Em 19 janeiro, seis religiosas da Congregação das Irmãs de Sant’Ana haviam sido sequestradas em Porto Príncipe, juntamente com outros ocupantes de um microonibus. Todos foram libertados dias mais tarde. No Angelus de 21 de janeiro o Papa havia feito um apelo pela sua libertação e a Igreja local promoveu um dia de oração pela libertação de todos os sequestrados no país.
“Rezar pela paz e pelo fim da violência no país onde grupos criminosos semeiam o terror e o pânico entre as pessoas”, pede em alta voz o Padre Renold Antoine, missionário redentorista (CSsR) no Haiti.
A nova escalada de violência sem precedentes vivida na ilha teve início depois que se soube, durante a recém-concluída Cúpula do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM) em Georgetown, Guiana, que o primeiro-ministro Ariel Henry se tinha comprometido em realizar as eleições no Haiti em 31 de agosto de 2025.
A notícia desencadeou a fúria dos grupos armados que controlam a capital haitiana e suas periferias. Antes rivais, agora uniram as forças para pedir a demissão do primeiro-ministro do país – confirma o missionário. Desde então, delegacias, subestações e até o Aeroporto Internacional Toussaint Louverture têm sido alvo de ataques de membros de gangues. Escolas, hospitais, orfanatos, bancos comerciais, edifícios públicos e muitas empresas foram saqueadas. A população civil está aterrorizada com a fúria dos grupos armados. Milhares de pessoas tiveram de abandonar as suas casas para buscar refúgio em campos onde se sentem mais seguras, mas muitas vezes em condições desumanas. Quase todas as instituições republicanas estão inativas e não são consideradas, duas grandes prisões na região metropolitana da capital onde estavam detidos membros das gangues mais temidas do país, foram ocupadas por grupos armados ilegais, o que facilitou a fuga em massa dos prisioneiros.”
Padre Renold também relata o sequestro de três freiras da Congregação das Irmãs de São José de Cluny no dia 5 de março. No dia 24 de janeiro, a Igreja do Haiti havia anunciado um Dia de Oração pela libertação de todas as pessoas sequestradas. “A situação degenerou. Para muitos, a causa remonta à teimosia e ao amadorismo daqueles que estão no poder político e que não impedem a violência de grupos fora da lei. Esta situação agravou a pobreza e os problemas de saúde neste país que já era o mais pobre do Hemisfério Ocidental.”
“Nós, como Redentoristas – conclui Padre Renold – apelamos, mais uma vez, àqueles que detêm o poder político e às figuras políticas, tanto no poder como na oposição, para que façam o que for necessário para deter a violência e buscar uma solução duradoura para tirar o país desta terrível crise. Pedimos à comunidade internacional para agir, porque a situação é extremamente grave. Apelamos também à consciência de todos, porque é chegado o momento de nos levantarmos e dizer NÃO a esta realidade em que nos encontramos há tantos anos. Não podemos acomodarmos com o nosso bem-estar individual em detrimento do nosso bem-estar coletivo. Devemos recusar ser cúmplices das atrocidades que pessoas más cometem contra o nosso povo. Estamos todos ligados e condenados a viver juntos nesta terra de liberdade. O Haiti é nosso. Juntos, vamos nos unir para mudar esse paradigma horrível. Vamos antes dizer SIM à vida, ao progresso, ao bem-estar coletivo, à paz e à segurança para todos.”
“Nosso povo quer viver”
Diante da violência que martiriza a ilha caribenha, a fundação de direito pontifício Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, sigla em inglês), entrevistou Dom Max Leroy Mésidor, arcebispo metropolitano de Porto Príncipe e presidente da Conferência Episcopal Haitiana, que também falou sobre a situação da Igreja no seu país.
Há vários anos que o Haiti atravessa um período de profunda instabilidade. A violência se agrava dia após dia, e alguns já falam em uma ‘guerra civil de baixa intensidade’…
Sim, o país verdadeiramente sofre a ameaça de uma guerra civil. As gangues armadas são como um exército organizado, porque estão muito bem equipadas e a polícia não tem capacidade de enfrentá-las. Em certas áreas, como aquela onde eu moro, há grupos que tentam enfrentar as gangues, então muitas vezes há confrontos entre eles e os bandidos, mas também entre os bandidos e a polícia. Existem muitas armas em circulação. Sim, é como uma guerra civil.
A Conferência Episcopal do Haiti falou em 2021 de uma “ditadura do sequestro” no Haiti. O que os bispos queriam dizer com isso?
Os sequestros acontecem em todos os lugares… Quer sejam pobres, ricos, intelectuais ou analfabetos, qualquer pessoa pode ser sequestrada. É uma ditadura, uma praga que deve ser combatida e que está sufocando os haitianos.
A Igreja também é um alvo. Muitos sacerdotes e religiosos foram sequestrados nos últimos anos…
Sim, já dizemos isso há muito tempo. Em 2021 foram sequestrados os primeiros sacerdotes e religiosos. Neste ano de 2024, foram seis religiosas em janeiro, seis religiosos e um sacerdote em fevereiro e outro sacerdote em 1º de março. Os seis religiosos ainda estão nas mãos dos seus sequestradores. A Igreja não vai deixar os nossos irmãos e irmãs sozinhos. Mas também é preciso dizer que há muitos médicos sequestrados.
Até que ponto o seu trabalho pastoral é afetado por essa situação?
Está muito, muito prejudicado, especialmente em Porto Príncipe, porque não posso visitar dois terços da minha diocese, pois o acesso a eles está bloqueado, e para chegar ao sul da diocese tenho que pegar um avião. Faz dois anos que não vou à catedral: uma vez, enquanto estava no meu escritório, houve um tiroteio e tive que esperar quatro horas antes de poder sair para celebrar a Missa. As balas atingiram a janela do meu escritório. A última celebração que pude fazer na catedral foi a Missa Crismal. Estava lotada com 150 sacerdotes, muitos religiosos e fiéis. Porém, desde o Agnus Dei até o final da celebração ouvimos tiros bem ao lado. Podíamos ver a fumaça subindo muito perto de nós. Desde então não pude voltar à catedral nem ao arcebispado.
Em que estado de espírito estão os sacerdotes, religiosos e seminaristas?
Todos têm medo, inclusive os religiosos. Assim que você sai para a rua em Porto Príncipe, você corre perigo, e o seminário fica em um bairro onde há muitos tiroteios e confrontos. As gangues chegam até a entrar nas igrejas para sequestrar pessoas, e há paróquias fechadas porque os padres tiveram que sair. Na semana passada, um pároco teve que sair com os seus paroquianos: caminharam 15 horas!
A ACN apoia a formação de mais de 200 futuros sacerdotes e muitos catequistas no Haiti. De onde a Igreja tira forças para avançar diante dessa situação angustiante?
Nosso povo é um povo que quer viver. É um povo que, no meio do sofrimento, mostra resiliência: está habituado a sofrer… embora o sofrimento agora tome proporções terríveis. Os seminaristas e os catequistas querem cumprir uma missão e por isso aguentam e por isso permanecem aqui. Para eles, a sua missão é vital. Por exemplo, propus recentemente um encontro para agentes pastorais, ao qual esperava a participação de 120 pessoas. No final chegaram 220 e, embora não houvesse lugar para todos, permaneceram de pé. Queriam estar ali, com o bispo, para receber um pouco de formação. Eles enfrentaram o perigo para estar ali.
Isto mostra a importância da fé neste contexto tão inseguro…
Sim… As pessoas continuam a viver a sua fé nesta situação, apesar desta situação! Embora no dia anterior tenha tido tiroteios no bairro, no dia seguinte, às seis da manhã, a igreja está lotada. E há pessoas que, apesar do perigo, saem para visitar os doentes. Para as procissões ou a Via Sacra – mesmo no centro de Porto Príncipe – podemos ter até 50 mil pessoas. Às vezes me deixam maravilhado.
Fonte: ACN e Vatican News