Os que permaneceram na Ucrânia após a invasão russa e os que se refugiaram em outras partes do mundo contaram com o apoio da Igreja Católica para ter o mínimo de dignidade
Passado um ano do início da invasão das tropas russas ao território ucraniano, em 24 de fevereiro de 2022, a guerra já deixou como saldo mais de 8 mil civis mortos e 40 mil feridos. Além disso, 13 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus lares, das quais 8 milhões se refugiaram na Europa e as outras 5 milhões estão deslocadas dentro da própria Ucrânia. Os dados são do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
O cenário de hostilidades, insegurança e destruição continua a ser parte do cotidiano dos ucranianos, conforme relatou Dom Visvaldas Kulbokas, Núncio Apostólico na Ucrânia, em entrevista ao Vatican News.
“Nunca sabemos o que poderemos viver no momento seguinte: se vai acontecer um encontro, se teremos luz, se teremos conexão telefônica ou se chegará um míssil ou um drone (…) As necessidades também aumentaram, e muito, em relação ao início, porque agora, além da necessidade de alimentos, também falta aquecimento e já muitas organizações, muitos benfeitores doaram geradores ou fogões. E há outras necessidades ainda mais exigentes: em muitos lugares existe uma grande demanda por psicólogos capazes de aconselhar os familiares sobre como lidar com o trauma psicológico sofrido seja diretamente ou com familiares ou com soldados que retornam do front”, disse o Bispo.
A caridade do Papa e o repúdio ao conflito
Desde que o conflito foi deflagrado, o Papa Francisco tem pedido que se busque o fim da guerra. “O tempo que passa não esfriou nossa dor e nossa preocupação com esse povo martirizado. Por favor, não nos acostumemos a esta trágica realidade! Tenhamo-lo sempre em nossos corações. Rezemos e lutemos pela paz”, disse o Pontífice, no Angelus de 12 de junho de 2022.
Francisco também tem pedido aos cristãos que se unam em oração e gestos concretos em favor das vítimas da guerra. “Vamos ter um Natal mais sóbrio, com presentes mais humildes, vamos enviar o que economizamos para o povo ucraniano que precisa. Eles sofrem muito, passam fome, sentem frio”, disse na audiência geral de 14 de dezembro.
Nestes 12 meses, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, participou de inúmeras reuniões com vistas a mediar a superação do conflito, e o Papa enviou dois cardeais à Ucrânia para externar sua solidariedade e proximidade: Dom Michael Czerny, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, e Dom Konrad Krajewski, Esmoleiro Apostólico, que está em missão permanente no país ajudando na distribuição de alimentos, geradores elétricos, abrigos improvisados e ambulâncias doadas pelo Papa, além de presidir missas e momentos de oração.
Apoio da ACN aos cristãos ucranianos
A situação da Ucrânia levou a uma ampla mobilização por parte da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), que nestes 12 meses enviou ajuda a 292 projetos no país, tendo sido ajudados diretamente mais de 15 mil religiosos, entre sacerdotes, freiras e leigos, “a maioria dos quais se dedica a servir os mais necessitados e desesperados, incluindo aqueles que perderam todos os seus bens, ou mesmo membros da família, durante a guerra”, comenta Valter Callegari, diretor executivo da ACN Brasil.
Por meio do envio de ajuda existencial de emergência, foi possível que mais de 7,4 mil sacerdotes, religiosas e funcionários diocesanos mantivessem as atividades da Igreja na Ucrânia e provessem às necessidades espirituais e materiais da população. A ACN também forneceu apoio direto a mais de 2,2 mil refugiados, e ajudou a equipar, ampliar e reconstruir edifícios de comunidades católicas.
Cáritas: ajuda humanitária a 5,3 milhões de pessoas
Somadas as ações da Confederação Cáritas na Ucrânia e das Cáritas de países vizinhos – Polônia, Romênia, Moldávia, República Tcheca, Eslováquia, Bulgária e Hungria –, foram auxiliadas mais de 5,3 milhões de pessoas desde o começo da guerra.
“O que a Cáritas oferece é muito mais do que assistência. Acompanhamos as pessoas antes, durante e depois de uma crise. Queremos continuar este trabalho. Queremos dar essa sensação de esperança e calor às pessoas que sofrem na Ucrânia”, disse, no dia 22, Amparo Alonso Escobar, co-administrador temporário da Cáritas Internacional.
Apenas em solo ucraniano, a Cáritas Ucrânia e Caritas-Spes Ucrânia ofereceram assistência humanitária a 3 milhões de pessoas. Foram doados cerca de 3,7 milhões de gêneros alimentícios e não alimentícios, fornecidos 637 mil abrigos; prestados 192 mil atendimentos de saúde e psicossociais; garantidos 377 mil serviços de proteção e distribuídos mais de 1,5 milhão de itens sanitários e higiênicos. Além disso, 107,6 mil pessoas receberam ajuda em dinheiro.
E os auxílios foram todas as partes do mundo. A Cáritas Brasileira Regional Paraná, por exemplo, realizou de março a agosto do ano passado a campanha “Pela Ucrânia pela Vida”, em parceria com o Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Metropolia Católica Ucraniana São João Batista. A campanha resultou no envio de R$ 341,68 mil à Cáritas Ucrânia.
Ajuda a refugiados no Brasil
Do montante arrecadado pela Cáritas Brasileira Regional Paraná, cerca de R$ 70,7 mil foram disponibilizados para as solicitações de apoio às famílias de migrantes ucranianos que chegaram ao solo brasileiro.
Embora o Brasil não tenha sido a rota principal dos que deixaram a Ucrânia, cerca de dez pessoas foram assistidas pela Metropolia Católica Ucraniana São João Batista – da Igreja Greco-Católica Ucraniana – a maioria na cidade de Prudentópolis (PR), onde está a sede da Eparquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, sufragânea à Metropolia.
“Aqui para Prudentópolis vieram pessoas refugiadas desta guerra, incluindo mães com filhos pequenos. A maioria com os quais tivemos contato não tinham religiosidade alguma. Eram famílias fragmentadas. Quase todos já voltaram para a Europa, pois tiveram muita dificuldade com a língua, os costumes do povo e a alimentação. De todos que nós auxiliamos aqui, sobrou apenas uma jovem de 20 anos que quis permanecer no Brasil. Nós mesmos pagamos as passagens de retorno dessas pessoas. Algumas foram para a Turquia, depois para a Romênia, outros para a Holanda”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Dom Meron Mazur, OSBM, Bispo Eparca da Eparquia Nossa Senhora Imaculada Conceição.
Dom Meron destaca que a partir das informações que tem recebido dos bispos que vivem na Ucrânia não vê perspectivas para o fim do conflito na Ucrânia: “A guerra continua, as destruições continuam. Vi uma recente mensagem do nosso Arcebispo Maior, dizendo que a Ucrânia continua ‘um mar de lágrimas num rio de sangue’. Os russos diariamente enviam mísseis. No inverno, eles bombardearam todas as estações elétricas e, assim, o aquecimento falhou e muita gente morreu. Precisamos rezar muito e nos unirmos para que este conflito termine”.
Na sexta-feira, 24, na memória do primeiro ano do conflito, Dom Sviatoslav Shevchuk, Primaz da Igreja Greco-Católica Ucraniana, convocou um dia de jejum, esmola e oração pela paz no mundo e pelo fim da guerra na Ucrânia. “Quando nos unimos em oração, jejum e boas ações, vencemos. Precisamos de muita força espiritual para aproximar nossa vitória”, afirmou em mensagem de vídeo.