‘Unzen Hell’ um lembrete da perseguição cristã no Japão

A vila da montanha é onde os governantes japoneses jogavam cristãos em águas ferventes há 400 anos

foto: Acervo do resort

Obama é um pequeno resort spa em Kyushu, a terceira maior ilha do Japão, com vista para o mar aberto. A partir dali, é preciso pegar um ônibus que sobe as curvas acentuadas das montanhas até uma altura de 700 metros para se chegar a Unzen, uma vila de montanha que surgiu em torno de seus famosos banhos termais, os mais quentes de todo o Japão, com temperaturas que chegam a 120 graus.

Do ponto de vista turístico, é o local perfeito para todos aqueles que procuram um instante memorável para se pendurar naquele espaço de autogratificação fugaz das várias redes sociais.

Da terra sobem, por 20 ou 30 metros, grandes fumaças que cercam um hotel cujas fundações caem direto nas águas termais ferventes. É de se perguntar que truques técnicos os engenheiros colocaram em prática para manter aquelas estruturas gigantescas, algumas centenárias, de pé naquele pântano incandescente.

O gargarejo do borbulhar contínuo de água, pedras e lama evocam fantasmas de paisagens sobrenaturais. Não é por acaso que o lugar é conhecido como “Unzen Hell”.

HISTÓRIA DE PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS

O lugar se tornou um resort popular em 701, quando a seita budista Shingon construiu um templo ali. Ainda hoje o lugar é semeado com pequenas estátuas (Jizo), esculpidas em pedra, que no Japão são muitas vezes encontradas na fronteira entre os lugares físicos e espirituais.

Por volta do ano de 1620, o governo local pensou em usar as águas termais quentes de Unzen para forçar os cristãos japoneses a renunciar à sua fé.

Entre 1627 e 1633, durante a perseguição cristã que durou mais de dois séculos, cerca de 30 pessoas foram mortas ali por causa de sua fé particular e mais de 60 foram brutalmente torturadas. Não é difícil imaginar os sofrimentos excruciantes daqueles primeiros crentes, até porque a visita às termas permite caminhar sobre as águas que são os próprios lugares da tortura.

Se o vento soprar na direção errada, a pessoa se encontra imerso em um banho de vapor sulfuroso que por alguns momentos embaça seus olhos e atordoa seu olfato.

Quando o escritor Endo Shusaku, famoso por escrever o popular romance Silêncio, visitou este lugar e tentou imaginar sua reação pessoal a esse tipo de tortura, ele disse que provavelmente perderia a consciência só de pensar em ser jogado na água.

E esta é talvez a razão pela qual muitos cristãos levados para lá foram poupados desse destino desumano. É provável que eles tenham desmaiado pela dor insuportável das queimaduras e foram imediatamente retirados do calor escaldante. Mas eles também não sobreviveram, pois foram “terminados” em outro lugar por outros – e talvez não menos dolorosos – meios.

Na época, os japoneses inventaram formas mais eficazes de prolongar a agonia: a famosa prática do “poço” desde que a pessoa fosse pendurada de cabeça para baixo e deixada balançando por horas no fundo de um poço cheio de excrementos.

A reportagem do UCA News fez a longa viagem a pé, com grande dificuldade para reconstituir a memória embutida no monumento das vítimas da perseguição.

Está tão bem escondido que é preciso ter sorte ou certa teimosia na exploração para detectar sua presença. Há alguns anos, um escritor inglês que veio escrever sobre o lugar, apesar de todos os seus esforços, não conseguiu localizá-lo. É compreensível dado que está localizado além da vegetação densa e completamente desprovido de direções para alcançá-lo.

Presos no chão estão uma cruz de mármore de um metro e meio e uma placa, tudo estritamente em japonês. Na frente, há um pequeno banco de madeira. A presença do banco é tranquilizadora e desperta um impacto emocional ainda mais forte do que o do próprio monumento. Isso sugere que talvez alguém ainda esteja tentado a parar ali e passar algum tempo para fazer uma oração por esses muitos mártires esquecidos.

Fonte: UCA News

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