Na linha de frente, Igreja pede fim da violência em Mianmar

Religiosas rezam com população pelos mortos nas manifestações em Mianmar (Foto: Congregação das Irmãs de São José da Aparição)

Desde que sofreu um golpe de Estado, em 1º de fevereiro de 2021, Mianmar tem ganhado destaque nos noticiários internacionais. O país do sudeste asiático tem sido palco de protestos e confrontos marcados pela repressão violenta da ditadura instaurada pelas forças armadas, que não reconheceram o resultado das eleições gerais de 2020.

Segundo dados da ONU, pelo menos 138 pessoas morreram, dezenas ficaram feridas e centenas foram presas nas manifestações contrárias ao golpe. Nos últimos dias, a polícia aumentou a repressão com o uso de jatos d’água, balas de borracha e munição letal. O dia mais sangrento foi o domingo, 14, quando 50 manifestantes foram mortos.

Preocupação

A situação também tem despertado preocupação da Igreja dentro e fora do País. Na quarta-feira, 17, na sua audiência geral, o Papa Francisco fez novo apelo pelo fim da violência em Mianmar, país que ele visitou em 2017.

O Pontífice recordou a imagem emblemática da religiosa católica que, de joelhos no meio da rua, pedia às forcas policiais que cessassem a repressão aos jovens manifestantes.

“Mais uma vez e com grande tristeza, sinto a urgência de evocar a dramática situação em Mianmar, onde muitas pessoas, sobretudo jovens, estão perdendo a vida para oferecer esperança ao seu país. Eu também me ajoelho nas ruas de Mianmar e digo: pare a violência! Também eu estendo meus braços e digo: prevaleça o diálogo! O sangue não resolve nada. Prevaleça o diálogo!”.

Imagem da religiosa clamando pelo fim da violência repercutiu mundialmente (reprodução da internet)

De joelhos

A imagem que percorreu o mundo era da Irmã Ann Nu Thawng, da Congregação de São Francisco Xavier, cidade de Myitkyina, capital do Estado de Kachin, ao norte do País.

Em entrevista à Agência Fides, veículo de informação ligado à Congregação para a Evangelização dos Povos, da Santa Sé, a religiosa afirmou que fez aquele gesto com o coração, pois todo o cristão deve se preocupar coma humanidade.

“Sofremos ao lado de nosso povo. A violência não para e os feridos aumentam a cada dia. As clínicas privadas aqui no Estado de Kachin estão fechadas por medo dos militares”, relatou a Freira, informando que a clínica mantida por sua congregação está entre as poucas estruturas abertas na região. “Conseguimos tratar os feridos menos graves. De resto, estamos em sérias dificuldades”, acrescentou.

“Alguns nos dizem que nossa vida está em perigo, que podemos ser atingidos, mas não vamos fechar. Não abandonemos a nossa missão de curar os feridos, consolar os aflitos, defender toda a vida humana”, completou a Religiosa.

O jornalista Joseph Kung Za Hmung, editor do Gloria News Journal, o primeiro jornal católico on-line em Mianmar, relatou que a ação da Religiosa e a resposta da polícia que, ao ver seu apelo da religiosa parou, surpreendeu a muitos.

“Irmã Ann hoje é um modelo para os líderes da Igreja: bispos e sacerdotes são chamados a sair de sua zona de conforto e tomar como exemplo a sua coragem”, disse Hmung à Agência Fides, observando que muitos não católicos também elogiaram o gesto da Freira e das demais religiosas católicas, que chegaram a abrigar mais de 100 manifestantes em seu convento.

Cardeal Bo pede fim do derramando de sangue em Mianmar (Foto: Radio Veritas Asia)

‘Temos que buscar a paz!’

No domingo, 14,  o Cardeal Charles Maung Bo, Arcebispo de Yangun, fez um novo apelo pela paz na nação sitiada. “Pedimos a todas as partes em Mianmar que busquem a paz. Nas últimas semanas, passamos por grandes desafios como nação. Esta crise não será resolvida com derramamento de sangue. Muitos já morreram, isso deve parar imediatamente. Temos de buscar a paz!”, escreveu o Cardeal, em carta divulgada pela Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, em inglês).

