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‘O Celam é um órgão subsidiário e de reflexão, que estimula o caminho da Igreja na América Latina’

Afirmou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, ao comentar o plano de restruturação do Conselho Episcopal Latino-Americano

Cardeal Odilo Scherer é 1º Vice-Presidente do Celam (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

A 38ª Assembleia Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), que se realizará virtualmente na próxima semana, entre os dias 18 e 21, terá como principal expectativa a reformulação do plano de reestruturação e renovação da entidade, que na última assembleia foi confiada à nova presidência.

Após um ano de reflexões, incluindo encontros com dicastérios da Cúria Romana, nos quais a proposta do Celam foi bem recebida, a 38ª Assembleia Geral pretende concluí-la.

O Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e 1º Vice-Presidente do Celam, ressaltou que a entidade, fundada em 1955, existe para ajudar as Conferências Episcopais a pôr em prática e a traduzir em novas formas de práxis pastoral as ideias que o Papa Francisco explicita em seu magistério, fortemente influenciado pela V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, realizada em 2007, em Aparecida (SP).

Em entrevista publicada pelo portal de notícias do Conselho Episcopal, Dom Odilo falou sobre as expectativas da Assembleia, a acolhida da proposta de reestruturação por parte da Cúria Romana, o caminho de renovação inspirado por Aparecida e a missão do Celam na atualidade.

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Leia a entrevista a seguir: 

Quais são as expectativas para a Assembleia do Celam que acontecerá na próxima semana?

A Assembleia tem, acima de tudo, objetivos regimentais, é uma assembleia ordinária, na qual, normalmente, são discutidos os tema próprios das assembleias, como relatórios e prestação de contas. Mas a maior expectativa é a reformulação do plano de reestruturação e a renovação do Celam, que a última Assembleia confiou à nova presidência. Neste último ano, trabalhamos muito para estudar e apresentar uma proposta de renovação e reestruturação, que será apresentada na Assembleia.

A expectativa é ver como a Assembleia aceita esta proposta, que espero ser bem-vinda, e que o Celam possa dar o próximo passo na renovação daquilo que ainda  falta e efetivamente estruturar a nova proposta.

Neste processo de renovação, o Celam esteve em contato com diversos dicastérios da Cúria Romana. Como foi realizado esse trabalho entre o Celam e o Vaticano e como isso ajuda a estabelecer vínculos ainda maiores entre a Igreja latino-americana e caribenha e a Santa Sé?

O Celam é um órgão episcopal na América Latina e no Caribe e, portanto, da Igreja. A Santa Sé é o maior organismo da Igreja e, por isso, o Celam se relacionada constantemente com ela. Mais ainda do que o Vaticano, é a Santa Sé, as pessoas que agem com o Papa, e em seu nome. É importante manter o diálogo, a harmonia, o confronto com a proposta de amadurecer cada vez mais.

Vi que houve uma boa aceitação e interesse por parte dos dicastérios em relação à proposta preparada pelo Celam, que suscitou algumas questões, porque, na verdade é uma proposta nova, e não é simplesmente, digamos, uma simples correção do que o Celam já era.

Claro, também levanta algumas questões sobre como funcionará, o que o tempo mostrará, e quais serão as vantagens desta nova proposta. Mas, em geral, pude perceber uma boa recepção desta proposta por parte dos diversos dicastérios da Cúria Romana.

O Celam se esforçou por trazer para a realidade latino-americana as propostas do Papa Francisco, especialmente uma Igreja missionária, em saída e sinodal, que são elementos já presentes na V Conferência de Aparecida. No âmbito deste processo de renovação e reestruturação, como concretizar o magistério do Papa Francisco?

O Celam existe para ajudar as Conferências Episcopais a colocar em prática, a tentar traduzir em novas formas de prática pastoral, as ideias que o Papa Francisco explicita em seu magistério e que estão presentes na Conferência de Aparecida, na qual também esteve presente o Papa Francisco, ainda como Arcebispo de Buenos Aires, e teve importante papel como chefe da comissão para a redação do Documento de Aparecida.

Mas, agora, é quando deve acontecer, e as Igrejas locais, as conferências episcopais, as dioceses, são as primeiras a acolher, a trabalhar, a apontar como levar estas novas propostas à prática pastoral, a fazer o caminho de renovação, de conversão pastoral, de uma Igreja que sai, profundamente missionária. E isso acontece aos poucos, porque, na Igreja, as mudanças não acontecem por decreto, ocorrem lentamente, na medida em que há adesão, não só por parte das autoridades representativas da Igreja, mas também pela adesão da comunidade do Povo de Deus, da comunidade dos teólogos, dos pastoralistas. É um longo processo. Mas a Igreja está se renovando, e o que talvez não seja percebido a curto prazo, é percebido em um prazo um pouco mais longo.

