JMJ: Em congresso internacional, jovens assumem compromisso com a ecologia integral

O encontro foi organizado pela Fundação João Paulo II para a Juventude, instituição do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, em parceria com a Universidade Católica Portuguesa (UCP)., e realizado na sequência dos três encontros anteriores que trataram questões relacionadas ao meio ambiente e realizadas durante a JMJ do Rio de Janeiro em 2013, de Cracóvia em 2016 e de Panamá em 2019.

Na íntegra, o Manifesto dos Jovens participantes da IV Congresso Internacional sobre o Cuidado da Criação, realizado na Universidade Católica Portuguesa às vésperas da JMJ 2023 e que teve como tema: O compromisso dos jovens com a ecologia integral. Estilos de vida para uma nova humanidade. O encontro, realizado no dia 31 de julho de 2023, foi organizado pela Fundação João Paulo II para a Juventude.  

Introdução

Somos os jovens católicos reunidos em Lisboa para o Congresso Internacional sobre o Cuidado da Criação, com o tema O compromisso dos jovens com a ecologia integral. Estilos de vida para uma nova humanidade, realizado nas vésperas da 37ª Jornada Mundial da Juventude. Estamos gratos ao Papa Francisco por ter colocado a ecologia integral no centro da reflexão, e à Fundação João Paulo II para a Juventude que, juntamente com muitas outras organizações e instituições, organizou este encontro, que nos deu a oportunidade de refletir sobre um assunto tão urgente quanto próximo dos nossos corações.

O Santo Padre pede-nos para escutarmos os «batimentos do coração: o nosso, o das nossas mães e das nossas avós, o batimento do coração da criação e do coração de Deus», mas os corações da humanidade não batem juntos pela justiça e pela paz, nem ao ritmo do coração da criação. De facto, inúmeros conflitos armados de intensidade diferente estão em curso em vários países. Ceifam vidas, geram ódios e destruições, e deixam atrás de si pessoas e comunidades por reconstruir. Apesar das grandes proclamações internacionais, ainda hoje milhões de pessoas não têm acesso a condições mínimas para uma vida digna. Faltam alimentos, água, habitação, educação, cuidados de saúde.

Muitas outras continuam a ser escravizadas, exploradas e mal remuneradas por trabalho informal e precário que retira toda a dignidade e as mantém sob o jugo da pobreza. Do mesmo modo, muitos jovens não se sentem representados pelos seus líderes políticos, mesmo que gostassem de participar. Por causa do desemprego crescente, muitos jovens vêemse forçados a adiar ou mesmo a renunciar ao projeto de criar uma família. Temos gravadas na memória as dilacerantes imagens de milhares de homens, mulheres, crianças e até recém-nascidos que, para escaparem da miséria, da guerra ou da opressão, se entregam a barcos improvisados, assediados por traficantes sem escrúpulos.

O epílogo fatal de algumas destas viagens ditas da esperança está a transformar, lentamente, mares e desertos em cemitérios a céu aberto para tantos mortos sem sepultura. Nas suas variadas formas, a poluição ameaça o ar, os solos, a água, a fauna, a flora e as pessoas, com gravíssimas consequências para os ecossistemas. As alterações climáticas causam ondas de calor devastantes, inundações, tempestades, incêndios, perda de biodiversidade, forçando muitas populações a abandonar a própria terra. Também entre as nações existem injustiças e relações comerciais desleais.

Algumas nações não têm escrúpulos em escoar os seus resíduos poluentes noutros países, ou a explorar o seu solo e as riquezas do seu subsolo em seu benefício, sem cuidar dos efeitos sobre as populações locais. Também o desenvolvimento do mundo digital e da tecnologia, não obstante as grandes conquistas que nos trouxe, está, também ele, a poluir aos poucos a nossa humanidade: torna-se cada vez mais difícil criar e cultivar relações sãs e duradouras; aumentam a solidão, as dependências e outros problemas de saúde mental. Tememos o superpoder das empresas que utilizam os nossos dados, que podem controlar o que fazemos e que tentam influenciar-nos de acordo com os seus interesses. Não raramente, a ética dos progressos tecnológicos e da investigação científica parece ter como objetivo tudo menos a melhoria das condições de vida das pessoas e a saúde da nossa casa comum.