O  Arcebispo acrescentou que o sangue derramado não é de um inimigo, mas “de nossas próprias irmãs e irmãos, nossos próprios cidadãos”.  “Somos uma nação de sonhos. Nossos jovens têm vivido na esperança. Não nos tornemos uma nação de decepção sem sentido. Pare de matar. Cesse da violência. Abandone o caminho das atrocidades. Que todos os inocentes sejam soltos. Eles são nosso próprio povo”, implorou o Purpurado.

A carta também enfatizou a solidariedade do Papa com todo o povo de Mianmar, acrescentando que o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, também encorajou a Igreja a se envolver na pacificação. “Fortificado pelo mandato e encorajamento do Vaticano, nós, a Igreja Católica, nos comprometemos, juntamente com todas as pessoas de boa vontade, com a tarefa de ver esta nação se erguer novamente em entendimento mútuo e paz”, concluiu o O Cardeal Bo.

Nas ruas, população protesta contra golpe das forças amadas no país asiático (reprodução da internet)

Birmânia

Localizado no sul da Ásia, Mianmar, faz fronteira com a Índia, Bangladesh, Tailândia, Laos, China e o Oceano Índico. Antigamente chamado de Birmânia, o País teve seu território anexado pela Inglaterra à Índia, sua colônia, em 1824. O domínio inglês durou mais de um século, o País só voltou a ser independente em 1948 e passou a ser governando por uma junta militar.  

Embora oficialmente se chame República da União de Mianmar, nome definido em 1989 pelo regime militar, os apoiadores dos movimento pró-democracia não reconhecem a autoridade militar e preferem continuar a chamá-lo pelo antigo nome do período colonial.

Somente em 2011, após mais de 50 anos, Mianmar tornou-se uma democracia, com a implementação de eleições diretas para o parlamento e outras reformas. Porém, o último pleito, em novembro passado, que elegeu o principal partido civil do país em 83% dos cargos em disputa, não foi reconhecido pelos militares, que tomaram o poder.

Foram suspensas as transmissões de televisão e cancelados voos domésticos e internacionais. O acesso ao telefone e à internet foi suspenso nas principais cidades. Em Yangon, a maior cidade e antiga capital do País, a população correu aos mercados para estocar alimentos e outros suprimentos.

Minoria no país, católicos vão às ruas de Mianmar pedir o restabelecimento da paz (Foto: Congregação das Irmãs de São José da Aparição)

Católicos

Dos cerca de 50 milhões de habitantes de Mianmar, a maioria é budista (87,9%). Entre os 6,2% dos cristãos, apenas 1% é católico, o que representa 700 mil pessoas distribuídas em 16 dioceses.

O Catolicismo chegou ao país no século XVI por meio dos comerciantes portugueses estabelecidos no estado indiano de Goa. Os primeiros missionários enfrentaram a desconfiança dos habitantes locais antes de finalmente encontrarem seu espaço.

Em geral, os católicos tinham boas relações com os budistas. Porém, a situação mudou após a rebelião de 1988 contra a junta militar birmanesa, provocando um endurecimento do regime, marcado por perseguições.

Em 2014, o país comemorou a canonização de seu primeiro santo: Isidoro Ngei Ko Lat, que foi assassinado na fronteira leste do país em 1950. A história desse jovem catequisa quase havia sido esquecida pela população após décadas de repressão.

Visita do Papa

A viagem apostólica do Papa Francisco a Mianmar, entre os dias 27 e 30 de novembro de 2017, teve como principal objetivo confirmar os irmãos na fé em meio às provações e aos desafios de um país que, aos poucos, tentava deixar para trás quase 60 anos de ditadura militar.

Visita do Papa a Mianmar, em dezembro de 2017 (Foto: Vatican Media)

“Gostaria também que a minha visita pudesse atingir toda a população de Mianmar e oferecer uma palavra de encorajamento a todos aqueles que estão trabalhando para construir uma ordem social justa, reconciliada e inclusiva”, disse o Pontífice, em seu discurso às autoridades civis.

Naquela ocasião, Francisco enfatizou que o futuro do Mianmar deve ser a paz, “fundada no respeito pela dignidade e os direitos de cada membro da sociedade, por cada grupo étnico e sua identidade, pelo Estado de Direito “e uma ordem democrática que permita a cada um dos indivíduos e a todos os grupos – sem excluir nenhum – oferecer a sua legítima contribuição para o bem comum”.

(Com informações de Agência Fides, ACN e Vatican News)

Veja mais imagens da atuação dos católicos no combate à crise em Mianmar:

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