Papa: é trágico quando cristãos se adequam mais às conveniências do mundo do que ao Evangelho

Pontífice chegou a Québec, na quarta-feira, 27, sendo recepcionado por autoridades canadenses e representantes de populações indígenas

Em continuidade à 37a viagem apostólica internacional de seu pontificado, ao Canadá, iniciada no domingo, 24, o Papa Francisco chegou na quarta-feira, 27, à cidade de Québec, capital do estado de mesmo nome, quando encontrou-se com autoridades civis e foi recepcionado por indígenas, que lhe deram as boas-vindas com seus cantos e ritos tradicionais. 

A cerimônia de boas-vindas ocorreu Citadelle do Québec, residência oficial do Governador Geral do Canadá. Na oportunidade, o primeiro ministro canadense, Justin Trudeau, manifestou a alegria da população do país em receber o Pontífice e agradeceu-lhe por estar empenhado no caminho de perdão e reconciliação com os povos indígenas do País.

Também a governadora-geral do Canadá, Mary May Simon, agradeceu a presença do Papa. “Com esta visita, o senhor está indicando ao mundo que a Igreja Católica se une a nós para o caminho de cura, esperança e renovação”, disse, recordando que os povos originários do país estão de coração e ouvidos abertos ao Pontífice. “O Canadá está ansioso para trabalhar com a Santa Sé para a reconciliação e outras questões de paz”.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Há muitas décadas, as comunidades indígenas do Canadá estão pedindo algum reconhecimento e compensação pelo que sofreram nos séculos de colonização europeia, época em que organizações católicas participaram de políticas de Estado que não valorizavam os povos nativos. Entre elas, as chamadas ‘escolas residenciais’.

Tais escolas funcionavam como internatos e nelas meninos e meninas indígenas eram educados nos padrões ocidentais. Para isso, eram afastados de suas famílias indígenas, não tinham contato com os pais e perdiam também a ligação com a cultura tradicional. Esse modelo permaneceu por quase dois séculos, até os anos 1970. Boa parte delas era administrada por congregações ou grupos religiosos, financiados pelo Estado.

“O sistema escolar residencial prejudicou muitas famílias indígenas, minando a sua língua, cultura e visão de mundo. Naquele deplorável sistema promovido pelas autoridades governamentais da época, que separou tantas crianças das suas famílias, estiveram envolvidas várias instituições católicas locais; exprimo vergonha e pesar por isso”, afirmou.

“É trágico quando cristãos, como sucedeu naquele período histórico, se adequam mais às conveniências do mundo do que ao Evangelho”, lamentou o Pontífice em seu discurso, renovando mais uma vez, junto aos bispos católicos no Canadá, o pedido de perdão “pelo mal cometido por tantos cristãos contra as populações indígenas”.

“Se a fé cristã desempenhou um papel essencial na modelação dos ideais mais elevados do Canadá, que se caraterizam pelo desejo de construir um país melhor para todo o seu povo, é necessário – admitindo as próprias culpas – empenhar-se juntos na realização daquilo que sei que todos vós compartilhais: promover os direitos legítimos das populações nativas e favorecer processos de cura e reconciliação entre elas e os não indígenas do país. Isto reflete-se no vosso empenho por responder adequadamente aos apelos da Comissão em prol da Verdade e da Reconciliação, bem como na solicitude em reconhecer os direitos dos povos indígenas”, continuou o Papa.

SUPERAR AS MAZELAS DE ONTEM E DE HOJE

Em seu discurso, o Papa enalteceu o patrimônio natural do Canadá, fazendo muitas alusões à folha de acerácea, um dos símbolo do país e que está estampada na bandeira canadense.

Francisco também listou as mazelas que ao longo da história e atualmente afastam a humanidade da escuta de Deus e impedem o desenvolvimento humano integral, como o individualismo, as polarizações, a busca do lucro desmedido, a corrida armamentista e a disseminação do ódio.

“Não há necessidade de perguntar-se como continuar as guerras, mas como pará-las. Há necessidade de impedir que os povos voltem a ser reféns da trituração de espaventosas guerras frias alargadas. Há necessidade de políticas criativas e clarividentes, que saibam sair dos esquemas de parte para dar resposta aos desafios globais”, apontou.

O Papa lembrou, também, que uma mentalidade colonizadora construída ao longo da história “não se cura facilmente”, disse que ainda hoje proliferam “colonizações ideológicas que afetam os valores dos povos” e pediu que se tenha atenção para que a cultura do cancelamento não prive os mais pobres de seus direitos.

UMA CULTURA QUE TEM MUITO A ENSINAR

Fazendo alusão à ramagem multicolorida das aceráceas, Francisco destacou “a importância do conjunto, de construir comunidades humanas não uniformizadas, mas realmente abertas e inclusivas”.

Na sequência, destacou o valor da família e enalteceu como esta é valorizada pelos indígenas. “As populações indígenas têm tanto para nos ensinar sobre a guarda e a tutela da família, onde se aprende, já desde criança, a reconhecer o que está certo e o que é errado, dizer a verdade, partilhar, corrigir os erros, recomeçar, animar-se, reconciliar-se. Que o mal sofrido pelos povos indígenas nos sirva hoje de alerta, para que o cuidado e os direitos da família não sejam postos de lado em nome de eventuais exigências produtivas e interesses individuais”, advertiu.

O Santo Padre ressalou, ainda, que é preciso olhar para as gerações futuras e valorizar o desejo de fraternidade, justiça e paz que nelas há: “Os jovens merecem um futuro melhor do que estes que estamos a preparar-lhes”.

Por fim, o Papa enalteceu os canadenses por serem um povo que tem acolhidos migrantes de diferentes parte do mundo e lembrou que a Igreja no país tem buscado colaborar com todos que batem na porta das paróquias à procura de ajuda, mas que é preciso lutar, permanentemente, contras as injustiças sociais em todo o planeta.

 (Com informações de Vatican Media)

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