Famílias vivem o desafio da volta ao trabalho com as escolas fechadas

As atividades econômicas estão, aos poucos, sendo retomadas nas cidades, embora a pandemia ainda não tenha sido totalmente controlada. Adotando uma série de protocolos e restrições, muitos profissionais que estavam trabalhando em casa desde meados de março, agora começam a retornar ao trabalho presencial. Escolas e creches, contudo, ainda estão fechadas. Surge, então, o dilema: com quem vão ficar as crianças?

Em São Paulo, a Secretaria Estadual da Educação planeja a retomada das aulas em setembro, de forma gradual e organizada. O Sindicato das Escolas Particulares também informou que os protocolos de reabertura de escolas e creches conveniadas estão sendo estudados, mas aguarda a orientação do poder público.

MÃES

Nesse cenário, quem mais sofre são as mães, que contam essencialmente com as escolas e creches para deixar os filhos enquanto trabalham.

De acordo com pesquisa publicada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 2018, a participação feminina no mercado de trabalho da região metropolitana de São Paulo representa 54,2%, sendo que 33% das mulheres têm responsabilidade total pelo rendimento financeiro da casa.

O impacto desse problema já é sentido em países que retomaram as atividades econômicas e mantêm as aulas suspensas. No Reino Unido, por exemplo, cresceu o número de mulheres que foram demitidas ou tiveram que pedir demissão por não ter onde deixar os filhos.

COLABORAÇÃO

A fonoaudióloga Luciana Amaro Paganini, 40, vive esse drama com os filhos, Heloísa, 7, e Pedro, 9 meses, desde abril, quando terminou sua licença-maternidade e teve que voltar a trabalhar bem no início do isolamento social. A princípio, ela uniria a licença com as férias, porém, por ser profissional da saúde e trabalhar no serviço municipal, as férias foram canceladas.

Com a escola de Heloísa fechada e sem creche para matricular o Pedro, Luciana teve que contar com a ajuda da família, que se reveza para cuidar das crianças. Seu marido, o consultor de marketing Marcelo Paganini, 53, trabalha em regime home office, mas, quando está com as crianças, não consegue efetuar suas tarefas profissionais, pois é preciso acompanhar a rotina de estudos da filha e ajudar a cuidar do bebê, que, nesta fase, exige bastante atenção.

“Uma das minhas cunhadas vinha duas vezes por semana para nos ajudar. Só que, agora, ela está voltando a trabalhar e não poderei mais contar com ela”, relatou a fonoaudióloga.

Luciana, então, recorreu à sua mãe, que é professora e, por enquanto, está trabalhando em casa e já cuida de outra neta. Contudo, ela tem mais de 60 anos e, portanto, é do grupo de risco.

NECESSIDADE

Com isso, as crianças não estão tendo uma rotina fixa, pois há dias em que vão para a casa da avó e outros em que ficam com o pai em casa. “Temos que dar conta das aulas da Heloísa, que já está no 2º ano, do Pedro, da casa e do trabalho. Sem contar o medo da COVID-19, pois tenho contato direto com o público no meu trabalho”, ressaltou a mãe.

Ainda segundo Luciana, a maior dificuldade é não ter certeza sobre o futuro em relação às escolas, pois, por mais que haja planos de retomada das aulas presenciais em setembro, haverá revezamento dos alunos e ainda há o risco de o retorno ser adiado, dependendo da evolução da pandemia.

Quando perguntada se teria receio de enviar os filhos à escola neste período, Luciana confessou que não. “A escola da Heloísa já fez reuniões para demonstrar como seriam as ações e os protocolos para a volta às aulas, e me sinto segura. Infelizmente, nossa realidade é essa. Neste momento, a necessidade é maior que o meu receio.”

CENTRALIDADE DA FAMÍLIA

Essa realidade causada pela pandemia evidenciou um tema que nem sempre é valorizado na sociedade: o bem-estar da família.

Letícia Barbano, terapeuta ocupacional e pesquisadora da Family Talks, entidade que tem como objetivo a promoção do debate sobre o papel da família na sociedade, destacou ao O SÃO PAULO a necessidade de uma mudança cultural por parte da sociedade, das empresas e dos governantes em relação à centralidade da família na reflexão social.

“Vivemos em uma cultura de valorização excessiva do trabalho produtivo, isto é, aquele que dá retorno financeiro. Tendemos a colocar o trabalho produtivo acima da família. É preciso que a família esteja no centro das ações e políticas sociais”, salientou a terapeuta.

É PRECISO ESTAR EM REDE

Nesse sentido, a Family Talks tem sua atuação pautada em três vertentes: na esfera pública, em pesquisas relacionadas à família e na conscientização da sociedade sobre a importância dos vínculos familiares e, por isso, propõe discussões que visam a novas relações de trabalho, centradas na família. A ideia, conforme explicou a pesquisadora, é estabelecer uma rede de apoio entre empresa, família, amigos, vizinhos e escolas, para que pais e mães sejam capazes de conciliar o trabalho e a relação com os filhos de forma equilibrada.

Letícia reiterou que o retorno ao trabalho, deixando o cuidado dos filhos em situação de vulnerabilidade, fragiliza a família como um todo. “É preciso um esforço para criar arranjos organizacionais mais maleáveis – como flexibilidade nos horários, possibilidade de dividir tarefas e funções, apoio e compreensão por parte dos gestores. Até que a situação se normalize, precisamos de uma dose extra de humanização e empatia”, concluiu.

Em busca de alternativas
Embora nem sempre seja fácil, o caminho, neste momento, é negociar com a empresa a busca de alternativas que sejam vantajosas para ambas as partes. Seguem algumas dicas:

Home office – Proponha a manutenção do regime de teletrabalho até que as creches e escolas sejam reabertas.

Flexibilidade de horário – Caso haja uma rede de apoio que possa atender parcialmente à necessidade dos pais, sugira chegar mais tarde ou sair mais cedo do trabalho. Ou, então, alterne o regime de trabalho presencial com o home office, de acordo com as possibilidades.

Rede de apoio – Além dos familiares e amigos próximos, busque articulação com outras mães que passam pela mesma situação e podem ser encontradas nos grupos de apoio já existentes entre mães da escola dos filhos para troca de informações.
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