Membros da presidência do Celam – registro fotográfico anterior à pandemia de COVID-19

Quase 15 anos se passaram desde a Conferência de Aparecida, que foi inaugurada em 13 de maio de 2007. De 14 anos para cá, muito mudou na Igreja da América Latina, até na Igreja como um todo, porque as propostas e ideias elaboradas nessa conferência repercutiram em toda a Igreja, inclusive na eleição do Papa Francisco.

Já no Sínodo de 2012, que tratou da Nova Evangelização para a transmissão da fé, as propostas, as ideias da Conferência de Aparecida já estavam muito presentes, tanto que durante aquela assembleia, quando o Pontífice ainda era Bento XVI, houve curiosidade e perguntas sobre o que foi a Conferência de Aparecida, o que aconteceu lá, o que foi dito, porque os representantes da América Latina no Sínodo 2012 falaram muito sobre a Conferência de Aparecida durante a Assembleia Sinodal.

Coube, então, ao Papa Francisco escrever a exortação apostólica pós-sinodal para este Sínodo de 2012, porque, quando o Papa Bento XVI renunciou, a exortação pós-sinodal ainda não havia sido escrita. Por isso, foi o Papa Francisco quem fez a bela exortação apostólica Evangelii gaudium, que se molda, podemos dizer, a partir das propostas de Aparecida. Obviamente, nem sempre podemos medir as mudanças que ocorrem na Igreja imediatamente, em quantidade, em gráficos, em números, mas elas acontecem. E ocorrem com a ação humana, a ação dos pastores, do Povo de Deus, mas, sobretudo, com a graça e a ação do Espírito Santo no seio da Igreja.

Diante desse processo de renovação e reestruturação do Celam e diante da realidade que vive a sociedade latino-americana e caribenha e a própria Igreja, muito afetada pela pandemia COVID-19, quais são os desafios que devem ser enfrentados para realizar tal renovação e reestruturação do Celam na vida pastoral das Igrejas particulares, paróquias e comunidades?

É uma decisão que diz respeito ao Celam em primeiro lugar, e não que a renovação do Celam influencie imediatamente as dioceses, as paróquias. Cada coisa tem o seu lugar, e aqui temos o princípio da subsidiariedade. Portanto, o Celam não é uma Conferência Episcopal, é proposto muito mais como um órgão de reflexão, subsidiário, um órgão que está atento às várias realidades continentais e que estimula o caminho de reflexão.

Mas a vida e a renovação da Igreja devem ocorrer nas dioceses, estimuladas, auxiliadas pelas conferências episcopais. É nas dioceses que deve ocorrer a verdadeira renovação da Igreja na América Latina e no Caribe. As conferências episcopais e o Conselho Episcopal Latino-americano ajudam as dioceses e seus bispos a perceber o caminho, a discernir os desafios, a tomar decisões também em comunhão, de acordo com as situações vividas e que, depois, as dioceses traduzem em práticas pastorais de evangelização, de acordo com cada realidade local.

A questão da pandemia que vivemos é circunstancial e esperamos que não dure muito. Mas a preocupação com a pandemia é concreta e devemos enfrentá-la agora. O desafio da Igreja é evangelizar a longo prazo, dar respostas à fé, ao discernimento diante das situações dos povos, dos países, das culturas, dos desafios vividos pessoalmente, comunitariamente, socialmente, em cada comunidade nacional.

Portanto, a preocupação com a evangelização não se baseia simplesmente nos desafios atuais. A evangelização leva uma mensagem, é motivada justamente pelo anúncio que a Igreja faz. Não é simplesmente um desafio ou outro que leva a Igreja a agir. Com grandes ou pequenos desafios, a Igreja agirá sempre, porque é a mensageira da Boa-Nova, é a testemunha de Jesus Cristo ressuscitado e presente entre nós. A Igreja é testemunha do Reino de Deus, mensageira do Reino definitivo. Esta é a grande questão que deve ser proclamada em todos os momentos, em tempos de grandes desafios, em tempos de paz, em tempos de estabilidade, em qualquer tempo.

(Fonte: Prensa Celam – Tradução e adaptação, Fernando Geronazzo)

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