Dom Luiz Fernando Lisboa: ‘Em muitos lugares, a Igreja é a voz dos que não têm voz’

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Desde 2017, Moçambique, no continente africano, tem vivenciado uma crescente escalada de ataques por parte de radicais islâmicos que, com intentos separatistas, visam a dominar a Província de Cabo Delgado. Apenas em 2022, o número de assassinatos, sequestros, roubos e destruição de propriedades aumentou 29% no país em relação ao ano anterior. Os civis cristãos estão entre os alvos preferenciais.

Dom Luiz Fernando Lisboa, atual Bispo da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim (ES), viveu em Moçambique por 20 anos e entre 2013 e 2021 foi Bispo da Diocese de Pemba, em Cabo Delgado. Ao O SÃO PAULO, ele falou sobre as principais motivações para a perseguição religiosa no continente africano.

O que explica o fato de o continente africano ter a maior quantidade de países entre aqueles em que mais há perseguição religiosa?

Dom Luiz Fernando Lisboa – A causa principal para estes conflitos é financeira, já que a África é muito rica em recursos naturais. Na Província de Cabo Delgado, por exemplo, está a maior reserva de gás natural do continente, e também há muito ouro, grafite e rubi da melhor qualidade. A perseguição religiosa é consequência desse interesse pelos recursos naturais. Certamente, existem grupos extremistas que perseguem cristãos, mas há lugares, como em Moçambique, em que a motivação da guerra não é religiosa, mas, sim, por causa dos recursos. Estes grupos radicais usam o nome do Islamismo, mas seu verdadeiro objetivo é financeiro. Os próprios muçulmanos moçambicanos negam que essas pessoas sejam lideranças religiosas, dizem que se trata de bandidos.

Como o cristão que sofre perseguição religiosa é cerceado em sua liberdade?

Isso ocorre de muitas maneiras. A pessoa não tem liberdade para o seu ir e vir, pois acaba sempre sendo vigiada. Também sofre ameaças, represálias por meio de recados e mensagens. Nesses lugares, grupos extremistas controlam as mídias sociais e fazem por essas redes uma perseguição não só à pessoa, mas também aos familiares. Eu, por exemplo, acabei sendo transferido da Diocese de Pemba para o Brasil principalmente por causa da perseguição que lá sofria. Esses grupos também entravam nas redes sociais da minha família fazendo ameaças. E eu era um estrangeiro, imagine o que não sofre um líder religioso que é do próprio país.

Diante dessas situações de perseguição, o que a Igreja Católica pode fazer?

Tudo isso não pode amedrontar a Igreja. Ela precisa continuar a sua missão de evangelizar, de anunciar o Evangelho e de denunciar o que é antievangélico, sobretudo quando feito contra os mais pobres. Em Cabo Delgado, começamos a denunciar a guerra que o governo negava e isso incomodou as autoridades. Em muitos lugares, a Igreja é a voz dos que não têm voz. É preciso que falemos mais dessas guerras, que este debate se amplie no sentido de visualizar que grandes empresas multinacionais têm ajudado a que estes conflitos aumentem. Cada vida precisa ser respeitada e o ser humano não pode ser tratado como se fosse um objeto. 

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários