Papa: é preciso anunciar o Evangelho ‘pelo testemunho transbordante de amor gratuito’

Bispos, padres, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais participaram da celebração das vésperas, presidida pelo Santo Padre na Catedral de Notre-Dame, em Quebec

Reprodução de Vatican Media

O quinto dia da viagem do Papa Francisco ao Canadá foi concluído com a celebração das vésperas na Catedral de Notre-Dame, em Quebec, no começo da noite da quinta-feira, 28. O Pontífice chegou ao país no domingo, 24.

Aos bispos, padres, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais reunidos no templo, o Pontífice falou sobre o agir da Igreja diante do avanço do secularismo na sociedade, o qual também ameaça a alegria do ser cristão.

Recepcionado pelo Arcebispo de Québec, o Cardeal Gérald Cyprien Lacroix, e pelo Presidente da Conferência Episcopal do Canadá, Dom Raymond Poisson, o Pontífice recebeu as mensagens de boas-vindas deste último, que o agradeceu por ter aceito o convite da conferência dos bispos em visitar o país, presença que, conforme lembrou o Prelado, “já é a promessa de uma aliança, um compromisso de ‘caminhar juntos’ para habitar fraternalmente uma terra comum. A sua vinda entre nós é um apoio aos vossos irmãos Bispos e aos seus colaboradores e colaboradores, nos esforços sustentados de evangelização e reconciliação”, ressaltou.

GENEROSIDADE NO PASTOREIO

Francisco, fazendo menção à leitura proclamada – “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade” (1 Pd 5,2) – iniciou a homilia recordando que Jesus é o Pastor que dá a vida por todos.

“A nós, pastores da Igreja, é pedida esta mesma generosidade no pastoreio do rebanho, para que possa manifestar a solicitude de Jesus por todos e a sua compaixão pelas feridas de cada um”, afirmou, apontando que tal cuidado deve ser feito com dedicação e ternura, de boa vontade, e não como um dever.

“Se olharmos mais para Ele, o Bom Pastor, do que para nós mesmos, descobrimos que somos guardados com ternura, sentimos a proximidade de Deus. Daqui nasce a alegria do ministério e, ainda antes, a alegria da fé: não de ver aquilo que somos capazes de fazer, mas de saber que Deus está próximo, que nos amou primeiro e nos acompanha todos os dias”, apontou.

O SECULARISMO PÕE EM RISCO A ALEGRIA CRISTÃ

O Santo Padre apontou que diferentemente da alegria oferecida pelas situações mundanas, a alegria do cristã não é ilusória, não se liga riquezas ou seguranças, mas, sim “está unida a uma experiência de paz, que permanece no coração mesmo quando somos atingidos por dificuldades e aflições, porque sabemos que não estamos sozinhos, mas acompanhados por um Deus que não fica indiferente à nossa sorte”.

Após convidar os presentes a refletir sobre “como vai a nossa alegria? a nossa Igreja expressa a alegria do Evangelho? na nossa comunidade, existe uma fé que atrai pela alegria que comunica?”, o Papa alertou para algumas situações que ameaçam a alegria da fé, como o secularismo, que tem deixado Deus em último lugar na dinâmica das relações humanas e sociais.

Francisco, porém, disse que diante de tal constatação é fundamental que se tenha um olhar de discernimento e não puramente negativo, posto que este último leva a Igreja apenas a uma postura defensiva, de ressentimentos e nostalgias.

“Se nos detivermos num olhar negativo, acabaremos por negar a encarnação, porque fugiremos da realidade, em vez de nos encarnarmos nela. Fechar-nos-emos em nós mesmos, choraremos as nossas perdas, lamentar-nos-emos continuamente e cairemos na tristeza e no pessimismo, que nunca vêm de Deus”. Em vez disso, comentou o Papa, “somos chamados a ter um olhar semelhante ao de Deus, que sabe distinguir o bem e é obstinado a procurá-lo, vê-lo e alimentá-lo. Não é um olhar ingênuo, mas um olhar que discerne a realidade”.

A fim de deixar ainda mais precisa a distinção entre secularização e secularismo, Francisco mencionou um pensamento de São Paulo VI expresso na exortação Evangelli nutiandi, segundo o qual, a secularização é “‘esforço, em si mesmo justo e legítimo e não absolutamente incompatível com a fé ou com a religião’ (55), por descobrir as leis da realidade e da própria vida humana estabelecidas pelo Criador. […] Coisa diversa – distinguia Paulo VI – é o secularismo, uma concepção de vida que separa completamente do vínculo com o Criador, de tal modo que Deus se torna ‘supérfluo e embaraçante’ e se geram ‘novas formas de ateísmo’, subdolosas e as mais variadas: ‘uma civilização do consumo, o hedonismo erigido em valor supremo, uma ambição de poder e predomínio, discriminações de todo o gênero (EN, 55)”, afirmou Francisco, destacando que compete especialmente aos pastores da Igreja e aos agentes das pastorais fazer tais distinções.

TRANSMITIR A FÉ

O Papa observou, ainda, que diante do secularismo, a Igreja precisa refletir sobre as mudanças na sociedade que afetam o modo como as pessoas pensam e organizam a vida, o que fará perceber que não é a fé que está em crise, mas certos modos de anunciá-la. Por este discernimento, será possível, ao mesmo tempo, compreender “as dificuldades que temos na transmissão da alegria da fé” e encontrar “uma nova paixão pela evangelização, procurar novas linguagens, mudar algumas prioridades pastorais, ir ao essencial”.

Francisco enfatizou, ainda, que “é preciso anunciar o Evangelho para dar aos homens e mulheres de hoje a alegria da fé”, mas que tal anúncio não deve ocorrer primariamente por palavras, mas, sim, “pelo testemunho transbordante de amor gratuito, como Deus faz conosco. É um anúncio que pede para se encarnar num estilo de vida pessoal e eclesial que possa fazer reacender o desejo do Senhor, infundir esperança, transmitir confiança e credibilidade”.

TRÊS DESAFIOS ATUAIS À IGREJA

Na sequência, o Papa listou três desafios a serem desenvolvidos na oração e no serviço pastoral. O primeiro é o de fazer Jesus ser conhecido “nos desertos espirituais do nosso tempo, gerados pelo secularismo e pela indiferença”, e para tal é preciso encontrar novos caminhos “para anunciar o coração do Evangelho a quantos ainda não encontraram Cristo. Isto pressupõe uma criatividade pastoral para chegar até às pessoas onde vivem, encontrando ocasiões de escuta, diálogo e encontro”.

O segundo desafio é que tal anúncio do Evangelho seja credível, o que só é possível quando é acompanhado do testemunho de vida: “Anuncia-se o Evangelho de modo eficaz quando é a vida que fala, que revela aquela liberdade que faz livres os outros, aquela compaixão que nada pede em troca, aquela misericórdia que fala de Cristo sem palavras”.

Neste ponto da homilia, o Papa voltou a pedir perdão pelos erros passados cometidos pela Igreja no Canadá contra menores e pessoas vulneráveis: “O pesar e a vergonha que sentimos devem tornar-se ocasião de conversão: que nunca mais aconteçam! E, pensando ao caminho de cura e reconciliação com os irmãos e irmãs indígenas, que nunca mais a comunidade cristã se deixe contaminar pela ideia da superioridade de uma cultura sobre as outras e da legitimidade de usar meios de coação em relação aos outros”.

O Papa lembrou, ainda, que o primeiro passo para vencer essa cultura de exclusão deve ser dado por aqueles com responsabilidades na Igreja: “que os pastores não se sintam superiores aos irmãos e irmãs do Povo de Deus; que os agentes pastorais não vejam o seu serviço como poder. Começa-se daqui. Vós sois os protagonistas e os construtores de uma Igreja diferente: humilde, mansa, misericordiosa, que acompanha os processos, que trabalha decidida e serenamente na inculturação, que valoriza cada um e cada diversidade cultural e religiosa. Demos este testemunho!”.

Francisco, então, falou sobre o terceiro desafio: a fraternidade: “A Igreja será testemunha tanto mais credível do Evangelho quanto mais os seus membros viverem a comunhão, criando ocasiões e espaços para que toda a pessoa que se aproxima da fé encontre uma comunidade acolhedora, que saiba ouvir e entrar em diálogo, promova uma boa qualidade das relações”.

Nessa perspectiva, a comunidade cristã se torna uma escola de humanidade, “na qual se aprende a querer-se bem como irmãos e irmãs, dispostos a trabalhar, juntos, pelo bem comum”, disse, pedindo que todos se perguntassem: “Como está a fraternidade entre nós? Os Bispos entre si e com os padres, os padres entre si e com o Povo de Deus: somos irmãos ou concorrentes divididos em fações? E como são as nossas relações com quem não é ‘dos nossos’, com quem não crê, com quem possui tradições e usos diferentes? Este é o caminho: promover relações de fraternidade com todos, com os irmãos e irmãs indígenas, com cada irmã e irmão que encontramos, porque, no rosto de cada um, reflete-se a presença de Deus”.

Por fim, o Papa reforçou o pedido para que não se deixe que entre na Igreja o espírito do secularismo e recomendou: “não nos fechemos no ‘retrogradismo’, mas avancemos, com alegria!”. O Santo Padre fez ainda menção a São Francisco de Laval, o primeiro bispo da cidade, um exemplo a ser seguido por todos como homem de partilha, que lutou pela dignidade dos povos originários e que sempre esteve pronto para estender a mão a quem precisava, e preparado para recomeçar quando seus projetos eram destruídos.

Ao fim das vésperas, o Papa fez um breve momento de oração diante do túmulo de São Francisco de Laval, que foi canonizado em 3 de abril de 2014 pelo próprio Papa Francisco.

ATIVIDADES NA SEXTA-FEIRA

A viagem apostólica do Papa Francisco ao Canadá será concluída na sexta-feira, 29.

Pela manhã, ele terá um encontro privado com membros da Companhia de Jesus no Arcebispado de Quebec, e na sequência, no mesmo local, se reunirá com uma delegação de indígenas.

No começo da tarde, o Pontífice embarcará para Iqaluit, onde terá encontro privado com alunos das ex-escolas residenciais (onde ocorreram registro de abusos até a década de 1970) e também se encontrará com jovens e idosos na praça de uma escola de ensino fundamental.

A cerimônia de despedida no País está marcada para as 18h15 (horário de Brasília). A chegada do Pontífice no Aeroporto de Roma será no sábado, 30, às 7h50 (horário de Brasília).

(com informações de Vatican Media)

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