1. Tema do Congresso

Para fazer face a esta crise multiforme, o Papa Francisco indica-nos o paradigma da ecologia integral como chave para a análise e para a ação, fundado no facto de que tudo está interligado. A encíclica Laudato si’ propõe São Francisco de Assis como modelo, ele que «vivia com simplicidade e em maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo próprio» (LS 10). São estas as relações a proteger e a cuidar. A ecologia integral é um conceito desafiante, que ainda não foi completamente recebido fora e dentro da Igreja.

Este conceito vai além do ambientalismo em sentido estrito e propõe um olhar amplo sobre as questões complexas do nosso tempo. Une ecologia ambiental, ecologia social, ecologia económica, ecologia cultural, a boa saúde das instituições, a qualidade de vida, a ecologia da vida quotidiana com os seus gestos e as suas relações e, por fim, a ecologia humana, que insiste nomeadamente na compreensão do sentido do corpo humano.

A ecologia integral quer contribuir para uma vida rica de sentido e criar as condições para o desenvolvimento humano integral de cada um e para o caminho até a santidade. Para isso, é decisivo converter os nossos estilos de vida, na medida em que estes tornam possível intervir não apenas sobre os sintomas, mas também sobre as raízes do problema.

Sintonizar os nossos hábitos, as nossas escolhas e os nossos comportamentos com os batimentos do coração da criação e dos irmãos significa sintonizarmo-nos com o batimento do próprio coração de Deus. E esta conversão abre-nos para uma nova humanidade: uma família humana unida, que partilha uma origem comum, um destino comum e uma casa comum. Ao examinarmos os nossos estilos de vida, queremos viver em harmonia com a criação e contribuir para o advento desta nova humanidade na qual nos sentimos, de verdade, todos irmãos. 

2. Grupos de trabalho

Os nossos grupos de trabalho examinaram cinco áreas. Ouvimo-nos uns aos outros e tentámos reexaminar os nossos estilos de vida nas seguintes áreas: educação e vida familiar, recursos naturais, política, economia e tecnologia. Concentrámo-nos tanto em ações práticas como em princípios gerais, determinados a enfrentar a realidade e a complexidade, ao mesmo tempo que procurámos libertar-nos das ideologias. Considerámos o importante papel da família e da educação na formação dos estilos de vida. Apercebemo-nos de que o que as pessoas aprendem em casa e na escola tem um efeito profundo na sociedade como um todo. Esperamos forjar relações fortes que permitam construir laços e comunidades entre pessoas de diferentes origens e culturas.

As Jornadas Mundiais da Juventude são uma excelente oportunidade para praticar esta amizade universal. Vimos como os estilos de vida podem fazer a diferença quando são informados pela equidade, justiça, lógica da dádiva e da gratuidade, solidariedade, amizade, empatia, sobriedade e sustentabilidade na utilização dos recursos naturais disponíveis. Um primeiro passo fundamental é saber do que cuidamos. Por isso, sublinhamos a necessidade da contemplação e da meditação espiritual para nos sentirmos mais próximos de toda a criação que o Deus Amoroso nos confiou.

Admiramos as comunidades que têm uma forte ligação com toda a criação. Não estamos desligados de toda a criação: fazemos parte dela e os bens da terra e os ecossistemas são valiosos. Temos de os gerir de forma sustentável e utilizar apenas o que realmente precisamos. Refletimos sobre a importância de uma boa ação política baseada em princípios sólidos para que todos possam viver em harmonia: o bem comum, a preocupação com os mais vulneráveis, a garantia de trabalho para todos, um pensamento político a longo prazo que permita a todas as pessoas exprimir as suas ideias e necessidades.

Demasiadas vezes, foram implementadas e ensinadas políticas e soluções homogeneizadas, mas que se revelaram ineficazes por não terem em conta as realidades locais. Analisámos a forma como os estilos de vida, a produção e o consumo se afetam mutuamente. Discutimos as tendências actuais e o tipo de impacto que podemos ter enquanto actores na economia, fazendo escolhas diferentes e mais exigentes. Vivemos num mundo muito desigual e polarizado: alguns padrões de consumo poluentes estão fortemente ligados à pobreza; e por isso, as duas questões têm de ser abordadas em conjunto.

