Em contextos marcados por violência e escassez, comunidades católicas vivem a expectativa do Natal, confiantes em dias de paz

“Dorme, pequeno Jesus, dorme, fecha os olhinhos. Tua mãe cuida de ti e te embala para dormir.” O cântico suave do Natal continuará a ser entoado na Ucrânia, mesmo quando, ao fundo, ecoarem as sirenes de ataques aéreos e o estrondo dos tiros. Entre abrigos improvisados, janelas vedadas e corações em alerta constante, a melodia frágil insiste em sobreviver ao barulho da guerra. Religiosas das mais variadas congregações prestam seus serviços em todo o país, sustentando o povo na fé e na esperança de que, apesar de tudo, a próxima noite ainda pode ser feliz.
A experiência dessas irmãs reflete a realidade de cristãos perseguidos em diferentes partes do mundo, que chegam ao Natal divididos entre o medo real e a decisão consciente de permanecer. Em países dilacerados por guerras, regimes hostis ou violência extremista, a celebração do nascimento de Cristo acontece longe das luzes e dos presépios tranquilos. São histórias de fé vivida no limite, nas quais o Natal não é apenas uma data, mas um ato de resistência, e a esperança, mesmo frágil, torna-se a última chama a ser protegida.
Na Ucrânia, bate o sino e tocam as sirenes
Desespero, amargura e incertezas se espalham entre uma população profundamente marcada pela violência e pela perda. As sirenes e sons de uma guerra continuam ecoando pela terra devastada, mas não são capazes de calar as vozes de esperança das religiosas que permanecem ao lado do povo, oferecendo presença, escuta e coragem, mesmo enquanto enfrentam os próprios medos e dramas do conflito. A fonte dessa força, afirmam, é Jesus Cristo.
“Mais uma vez, nós vamos compartilhar a ceia de Natal com os necessitados que batem à porta do nosso convento e cantaremos canções de Natal para Jesus, que veio ao mundo para que tenhamos esperança e não nos sintamos sós”, diz a Irmã Maria, de Kramatorsk.
Em muitas regiões do país, são as religiosas que tornam possível a celebração. Em conventos transformados em refúgios, elas sustentam comunidades marcadas pelo medo, pelo trauma e pela exaustão de um conflito que parece não ter fim. Com gestos simples, uma refeição partilhada, uma vela acesa, um canto sussurrado, ajudam a manter viva a memória de um Natal que resiste, mesmo ferido.
Chocolates para o Natal de Gaza

No coração da cidade de Gaza, mesmo após a trégua anunciada em 10 de outubro, a população continua enfrentando uma situação sanitária crítica e um cotidiano marcado pela escassez.
Segundo o Padre Gabriel Romanelli, Pároco da Paróquia Sagrada Família, muitos moradores tentam limpar suas casas, ou o que delas restou, em busca de algum equilíbrio. A cidade, no entanto, continua sem maquinário para desobstruir ruas e terrenos, enquanto o fornecimento de água encanada, o sistema de esgoto e a eletricidade permanecem gravemente danificados. A falta de condições mínimas mantém a população em sofrimento constante e sem perspectivas claras de reconstrução.
Mesmo neste cenário, a paróquia já iniciou os preparativos para o Natal. “Estamos decidindo o que organizar e já iniciamos os ensaios de corais e das dabkes (danças palestinas em grupo). Talvez façamos até uma pequena apresentação fora dos muros do nosso complexo, se as condições permitirem”, relata Padre Romanelli. As iniciativas buscam preservar tradições e fortalecer os laços comunitários em meio à destruição.
Como sinal concreto de esperança, o Pároco também planeja visitar os doentes, tanto os que permanecem no complexo paroquial quanto os que conseguiram retornar às suas casas. Além disso, empenha-se em conseguir chocolates para distribuir às famílias no Natal. Um gesto simples, mas carregado de significado, que ele espera “fazer bem a todos” e recordar que, mesmo em meio à devastação, a alegria do Natal permanece viva em cada coração que ama a Cristo.
Um ‘natal letal’ na Nigéria
O Natal de 2024 na Nigéria foi marcado por uma sucessão de massacres contra as comunidades cristãs. O ataque mais letal ocorreu precisamente em 25 de dezembro, na comunidade de Anwase: 47 pessoas foram assassinadas, entre adultos e crianças. Além das mortes, terroristas incendiaram oito igrejas católicas, casas paroquiais, clínicas, escolas e residências.
Mesmo assim, como em outras regiões marcadas pela perseguição, o medo não tem a última palavra. As comunidades se organizam para celebrar e rezam incansavelmente pela paz, que é a maior mensagem do Natal.
No dia 8, um sinal concreto dessa esperança se tornou realidade. Das cerca de 300 crianças sequestradas em 25 de novembro, 100 foram libertadas. O ataque ocorreu na Escola Católica Particular Santa Maria, de ensino fundamental e médio, em Papiri, no estado de Níger. Segundo a diocese, aproximadamente 50 alunos já haviam conseguido escapar anteriormente e retornar às suas famílias.
“Apesar de tudo o que temos vivido, vamos celebrar o Natal com alegria. Nós, nigerianos, amamos festejar e não vamos deixar de celebrar o nascimento de Cristo”, afirma Tobias Yahaya, catequista na Nigéria.
Em 2023, ele foi esfaqueado por um terrorista e, durante o julgamento, surpreendeu a todos ao pedir permissão ao juiz muçulmano para abraçar o agressor. Diante da surpresa da sala e das lágrimas do réu, Yahaya o envolveu em um abraço e repetiu duas vezes: “Eu te perdoo!”
Sabemos que vamos morrer, que morramos na igreja’

Em 2018, durante sua visita ao Brasil a convite da Fundação Pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre, Dom Joseph Coutts, então Arcebispo de Karachi, no Paquistão, compartilhou uma história que permanece como síntese silenciosa de tudo o que atravessa esta reportagem: a fé de um povo disposto a seguir Jesus Cristo até as últimas consequências.
Diante do aumento dos ataques a igrejas, especialmente durante grandes celebrações litúrgicas como a Páscoa e o Natal, movido por prudência pastoral, o Bispo decidiu cancelar as celebrações natalinas. O gesto buscava proteger a pequena comunidade católica de novos atentados promovidos por grupos extremistas que perseguem, sequestram e matam cristãos no país. A resposta dos fiéis, porém, veio imediata e firme, revelando uma fé que não se deixa negociar: “Não cancelem a Missa de Natal! Nós sabemos que vamos morrer aqui por sermos católicos. Então, que morramos na igreja.”
O testemunho atravessou fronteiras e permaneceu como apelo. Dom Joseph deixou aos brasileiros um pedido simples e urgente, que no Natal ganha ainda mais força por ser tempo de solidariedade e fraternidade: “Que as pessoas ao redor do mundo orem por nós, pois isso significa muito. Isso nos lembra de que não estamos sozinhos e nos dá força para continuar”.
É nesse fio invisível de comunhão entre quem sofre e quem reza, entre quem resiste e quem escuta, que cristãos perseguidos continuam celebrando o Natal. Mesmo sob risco, escolhem acreditar que a esperança sempre encontra um lugar para nascer, assim como o Menino Deus veio ao mundo na precariedade de uma estrebaria, em Belém.




