João Guilherme, 21, e Anastasiia, 19, ucraniana e grávida de 7 meses, moravam em Kiev, a capital do país
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Em 24 de fevereiro, o mundo assistia aos primeiros movimentos da invasão da Ucrânia pelas tropas russas. Antes mesmo do início dos ataques, milhares de ucranianos começaram a deixar o país ou pelo menos garantir os suprimentos necessários para se abrigar em algum lugar mais seguro.
Até a terça-feira, 8, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 2 milhões de ucranianos já haviam deixado o País, sem contar os deslocados no próprio território ucraniano.
Em meio aos ataques, João Guilherme e a esposa, Anastasiia, deixaram tudo em Kiev, capital ucraniana, e fugiram para Viena, capital da Áustria. Ao O SÃO PAULO, ele contou a experiência vivida não só por sua família, mas por toda a população ucraniana. Relatou, ainda, a tensão e apreensão com os toques de sirenes e mísseis.
CENÁRIO DE GUERRA
Quando deixou o Brasil em 2018, o empresário João Guilherme Azevedo Pires Barreto Fonseca Müller Haydan Kramberger não imaginou que viveria de perto a realidade de uma guerra, com os sentimentos de medo, insegurança, impotência, necessidade de fuga, destruição e morte.
Foi à Polônia, onde cursou Economia e Comércio Exterior, e na faculdade conheceu sua esposa, a ucraniana Anastasiia, que está grávida de 7 meses, de Teresa.
Após quatro anos em solo polonês, o casal decidiu ir a Kiev, para terem a bebê perto da família materna, que reside em Lviv, cidade que fica na fronteira com a Polônia. Quando o conflito começou, fazia apenas três meses que eles tinham se mudado.
“Quando chegamos a Kiev, ainda não estava esse caos todo, mas logo na semana seguinte começou essa tensão diplomática entre os dois países”, relatou João Guilherme, que soube do primeiro ataque que acontecera no aeroporto da cidade por meio de seus pais brasileiros. “Acordei com eles ligando super preocupados com o ataque. Eu morava a 20 quilômetros do ponto atacado, mas precisamos agir rápido para sair da cidade”, disse.
A FUGA EM MEIO AO CAOS
Sabendo da possibilidade do ataque ao país, João Guilherme comprou passagens de trem para deixar a capital. Logo após o primeiro bombardeio, o casal conseguiu partir de Kiev e foi para Lviv, numa viagem de quase duas horas e ali ficaram três dias aguardando até conseguirem um ônibus para prosseguir viagem até um ponto seguro.
“Quando eclodiu a guerra, fomos obrigados a deixar tudo para trás e fugir, inclusive nosso apartamento novo. Saímos de casa somente com uma mala pequena, levando o básico”, contou. No caminho de casa até a estação, o casal viu de perto o desespero das pessoas.
“Era grande o fluxo de carros na rua, de pessoas querendo abastecer, de pessoas querendo sair da cidade, que já estava com os acessos bloqueados. Eram filas nos mercados para garantir suprimentos, nos caixas eletrônicos para sacar dinheiro”, recordou.
Chegando a Lviv, eles aguardaram um ônibus que os levou até a Áustria, onde permanecem no momento.
“O itinerário do ônibus em dias normais é feito em nove horas, mas, por causa do grande número de pessoas saindo pela fronteira com a Polônia, nós ficamos três dias dentro do ônibus – lotado, sem ar-condicionado, com um único banheiro, sem poder sair e com a esposa no 7º mês de gestação”, disse, recordando ainda que a viagem foi marca- da por momentos de medo, insegurança e muita tensão.
“Por causa da incursão militar, grande parte da população buscou sair às pressas pela fronteira. Nosso ônibus, por exemplo, tinha mais passageiros que o permitido, e fez um trajeto de cinco quilômetros em dois dias”, contou, recordando o itinerário por Cracóvia e Katovice (Polônia), Brno (República Tcheca) até chegar a Viena.
MISTO DE SENTIMENTOS
João Guilherme relatou que o con- texto de guerra gera um misto de sen- timentos: “Primeiro vem a tristeza em ter que deixar para trás tudo o que foi construído; depois, estando imerso na realidade, vendo tudo à nossa volta, vem o sentimento de impotência de não con- seguir fazer nada para acabar com tudo isso; em seguida, brota um orgulho de estar ali junto a este povo que é forte, que luta e dá a vida para defender, de um agressor gigantesco, o país, a cultura, o idioma a sua própria história”.
João Guilherme destacou que tem buscado colaborar com os ucranianos: “Tenho me esforçado para ajudar a conectar militares, bombeiros que possam ajudar e somar forças junto a esse povo que luta pela vida e pela defesa da sua nação”, ressaltou.
A MÃO DE DEUS
Os momentos de tensão diante dos toques frequentes das sirenes, as explosões, a correria para se esconder nos abri- gos antiaéreos, nos bunkers – fugindo de bombas, dos infiltrados russos nas cidades ucranianas são terríveis –, mas a mão de Deus está protegendo e fortalecendo o povo neste momento de tensão e guerra.
“A fé, a confiança na Divina Providência são fortalezas importantes nesse momento. Acredito que Deus está olhando com amor e bondade para toda a Ucrânia e tendo compaixão de seu povo oprimido”, disse.
João Guilherme contou o testemunho de fé a partir de relatos dos soldados ucranianos que estão na linha de frente na batalha. “Os próprios soldados relatam que sentem a presença de Deus e dos Anjos da Guarda protegendo-os e até desviando as bombas que poderiam ter ceifado suas vidas”, salientou.
Em seu canal no YouTube “Diário da Terceira Guerra”, João Guilherme gravou vídeos para mostrar como estava a situação no país. Segundo ele, esta é uma forma de tranquilizar os pais e registrar sua experiência e suas impressões sobre o conflito em território ucraniano.