Ótima reflexão.
    Somos todos capazes de redirecionar nossas comunidades ao eixo de uma relação humana socioambiental mais digna para todos.
    E isso é uma responsabilidade nossa como ser humano.

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