Padre Gilson Maia: ‘Maria e José sintetizam a esperança do povo de Israel e inspiram nossas famílias’

No Caderno Especial de Natal do jornal O SÃO PAULO, publicado em 18 de dezembro, a reportagem “Uma família sagrada, peregrina e confiante em Deus” destacou que também a Sagrada Família de Nazaré foi peregrina de esperança, temática em destaque no Jubileu 2025.

Um dos entrevistados foi o Padre Gilson Luiz Maia, membro do governo geral da Congregação dos Rogacionistas do Coração de Jesus, pelo segundo mandato consecutivo, e que já foi secretário do Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).

O Sacerdote, que tem estudos em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, também é autor do livro “Itinerário Espiritual de Maria de Nazaré meditações sobre o Magnificat” (editora Ave-Maria). A seguir, leia a íntegra da entrevista.

Padre Gilson Maia (Arquivo pessoal)

O SÃO PAULOO que podemos aprender da Sagrada Família sobre ser “peregrinos de esperança”, tema do Jubileu 2025?

Padre Gilson Luiz Maia – Nos evangelhos, não temos informações detalhadas sobre o nascimento do Menino Deus. Importa observar que tanto o evangelho da infância segundo Lucas (1-2) quanto o evangelho da infância segundo Mateus (1-2) são relatos com alta densidade teológica dirigidos às suas respectivas comunidades que caminhavam à luz da fé na Páscoa da Ressurreição do Senhor. Maria e José são modelos de pessoas abertas à ação do Espírito Santo, prontas para acolher com generosidade o chamado de Deus que nos chama, envia e sustenta na missão. São Peregrinos da Esperança no sentido amplo da expressão. Ambos sintetizam a esperança do povo de Israel e inspiram nossas famílias – cada um de nós – a avançar nos caminhos da fé que não dispensa sacrifícios. Convém recordar que a esperança é uma das três virtudes teologais: fé, amor e esperança. Trata-se de dons acentuados na vida dos seguidores de Jesus, que nos ensinou a amar até às últimas consequências (cf. Jo 13,1).

Cristo nasceu em Belém após Maria e José terem partido de Nazaré para fazer o alistamento imposto por César Augusto às famílias. Em Belém, eles não encontraram lugar para se hospedar. As Sagradas Escrituras não relatam detalhes sobre esta viagem, mas o que se poderia dizer das principais adversidades enfrentadas por Maria e José neste trajeto e o que este episódio nos ensina sobre o peregrinar pela vida com confiança na providência divina?

É importante destacar que as famílias da pequena cidade de Belém são acolhedoras e certamente receberam com carinho a jovem Virgem de Nazaré, grávida por obra do Espírito Santo, acompanhada de seu esposo. Nota-se que a Sagrada Família viajou aproximadamente 150km, de Nazaré, no Norte, para Belém, ao Sul, terra natal de José, onde residia seus parentes e talvez ele até conservasse ali alguma pequena propriedade. Estima-se que quando José foi para Belém para cumprir o decreto imperial do recenseamento, Maria estava no sétimo ou oitavo mês de gravidez. O deslocamento de José e Maria para Belém nos permite refletir sobre o modo de Deus agir na história. O poderoso César Augusto, mesmo sem saber, ao decretar o recenseamento – instrumento utilizado com fins políticos, econômicos e militares – colaborou com a realização dos planos de Deus. Assim, o Messias nascerá em Belém conforme anunciou o profeta Miqueias: “Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o pastor de Israel” (Mq 5,1). Fica claro que Deus, ao escolher Maria e José para uma missão tão sublime é providente. O Senhor olha e guarda a Sagrada Família que acolheu o Messias prometido a Israel. Jesus não nasceu em um palácio, mas junto ao povo e recebeu de Maria os cuidados naturais de uma jovem mãe. Tudo aponta para a simplicidade e a ternura de Deus, o Pai providente que em Jesus Cristo veio nos encontrar e salvar.

Representação da fuga da Sagrada Família para o Egito

Avisado pelo Anjo do Senhor em sonho, José toma o Menino e Maria e foge para o Egito, em uma viagem ainda mais incerta do que a primeira, já que se temia pelo assassinato do recém-nascido a mando de Herodes (cf. Mt 2). Em que medida esta passagem reforça a dimensão de que a Sagrada Família foi peregrina de esperança?

Maria é a Virgem cheia de graça, a Esposa Imaculada do Paráclito e o bom José foi um homem justo chamado a ser o guardião da Sagrada Família (cf. Lc 1,26-38; Mt 1,18-25). Ambos – Peregrinos da Esperança – responderam prontamente ao chamado de Deus para quem nada é impossível. Enquanto família, eles experimentaram muitas dificuldades enfrentadas com amor, fé e esperança. De um lado, sentiram a alegria de receber o Emanuel, o Menino Jesus, Deus no meio de nós. De outra parte, as perseguições e a inesperada, porém necessária fuga para o Egito, lugar no qual o povo de Deus padeceu a escravidão (cf. Ex 20,2-11). Nos evangelhos da infância, quer em Mateus, quer em Lucas, fica claro que Maria é nossa irmã e companheira na fé. No cotidiano da vida em Belém, no Egito ou em Nazaré, ela cultivou a fé. Ela e José aprenderam a sonhar os sonhos de Deus. Claro que a Sagrada Família renovava, dia após dia, os seus “sins” a Deus em meio as tantas dificuldades. Muitas coisas eles compreenderam. Outras eram inexplicáveis e guardavam no coração que cultivava uma profunda confiança no Senhor e nos ensinam a Peregrinar na Esperança.

Se a passagem da fuga para o Egito ocorresse hoje, poder-se-ia chamar a Sagrada Família de migrante ou refugiada. O quanto este episódio nos ensina sobre o compromisso cristão em acolher os migrantes e refugiados?

Sua pergunta me estimula a fazer pelo menos duas considerações. A primeira é o risco de pensar que para a Sagrada Família tudo era lindo, fácil e perfeito. Quando lemos atentamente os Evangelhos, descobrimos quantas dificuldades e situações de muito sofrimento tiveram que enfrentar. A escolha e o chamado de Deus não nos isenta da experiência da cruz e os sofrimentos não nos impede de amar. Antes, temos a oportunidade de testemunhar nossa adesão e fidelidade ao Senhor a exemplo de Maria e José. Outra oportuna consideração é o fato de que a história da Sagrada Família não é algo do passado que não se “repete” na atualidade. Pelo contrário, hoje como ontem vemos a perseguição às famílias, muitas vezes obrigadas a escapar da própria terra para salvaguardar a vida… Recorda-se, por exemplo, os refugiados das guerras, os migrantes, e a grande quantidade de jovens feridos que vagam e buscam um lugar ao sol. Por isso, agradeço a Deus pelo ministério do Papa Francisco que neste Ano Jubilar 2025 nos convida a dar testemunho de nossa esperança, nos recorda e insiste que todos discípulos de Jesus somos Peregrinos da Esperança.

Deixe um comentário