Aborto: a violência que retira o direito de nascer

Na série mensal de reportagens sobre as violências que acometem as crianças e os adolescentes no Brasil, O SÃO PAULO fala daquelas cujo direito a existir lhes foi negado: os nascituros abortados

 “Não se preocupe, é apenas um amontoado de células”; “O bebê não sente dor”; “Você terá problemas psicológicos e físicos em gerar um criminoso”; “Você tem direito sobre o seu corpo.”

Eufemismos como estes são muitas vezes ditos às gestantes para atenuar a gravidade do crime do aborto, delito tipificado nos artigos 124 e 128 do Código Penal, e que só não é punido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro, conforme previsto no próprio Código, e ainda para os casos em que o feto é anencéfalo, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 2012.

Morte certa de um inocente

Seja a prática feita no âmbito dos limites da lei, seja aquela realizada clandestinamente, o fato objetivo é que sempre o aborto provocado resultará na morte do bebê, por meio de procedimentos químicos ou cirúrgicos, como exemplifica Celene Salomão de Carvalho, uma das organizadoras, no Brasil, da ação 40 Dias pela Vida – vigília de oração e jejum realizada em 800 cidades do mundo e que já evitou a morte de centenas de nascituros em todo o planeta.

Um dos métodos usados para provocar a morte do bebê em gestação é o envenenamento por solução salina: “A partir da 12ª semana de gestação, retira-se, por meio de uma agulha introduzida no ventre materno, todo o líquido aminiótico que envolve e nutre o bebê, para depois injetar em seu lugar uma solução salina, que provocará queimaduras e a morte por envenenamento ”, detalhou Celene.

Há, ainda, procedimentos cirúrgicos, como o aborto por sucção ou aspiração, realizado com até 12 semanas de gravidez: “O colo do útero é forçado a se abrir (rompendo-se com as fibras musculares) com o auxílio de dilatadores de metal, para permitir a introdução de uma cânula ligada a um aparelho sugador, muito potente, que irá literalmente aspirar toda a parede uterina até ‘coletar’ o feto”, explicou.

Em muitas ocasiões, os bebês abortados ainda sobrevivem à violência que sofrem e a morte precisa ser consumada por quem executa o aborto. De acordo com Celene, as mulheres que o praticam carregam sequelas por toda a vida. No aspecto psicológico, são comuns as ocorrências de síndrome pós-aborto, depressão, transtornos do sono, irritabilidade, rejeição ou obsessão por crianças e até suicídio. No campo fisiológico, há o risco de esterilidade, hemorragias, sangramentos, infecções, câncer de mama, entre outros.

Direito de nascer e viver

O artigo 2º do Código Civil diz que “a personalidade civil da pessoa começa a partir do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Além disso, a Constituição, em seu artigo 5º, aponta que o direito à vida é inviolável.

“O direito à vida é assegurado pelo nosso ordenamento jurídico desde a concepção. E, confirmando esse direito, o nosso ordenamento ainda traz outros direitos aos nascituros, como, por exemplo, no Código Civil, em que se determina o direito de receber doação (artigo 542), de receber herança (artigo 1.798) e de ser curatelado (artigo 1.779)”, detalhou à reportagem o advogado Miguel da Costa Carvalho Vidigal, diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp). Ele também lembrou que a Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem força de lei no Brasil (Decreto 678/92), prevê expressamente que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida e que esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”.

Tentativas de descriminalização

Recorrentemente há tentativas de descriminalização do aborto no País. A mais recente é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442/2017, em tramitação no STF, que propõe a permissão do aborto até a 12ª semana de gestação.

Uma das legislações que ampliaram o acesso ao aborto é a Lei 12.845/2013, pela qual o conceito de violência sexual passou a ser entendido como qualquer relação não consentida, bastando, assim, que a mulher declare que foi vítima em um relacionamento para poder acessar os serviços de aborto em caso de estupro.

“Essa lei precisa ser mudada, uma vez que é complicado se comprovar que uma relação não foi consentida. Qualquer pessoa normal tem repulsa à violência sexual e o instinto natural é de que essa repulsa venha acompanhada de um desejo de ver punido o agressor. No caso do aborto oriundo de uma violência desse tipo, contudo, muitas vezes o único punido é o ser inocente que foi gerado e que não tem a menor culpa do ato monstruoso praticado pelo genitor”, apontou Vidigal.

Nos últimos anos, outros projetos de lei buscaram ampliar a permissividade ao aborto, valendo-se de subterfúgios linguísticos, a fim de que o aborto esteja contemplado em políticas públicas de garantia da “saúde integral da mulher”, de “atendimentointegral em casos de violência” e de “saúde sexual e reprodutiva”, conforme mostrou O SÃO PAULO, em reportagem no mês de julho.

Em compasso de espera

Há 13 anos tramita no Congresso Nacional o projeto de lei (PL) 478/2007, que dispõe sobre a criação do Estatuto do Nascituro, pelo qual se assegurará proteção integral ao ser humano concebido, mas ainda não nascido, reconhecendo sua dignidade e conferindo-lhe proteção jurídica.

Conforme a redação do PL, o Estado e demais pessoas serão impedidos de discriminar o nascituro ou privá-lo de algum direito, “em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, da deficiência física ou mental ou da probalidade de sobrevida” ou de causar-lhe qualquer dano “em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”.

O PL 478/2007 está em análise na Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, e desde novembro de 2019 o relator do texto é o deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), não havendo previsão de quando será apresentada a redação final para a apreciação dos deputados.

Dia do Nascituro

Com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre o direito à vida daqueles que foram concebidos, mas ainda não nasceram, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) celebra o Dia do Nascituro, em 8 de outubro, que é antecedido pela Semana Nacional da Vida, entre os dias 1º e 7.

As atividades são organizadas pela Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família. Este ano, o tema é “Vida: dom e compromisso”. O subsídio “Hora da vida” está disponível para download em http://site.cnpf.org.br.

Para este período, são propostos encontros e celebrações de reflexão sobre a dignidade da vida humana, desde seu início até seu fim natural. O momento também é oportuno para ressaltar as muitas iniciativas em favor dos nascituros, como a vigília 40 Dias pela Vida. “Normalmente a fazemos em frente às clínicas e hospitais que praticam o aborto. Não importunamos, ofendemos ou cercamos as pessoas, apenas rezamos e, muitas vezes, mães se aproximam, nós as ouvimos e, se nos pedem, as encaminhamos para pessoas e profissionais capacitados e experientes a ajudá-las”, afirmou Celene.

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