Também concordámos que ter filhos não ameaça a sustentabilidade, uma vez que as principais causas de insustentabilidade estão relacionadas com estilos de vida egoístas e insustentáveis de alguns. Por último, falámos sobre como a tecnologia, se utilizada com prudência e esperança, pode estar ao serviço da ecologia integral, do encontro e da inclusão, incluindo as pessoas com deficiência, e do cuidado da nossa casa comum. Nesse sentido, não deve ser negado o acesso a quem esteja disposto a beneficiar de tais inovações. No entanto, uma das nossas maiores preocupações é a segurança de todos, especialmente das crianças. Salientámos também a importância de um bom equilíbrio entre o mundo digital e o mundo real.

3. Compromissos

Perante os desafios urgentes, nós, jovens participantes neste Congresso, comprometemo-nos a:

– Renovar a nossa conversão ecológica pessoal e a dar espaço ao Espírito Santo, para que ilumine a nossa reflexão e inspire os nossos passos. Temos a certeza de que somos amados e que esta vida e este mundo são uma dádiva que deve ser cuidada. Através da oração, podemos manter uma ligação significativa e geradora de vida com Deus, a fim de purificar os nossos estilos de vida.

– Agir com urgência como Maria. Também nós nos queremos levantar com determinação, iniciar novos processos sem os adiar, mas evitando comportamentos superficiais e apressados.

– Consumir responsavelmente. Queremos ser sóbrios nos nossos consumos, pensando naquilo que nos é verdadeiramente necessário, no bem-estar dos outros e na sustentabilidade da casa comum, favorecendo a partilha e a reutilização de bens: preferimos a partilha e a reutilização de bens. Isto inclui os nossos transportes, as nossas compras, as nossas actividades de lazer e a forma como investimos o nosso dinheiro.

– Anunciar a todos a boa-nova da proteção da criação. Queremos ser uma Igreja em saída missionária e ser os arautos desta boa-nova da proteção da criação e difundir as boas práticas que lhe correspondem. Queremos torná-las virais, para que alcancem todos os jovens.

– Colaborar e criar sinergias amplas com todas as pessoas de boa vontade que partilham a nossa mesma preocupação de cuidarmos juntos da nossa casa comum. Isto engloba as várias formas de envolvimento político e o trabalho para que a voz de todos seja ouvida e para que o nível global colabore mais eficazmente com o nível local.

– Informarmo-nos e formarmo-nos. Queremos permanecer vigilantes, com curiosidade e empatia para conhecer as dores, as ameaças, alegrias, oportunidades e esperanças relativas à nossa casa comum. Queremos adquirir os conhecimentos que possam ajudar a travar a crise ecológica. Queremos ultrapassar preconceitos contra outras culturas ou contra pessoas que vivem noutros continentes e, em vez disso, aprender com elas.

– Escolher com cuidado as boas tecnologias a adotar. Queremos adotar e promover o mais possível as tecnologias que estão, de facto, ao serviço da pessoa humana e que contribuem para melhorar a saúde da nossa Mãe Terra. E queremos fazê-lo de uma forma humana e ética para vivermos de forma cristã enquanto estamos no continente digital.

4. Apelos

As dimensões planetárias da crise ecológica são tais que requerem a colaboração de todos na busca de soluções eficazes e duradouras. Por isso, apelamos:

– A todos os jovens do mundo. Unamos as nossas forças para inverter o rumo. Trabalhemos juntos pelo bem comum com o entusiasmo que nos caracteriza: «Se formos aquilo que devemos ser, incendiaremos o mundo inteiro» (cf. Catarina de Sena, Carta 368).

– À Igreja católica, para que escute e acolha aquilo que o Espírito Santo está a dizer acerca da salvaguarda da criação. Tantos são os pastores e os fiéis que não conhecem a Laudato si’ nem ouviram falar dos esforços que se fazem em todo o mundo para a proteção da criação. Aos pastores e a todas as pessoas que ocupam posições de responsabilidade na nossa Igreja pedimos que deem bom exemplo de conversão ecológica e que acompanhem as iniciativas dos jovens neste campo. A Doutrina Social da Igreja deve ser constantemente partilhada como uma forma importante de promover a necessária mudança de paradigma para uma ecologia integral.

– Às Igrejas cristãs e a todas as outras confissões religiosas. Pedimo-vos que promovam a fraternidade universal, a cultura do encontro, a benevolência e os estilos de vida sustentáveis e inclusivos.

