Corpo: sinal visível da imagem e semelhança de Deus na humanidade

‘A Criação de Adão’, de Michelangelo, na Capela Sistina, ilustra os fundamentos da antropologia cristã e da Teologia do Corpo

Uma fonte para compreender melhor o quanto o vício da pornografia é danoso para a pessoa é a chamada Teologia do Corpo, desenvolvida a partir de uma série de catequeses de São João Paulo II, realizadas entre os anos 1979 e 1984. Nas catequeses, ele aprofunda o tema do amor humano com base no mistério da Encarnação, na Antropologia e a espiritualidade cristãs.

Ao longo desses mais de quatro anos, o Pontífice polonês meditou sobre o amor humano em seus vários aspectos: a relação do homem e da mulher, a linguagem profética do corpo humano, a luta espiritual do coração do homem o amor conjugal, entre outros.

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O Padre Alessandro Enrico de Borbón, mestre em Teologia do Matrimônio e Família, pelo Instituto João Paulo II, em Roma, explicou ao O SÃO PAULO que o Papa Wojtyla inicia a Teologia do Corpo com uma exegese dos primeiros capítulos do livro do Gênesis, sobre a criação do homem e da mulher, e destaca que ambos foram feitos à imagem e semelhança de Deus e que o corpo humano é expressão desse mistério.

Nesse sentido, a Teologia do Corpo indica que todo ser humano possui três experiências originárias que são compreendidas a partir do relato da criação.

A primeira é a “solidão originária”, que se refere ao sentimento de Adão antes da criação de Eva, diante da falta da companhia de uma criatura de igual natureza. A segunda experiência é a “nudez originária”, que recorda que ambos foram criados nus e, até o surgimento do pecado original, não havia a maldade do olhar humano. Já a terceira experiência é a da “unidade originária”, pois Deus criou o homem e a mulher em igualdade de dignidade.

DINAMISMO DO AMOR

A partir dessas três experiências originárias, desenvolve-se o que, na Teolo- gia do Corpo, é chamado de dinamismo do amor, que se dá em três etapas: a atração, o desejo e o encontro afetivo.

“O amor nasce de uma admiração pela outra pessoa, que se deixa impac- tar pela beleza da outra, suas qualidades físicas, seu jeito, personalidade etc., que a afetam a ponto de desenvolver uma união afetiva. Isso leva a um desejo por essa pessoa, que cresce a ponto de chegar ao encontro afetivo de fato”, detalhou o Sacerdote.

Nesse sentido, o vício da pornografia rompe os processos desse dinamismo do amor e do respeito ao outro. “A outra pessoa passa a ser um objeto de prazer e mais nada. Esquece-se de que existe uma pessoa por trás disso tudo, com outras qualidades e a dignidade de filho de Deus”, sublinhou o Padre.

ESPIRITUAL E DIVINO

Outro aspecto da sexualidade humana, iluminado pela Teologia do Corpo, é quanto à sua finalidade em relação à complementaridade entre homem e mulher para o plano da relação do amor de Deus para com a humanidade, como explicou o médico Valdir Reginato, professor da Escola Paulista de Medicina e terapeuta familiar.

“A enganosa visão do corpo como mero instrumento da relação sexual não pode deixá-lo desconsiderado ou sub- misso diante da sublimidade do espírito, pois ‘o corpo, de fato, e só ele, é capaz de tornar visível o que é invisível: o espiritual e o divino’”, detalhou o médico, citando São João Paulo II.

Valdir Reginato enfatizou, ainda, que a pornografia impede a pessoa de perceber o corpo como sinal visível dessa realidade sobrenatural, “arremetendo a uma satisfação egoísta, que foge do caminho da verdade e da vida com amor, e conduz à frustração do vício e suas consequências”.

Obra “História do Gênesis: a criação do homem”, de Emanuele Lampardo (sec. XVI-XVII)

PURIFICAR O OLHAR

Padre Alessandro indica que um primeiro passo para vencer o vício da por- nografia é a busca desse “olhar originá- rio” que enxergue a outra pessoa como um ser humano que exige todo respeito e cuja beleza corporal não pode ser usa- da apenas para a satisfação de um prazer instintivo.

“A pornografia não deixa de ser uma ilusão e, portanto, mexe com a fantasia”, destacou o Sacerdote, explicando que a fantasia em si não é algo ruim e faz parte do mecanismo cognitivo e psíquico, mas precisa ser controlada.

Outro aspecto é o domínio dos desejos. “O ser humano precisa ser dono dos seus desejos e não dominado por eles”, completou o Padre, explicando que ter desejos não é um problema em si, mas esses devem ser consequência do dinamismo do amor mencionado anteriormente.

AFETIVIDADE

“Muitas vezes, o escape da pornografia é por uma carência afetiva. A pessoa não se sente amada, seus relacionamentos não a preenchem”, ressaltou o Sacerdote, indicando como caminho a busca de bons relacionamentos afetivos, seja no âmbito conjugal, seja no cultivo de boas e sinceras amizades.

A separação entre o sexo e o amor, algo bastante estimulado pela cultura atual, é outro fator para a busca da pornografia. “O ato sexual é uma das expressões do amor, por meio do qual alguém se entrega livre e totalmente, aberto à vida, a outra pessoa, não para buscar um prazer simplesmente, mas como fruto do amor e do desejo de entrega para a outra pessoa. É nessa perspectiva que se deve realizar a união sexual”, recordou o Sacerdote, alertando para o risco de o prazer se tornar um fim em si mesmo e não uma consequência dessa entrega total.

REDIRECIONAR A FINALIDADE

Uma pessoa que está viciada na pornografia precisa redirecionar a finalidade da sua vida, precisa ter um ide- al muito maior, que para os cristãos é chegar e estar com Deus, o céu. Se há clareza disso, todos os atos e decisões de alguém devem concluir para essa finalidade.

“Para desenraizar um vício, só existe um caminho, que é apresentando um novo amor, que seja mais forte, uma nova motivação pela qual se sinta uma força que a tire dessa realidade”, frisou Padre Alessandro, lembrando que a motivação maior do cristão é a vida eterna em Deus.

EDUCAÇÃO SEXUAL SAUDÁVEL

Padre Alessandro in- dica como caminho para vencer essa dificuldade a busca de uma reintegração da vida. “Reintegrar as paixões, desejos, vontades… Para que tudo seja em função de um fim e de um sentido maior na minha vida”, aconselhou.

Valdir Reginato reconheceu que não basta apenas limitar o acesso à pornografia no com- putador ou celular por meio de filtros ou outros mecanismos restritivos. “Ela se escancara nas ruas, em revistas, cine- mas, festas etc. É necessário que se esforce não só na proibição pelos meios legais, mas, principalmente, pela educação sexual saudável e cristã em família, a partir do berço, por meio da qual se redescubra as alegrias da grandeza do amor de Deus para com a humanidade”, afirmou.

SENTIDO DO AMOR

Do ponto de vista prático, nesse contexto de confinamento social, o médico recomendou o cultivo de uma rotina de saudável convivência em família e o cumprimento das tarefas diárias, que diminuem o tempo ocioso. Associado a isso, o cultivo de uma vida de oração que ajude a pessoa a tomar cada vez mais consciência da sua dignidade de filho de Deus.

Valdir Reginato concluiu que, para aqueles que se encontram desanimados e enfraquecidos, é preciso “mostrar que é possível superar o mal da pornografia manifestando a alegria por viver com sentido no amor de Cristo”.

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