De acordo com a Fundação Pontifícia ACN, Nicarágua, Venezuela, Haiti e Cuba aparecem entre aqueles que mais perseguem ou discriminam pessoas por motivações religiosas
Dos 61 países do mundo nos quais há intensa violação à liberdade religiosa, com discriminações e perseguições em razão da fé, quatro estão na América Latina: Nicarágua, Venezuela, Haiti e Cuba, conforme consta na 16ª edição do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo, publicado em junho pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), com dados relativos ao período de janeiro de 2021 a dezembro de 2022.
Assim como na maioria dos países latino-americanos, nestes quatro a população é majoritariamente cristã e as constituições nacionais preveem o respeito à liberdade religiosa e que não haja discriminações e perseguições por motivações religiosas, algo que na prática não tem ocorrido.
NA NICARÁGUA, A IGREJA CATÓLICA É O ALVO PREFERENCIAL
O relatório da ACN destaca que tensões e hostilidades têm marcado a relação do governo de Daniel Ortega com a Igreja Católica na Nicarágua, especialmente pelo fato de os líderes religiosos denunciarem as violações aos direitos humanos e à democracia naquele país.
Em 2021, Ortega chamou os líderes católicos de “hipócritas, vendedores da fé, falsos fariseus” e os acusou de abençoar “‘golpistas’ e ‘terroristas’”. Em maio de 2022, o Parlamento nicaraguense publicou um relatório acusando bispos e padres de tentarem dar um golpe de Estado.
Em agosto do ano passado, a polícia estatal invadiu a sede da Diocese de Matagalpa e prendeu o Bispo, Dom Rolando Álvarez, além de religiosos e leigos, acusados de “atividades desestabilizadores e provocatórias”. Alguns foram enviados a uma unidade prisional que reconhecidamente é um local de tortura. Meses antes, em março, o Núncio Apostólico, Dom Waldemar Stanislaw Sommertag, foi expulso do país.
Também houve cerco policial durante uma celebração na Igreja de São Jerônimo, em Masaya; e proibição de que se realizassem procissões nas Igreja de São José, em Terrabona; de São Miguel Arcanjo, em Manágua; e de São Francisco de Assis, em Camoapa.
Muitas instituições ligadas à Igreja Católica tiveram sua personalidade jurídica cancelada, razão pela qual em julho de 2022 as Missionárias da Caridade deixaram a Nicarágua. Em setembro, as Irmãs da Cruz do Sagrado Coração de Jesus foram expulsas. O governo de Ortega também caçou a licença de tevês e rádios mantidas por algumas dioceses.
NA VENEZUELA, GOVERNO BUSCA CONTROLAR AS AÇÕES DAS IGREJAS CRISTÃS
Em um país com inflação nas alturas, pessoas em extrema pobreza, violações aos direitos humanos e aumento das ações do crime organizado, a Igreja Católica na Venezuela tem feito críticas ao governo de Nicolás Maduro e sofre represálias por isso.
Em julho de 2021, por exemplo, Maduro exigiu explicações ao Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, sobre uma “carta cheia de ódio e ataques” contra a Venezuela, que o Prelado enviou à Associação Empresarial Venezuelana. No mesmo ano, a vice-presidente Delcy Rodríguez declarou que “os padres que querem envolver-se na política deveriam tirar a batina e envolver-se na política”.
Um dos maiores riscos à liberdade religiosa, porém, foi a criação dos “Conselhos Pastorais do Governo”, que se tornaram a única voz autorizada da comunidade evangélica no país, e as igrejas que não reconhecem a legitimidade de tais Conselhos são tidas como rebeldes ou opositoras ao regime. Desde março de 2022, igrejas evangélicas passaram a ser registradas por estes órgãos e apenas pastores com os devidos registros recebem bônus financeiros do Estado.
CRISTÃOS E TEMPLOS SÃO ALVOS RECORRENTES DE VIOLÊNCIA NO HAITI
Também no Haiti, a Igreja Católica tem levantado a voz perante o caos político, econômico e social.
Tem sido cada vez mais comum no país o rapto de pessoas, com vistas a obter resgastes financeiros, e se verifica o aumento dos atos de gangues armadas. Os cristãos estão entre os alvos: em 11 de abril de 2021, cinco sacerdotes, três religiosas e três leigos desapareceram enquanto estavam a caminho de uma missa; em outubro do mesmo ano, 17 missionários cristãos foram raptados durante a visita a um orfanato; e em junho de 2022, um padre e três leigos foram capturados em um complexo paroquial. Houve ainda um episódio em que criminosos atearam fogo à Catedral de Porto Príncipe e tentaram impedir que os bombeiros chegassem para apagar as chamas. Também aconteceram agressões físicas a pastores de igrejas protestantes e a seus familiares.
Além disso, o governo não tem tido isonomia ao reconhecer a legitimidade das religiões. Enquanto o culto vudu alcançou o status de religião em 2003, ainda hoje a maioria das comunidades muçulmanas busca reconhecimento para sua liberdade de culto e ritos, como casamentos.
EM CUBA, CONTROLE TOTAL DO ESTADO TAMBÉM INTERFERE NA RELIGIÃO
Apesar de a nova Constituição, promulgada em 2019, garantir a liberdade religiosa no país, a prática da religião acaba por ser condicionada a autorizações do Partido Comunista de Cuba, que tem um Departamento Ideológico que supervisiona o Gabinete de Assuntos Religiosos.
De acordo com o relatório da ACN, esse gabinete “administra os diferentes aspectos da vida religiosa: aprova ou recusa visitas de estrangeiros a associações religiosas, autoriza a construção, reparação ou aquisição de locais de culto, concede licenças para a realização de serviços religiosos públicos, supervisiona a importação de literatura religiosa etc”.
As retaliações aos grupos religiosos ocorrem especialmente pelo apoio direto ou indireto que prestam às manifestações populares contra o governo. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 11 de junho de 2022 com o Padre Cástor Álvarez, espancado e detido durante 20 horas por ter tentado ajudar um manifestante ferido.
A ACN informa, ainda, que “espalhar boatos e iniciar campanhas de difamação para destruir a reputação de religiosos e religiosas é outro instrumento utilizado pelos agentes de segurança do Estado para limitar o âmbito de ação dos líderes religiosos e espalhar o medo entre os paroquianos. Têm-se registrado repetidas queixas contra agentes de segurança que se deslocam aos locais de culto católico para gravar sermões e celebrações e para intimidar sacerdotes e fiéis”.
CHILE TEM RECORRÊNCIA DE ATAQUES A TEMPLOS
O Chile não está na lista dos 61 países onde há maior risco à liberdade religiosa, porém, ano após ano algo chama a aten- ção: a recorrência dos ataques a templos – em dois anos, mais de 60 igrejas sofreram ataques incendiários.
“Os locais de culto continuam a ser alvo de ataques, especialmente na Araucanía, onde o Estado e alguns grupos mapuches estão em desacordo relativamente à exploração de terras. Alguns dos ataques são atribuíveis a grupos violentos com ligações ao crime organizado e ao tráfico de drogas, onde a violência é de natureza mais geral”, detalha a ACN.
Em abril de 2021, dois templos evangélicos foram incendiados no município de Padre Las Casas. Em janeiro de 2022, uma igreja histórica em Curarrehue foi atacada; em março, houve a profanação do sacrário do Santuário de Lourdes, em Santiago; em abril, registrou-se um incêndio em um igreja em Cañete; e em junho, o ataque a uma igreja católica na zona rural de Victoria, onde foi deixada uma mensagem escrita exigindo liberdade para os mapuches presos.