– Às famílias do mundo. Sejam ecossistemas de amor, de dom, de paciência, de responsabilidade e de transmissão dos valores evangélicos e da vida em comum. Criem espaços de partilha e de discernimento para o cuidado da nossa casa comum. Estejam em contacto com os espaços verdes e os animais.

– Ao mundo da economia, da produção, das empresas. Apelamos a uma maior transparência nas finanças e no comércio, e pedimos o fim de estratégias comerciais que geram desperdícios e todo o tipo de dependências nocivas. Que o vosso marketing promova estilos de vida sustentáveis e o lucro não seja a vossa única bússola. Que o estudo do impacto ambiental e social das vossas atividades económicas seja incluído nos parâmetros de aferição da excelência de toda a iniciativa económica. Que cada posto de trabalho criado tenha presente dignificar o ser humano e seja compatível com a vida familiar.

– Aos governantes e à política. Pedimos políticas com visão de longo prazo para a proteção da casa comum, que coloquem no centro a pessoa humana e deem a cada um oportunidades iguais para crescer e contribuir para o desenvolvimento da sua comunidade e, ao mesmo tempo, lutar contra a pobreza, os sem-abrigo e a discriminação. Pedimos que os grandes desafios que ameaçam a vida e os lares de milhões de pessoas sejam, sem mais demoras, seriamente resolvidos, por exemplo: Imploramos-vos que baixem as armas e acabem com todas as guerras, e que abordem as consequências previsíveis da perturbadora subida do nível do mar. São necessários mecanismos eficazes e vinculativos para cuidar da biodiversidade, com a participação das comunidades locais. A boa gestão dos resíduos e a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e dos produtos químicos perigosos também têm de ser prioridades em todo o lado.

– Ao mundo da educação. Pedimos que todas as instituições educativas tragam no seu coração o crescimento «para mais sentido» e para uma «vida boa». Pedimos, em particular, que as universidades católicas insiram em todos os seus estudos noções de Doutrina Social da Igreja e, em particular, de ecologia integral. A eco-ansiedade deve ser evitada, e em vez disso, o conhecimento e o amor pela criação devem ser encorajados.

– Ao mundo da comunicação. Pedimos que deem atenção à questão ecológica e aos problemas da injustiça social. Pedimos que seja dada atenção, também, àquilo que é belo, encorajante e construtivo. Por favor, não sejam instigadores do ódio e do consumismo desenfreado. Contribuam para realçar a dimensão espiritual da crise.

– Ao mundo da investigação científica e da tecnologia. Pedimos que invistam em inovações que possam minimizar o impacto ambiental da atividade humana e que possam restaurar os ecossistemas e a biodiversidade onde estes tenham sido particularmente danificados. Pedimos melhores indicadores para medir o desempenho e o “bem” alcançado por uma política ou uma empresa; precisamos também de indicadores mais exactos para medir a pobreza e o desenvolvimento humano integral. Pedimos que o desenvolvimento tecnológico se baseie numa abordagem ética sólida. Que a vossa ciência esteja ao serviço da humanidade.

Oração final

Senhor, Tu que tudo crias e sustentas,aumenta a nossa capacidade de nos maravilharmos com a obra das tuas mãos Faz de nós mensageiros e testemunhas da boa-nova do cuidado da criação. Que a tua graça sustente o nosso compromisso em convertermo-nos a um novo estilo de vida. E que a tua mão nos sustente quando a nossa perseverança vacilar Ensina-nos a sobriedade, a simplicidade, a harmonia e o respeito por todas as criaturas. Aguça os nossos ouvidos e escutaremos o grito dos pobres e o grito da terra Abre os nossos olhos e saberemos reconhecer o teu rosto no rosto de cada irmão. Abre os nossos lábios e cantaremos a tua glória, ó Deus da Criação.

Dá-nos um coração novo para te amarmos e para amar cada uma das tuas criaturas. Sustenta as famílias com o teu Espírito, para que sejam reservatórios de humanidade e de vida boa Ilumina os educadores, os políticos, os empresários, os homens e as mulheres da ciência, para que todos contribuam com alegria para o surgimento de uma nova humanidade, em que todos nos sintamos irmãos. E onde as estruturas de pecado geram feridas na humanidade e na casa comum, desperta, ó Deus, estruturas de graça e de fraternidade para curar e fazer a paz. Tu és, Senhor, a nossa esperança e seguindo-te não cairemos na angústia e na resignação. Laudato si’

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