Os alertas do Papa Francisco sobre as mudanças no clima

Vatican Media

Em dez anos de pontificado, as falas e escritos do Papa Francisco sobre o cuidado com a casa comum têm despertado a atenção mundial, especialmente quando o Pontífice alerta para os impactos prejudiciais da ação humana no clima.

Francisco discorre longamente sobre essa temática na encíclica Laudato si’, lançada em 2015; apresenta uma análise ainda mais detalhada na exortação apostólica Laudate Deum, lançada em outubro de 2023; e fez um veemente chamado aos líderes mundiais no discurso que enviou aos participantes da Conferência dos Esta- dos-Parte na Convenção das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em novembro e dezembro do ano passado.

Apresentamos a seguir, alguns apontamentos do Pontífice sobre a problemática das mudanças climáticas presentes nos dois documentos e no discurso à COP28.

O que explica as mudanças climáticas atuais?

Há um consenso científico muito consistente, indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas, este aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar, sendo difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos, embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a cada fenômeno particular (…) É verdade que há outros fatores (tais como o vulcanismo, as variações da órbita e do eixo terrestre, o ciclo solar), mas numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases com efeito de estufa (dióxido de carbono, metano, óxido de azoto e outros) emitidos sobretudo por causa da atividade humana. Concentrando-se na atmosfera, esses gases dificultam a evasão do calor que a luz do sol produz sobre a superfície da Terra. Isto é particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial.

(Laudato si’, 23)

Sinais evidentes

Os sinais da mudança climática se impõem a nós de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da Terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afeta a todos. É verdade que nem todas as catástrofes se podem atribuir à alteração climática global. Mas é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos.

(Laudate Deum, 5)

Secas e aluviões, enxugamento de lagos e populações eliminadas por maremotos ou inundações têm fundamentalmente a mesma origem [o desequilíbrio global causado pelo aquecimento do planeta].

(Laudate Deum, 7)

Já são irreversíveis, pelo menos durante centenas de anos, algumas manifestações desta crise climática, como o aumento da temperatura global dos oceanos, a acidificação e a redução do oxigênio. As águas dos oceanos possuem uma inércia térmica, sendo necessário séculos para normalizar a temperatura e a salinidade, com consequências para a sobrevivência de muitas espécies.

(Laudate Deum, 15)

Ambição em produzir e possuir

A ambição de produzir e possuir transformou-se em obsessão e resultou em uma ganância sem limites, que fez do ambiente o objeto de uma exploração desenfreada. O clima enlouquecido soa como um alerta para acabarmos com tal delírio de onipotência.

(Em discurso à COP28)

Infelizmente, a crise climática não é propriamente uma questão que interesse às grandes potências econômicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no mais curto espaço de tempo possíveis.

(Laudate Deum, 13)

Não pensemos só na possibilidade de terríveis fenômenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de mantê-lo, só poderá provocar violência e destruição recíproca.

(Laudato si’, 204)

Um problema humano e social

De uma vez por todas, acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, ‘verde’, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos. Admitamos, finalmente, que se trata de um problema humano e social em sentido amplo e em diversos níveis. Por isso requer-se o envolvimento de todos.

(Laudate Deum, 58)

Os mais pobres são as principais vítimas

Não é culpa dos pobres, pois quase metade do mundo, a mais indigente, é responsável apenas por 10% das emissões poluidoras, enquanto nunca apareceu tão abissal o fosso entre o limitado grupo de facultosos e os inúmeros desvalidos. Na realidade, estes é que são as vítimas do que está a acontecer: pensemos nas populações indígenas, na desflorestação, no drama da fome, na insegurança hídrica e alimentar, nos fluxos migratórios induzidos.

(Em discurso à COP28)

Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção. Por exemplo, as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isso, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos.

(Laudato si’, 25)

A urgência de uma transição ecológica

Muitos sintomas indicam que tais efeitos [das mudanças climáticas] poderão ser cada vez piores, se continuarmos com os modelos atuais de produção e consumo. Por isso, tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que, nos próximos anos, a emissão de dióxido de carbono e outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável.

(Laudato si’, 26)

Precisamos dar um sinal concreto de esperança. Que esta COP seja um ponto de virada: manifeste uma vontade política clara e palpável que leve a uma decidida aceleração da transição ecológica por meio de formas que tenham três caraterísticas: sejam eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis. E encontrem realização em quatro campos: a eficiência energética, as fontes renováveis, a eliminação dos combustíveis fósseis e a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos.

(Em discurso à COP28)

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