Aquecimento global: uma polêmica científica e política

O efeito estufa, um processo natural que mantem a superfície da Terra em uma faixa de variação térmica compatível com a vida, tem sido objeto de investigação científica há quase dois séculos. Contudo, um intenso debate, que ultrapassou as fronteiras da ciência, iniciou-se quando a imensa maioria dos climatologistas atribuiu o recente aquecimento global à emissão de gases decorrentes das atividades humanas.

Cetesb

Em 1824, o cientista francês Joseph Fourier foi o primeiro a levantar a hipótese de que a atmosfera da Terra atua como um isolante térmico, retendo o calor e mantendo temperaturas propícias à vida. Ainda no século XIX, foi demonstrado que certos gases, como gás carbônico (CO₂), metano (CH4) e água, absorvem radiação infravermelha, retendo calor. Arrhenius, em 1896, foi o primeiro a quantificar o efeito do aumento do CO₂ atmosférico, associando-o, na época, a um possível aquecimento global. Em 1901, por Nils G. Ekholm, cunhou-se o termo “efeito estufa”.

Já em 1938, Guy Callendar apresentou as primeiras evidências de que o CO₂ atmosférico estava aumentando e se correlacionava com aumentos nas temperaturas globais. No entanto, suas descobertas foram recebidas com ceticismo na comunidade científica da época, devido aos poucos dados empíricos apresentados. A primeira comprovação amplamente aceita pela comunidade científica dessa correlação aconteceu em 1958, com as medições no Observatório de Mauna Loa, no Havai, por Charles Keeling.

A partir da década de 1960, modelos climáticos aprimorados e dados científicos de várias origens fortaleceram a convicção, entre os climatologistas, da origem antropogênica do aquecimento global atual. Nas décadas seguintes, iniciaram-se as discussões buscando possíveis respostas políticas internacionais para minimizar o problema. Foi criado, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), e, na Eco-92, no Rio de Janeiro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), cujos países signatários se reúnem anualmente nas COP (Conferência das Partes). Em 1997, o Protocolo de Kyoto foi o primeiro pacto internacional que buscou a redução de emissões para os países desenvolvidos, mas enfrentou desafios devido à retirada dos Estados Unidos, maior emissor de gases do efeito estufa no mundo. Paralelamente, cresciam as iniciativas voltadas à transição energética, visando à substituição dos combustíveis fósseis por outras fontes de energia “limpas”, como a solar e a eólica.

Em 2015, o Acordo de Paris propôs uma transição energética acelerada, estimulando o aumento do investimento em energia renovável e eficiência energética, levando a uma independência mais rápida dos combustíveis fósseis. Contudo, seus resultados práticos têm ficado aquém das expectativas…

O combate ideológico e político

No Brasil, o termo lobby é geralmente associado a um trabalho corrupto, de pagamento a políticos para fins escusos. No contexto internacional, é comum usar-se o termo advocacy para designar as ações para propor, aos tomadores de decisões, uma causa ou política pública. Não usando meios escusos ou disseminando informações falsas, é uma atividade justa e necessária nas democracias.

Dado o impacto econômico e social da transição energética, rapidamente se formaram dois blocos mundiais de advocacy, um pró-ação climática, formado por organizações ecológicas, instituições científicas e partidos com orientação ambientalista; e outro contrário, formado por empresas associadas ao consumo de combustíveis fósseis e partidos a elas ligados. Enquanto o primeiro grupo se dedica a alertar para os perigos do aquecimento global, o segundo busca negar ou relativizar a contribuição das atividades humanas para o aquecimento global. 

Fundo de Defesa Ambiental (EDF)

Os lobbies pró-ação climática se apoiam no consenso majoritário, nos meios acadêmicos e na grande mídia, da necessidade de uma transição energética rápida e profunda. A origem de seus recursos financeiros varia muito, mas, nos Estados Unidos, estima-se que algumas organizações, como o Fundo de Defesa Ambiental (EDF) e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC), gastam milhões anualmente para defender iniciativas de energia limpa e políticas de redução de carbono.

Do lado oposto, os maiores lobbies contra a transição energética estão historicamente associados a grandes empresas de combustíveis fósseis e grupos industriais, como ExxonMobil, Chevron, BP e Instituto de Petróleo Americano (API). Atuam a partir da negação da visão majoritária nos meios acadêmicos de que os gases liberados pela atividade humana são os principais responsáveis pelo aquecimento global. Contam com o apoio de grupos políticos que veem na questão ambiental uma ameaça à ordem econômica e aos valores da sociedade ocidental. Em 2019, uma reportagem da revista Forbes estimou que as cinco maiores empresas de petróleo e gás do mundo gastavam aproximadamente 200 milhões de dólares anualmente em esforços de lobby destinados a atrasar ou bloquear políticas relacionadas ao clima.

Protestos nos EUA contra a Exxon
Reprodução da Internet

A luta contra o aquecimento global ganhou perfil partidário a partir dos Estados Unidos, na década de 1990. O Partido Republicano tem uma posição pró-liberdade de mercado e vê nas propostas de transição energética uma intervenção do Estado na economia e uma tentativa de desestabilizar a economia norte-americana. O confronto se tornou ainda mais agressivo depois que Al Gore, candidato democrata derrotado nas eleições presidenciais, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007, por sua militância contra o aquecimento global. Em 2019, apenas 34% dos republicanos acreditavam que a atividade humana contribuía significativamente para o aquecimento global, em comparação com 89% dos democratas.

Quem será prejudicado pela transição energética?

O aquecimento global é um fenômeno inegável. A base de dados disponível é ampla e as divergências são bem explicadas pela ciência. Os riscos e prejuízos trazidos pelo aquecimento global deixaram de ser projeções futuristas – já convivemos com eles no presente. O ceticismo climático se concentra principalmente na contribuição dos gases emitidos pela atividade humana e na real necessidade de uma transição energética para fontes “limpas”.

Pexels

Mas qual prejuízo advém da transição energética? Ela não trava o desenvolvimento econômico. Contudo, a mudança do modelo tecnológico favorecerá aqueles que souberem se adaptar e inovar, podendo prejudicar os que estão acomodados na situação atual. Por exemplo, em 2010, a Ford e a General Motors, juntas, tinham um valor de mercado de 90 bilhões de dólares, com produção de 14 milhões de veículos; enquanto a Tesla valia apenas 2 bilhões de dólares, produzindo algumas centenas de veículos. Em 2024, as duas montadoras tinham diminuído (valor de mercado somado de 83 bilhões de dólares, produção de 10,7 milhões de veículos); enquanto a Tesla valia mais de 1 trilhão de dólares, produzindo cerca de 1,77 milhões de veículos elétricos! Este é o verdadeiro problema econômico em jogo…

Por outro lado, a adoção de fontes de energia menos poluidoras e outras medidas de redução do CO2 atmosférico tem um inegável impacto positivo para o bem comum. Além do efeito sobre o aquecimento global, implica cidades menos poluídas, aumento de áreas verdes e, indiretamente, o desenvolvimento de uma consciência maior da interdependência global, da solidariedade e de novos estilos de vida.

Deixe um comentário