Iraque: berço das civilizações que professam a fé no Deus único

Papa Francisco é recebido por autoridades iraquianas (Foto: Vatican Media)

O Papa Francisco desembarcou nesta sexta-feira, 5, no Iraque, para uma visita histórica de três dias. Esta é a primeira vez que um Pontífice Romano visita esse país do Oriente Médio considerado o berço comum das três grandes religiosos monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, por ser o local do nascimento do patriarca Abraão e cenário de diversos acontecimentos narrados na Bíblia.

Mesopotâmia

A região onde se encontra atualmente o Iraque coincide em grande parte com a antiga Mesopotâmia, localidade entre os rios Tigre e Eufrates de onde vêm os primeiros registros históricos da escrita e da primeira civilização do mundo, a Suméria, há cerca de 5 mil anos. 

É também nessa região que estava localizada a cidade da Babilônia, capital do Império Babilônico durante os milênios II e I a.C. Na Antiguidade, a cidade se beneficiava de sua posição na importante rota comercial terrestre que ligava o Golfo Pérsico com o Mediterrâneo.

Os habitantes da região enfrentaram uma série de conflitos naquela época ocasionados por intensas disputas territoriais. Conviveram com ameaças de dominação dos elamitas, amoritas, mitanni, egípcios, hititas, assírios e tantos outros povos. Essas pressões e conflitos fizeram com que o território fosse, aos poucos, fragmentado entre vários grupos étnicos, muitas vezes, rivais.

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Referências bíblicas

Os territórios que hoje compõem o Iraque são bastante conhecidos dos textos bíblicos. Além de abrigar a Planície de Ur, onde nasceu Abraão, acredita-se, por exemplo, que o paraíso descrito no Livro do Gênesis localizava-se nessa região.

O mesmo se diz sobre a construção da Torre de Babel, o dilúvio, o encontro de Jacó e Raquel; a cova dos leões, onde Daniel estava preso; a fornalha ardente, onde os três jovens hebreus foram colocados por Nabucodonosor, rei da Babilônia, que mantinha os judeus em cativeiro; os episódios do livro de Ester; a atividade dos profetas Amós, Ezequiel, entre muitos outros acontecimentos descritos no Antigo Testamento.

Conflitos e guerras

O território Iraquiano também fez parte de um dos maiores impérios do mundo por quase quatro séculos, o Otomano que, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, deteve grande poder político e militar no mundo.

No início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial em 1918, o Império Otomano estava todo dividido em vários novos países e sob domínio dos vencedores do conflito e o Reino Unido dominou a área do atual Iraque.

Anos depois, a Segunda Guerra Mundial, com genocídio da Alemanha Nazista contra os judeus, levou a criação Estado de Israel, que causou diversas instabilidades no Oriente Médio também envolvendo o Iraque.

Era Hussein

Em 1958, o Iraque conseguiu estabelecer sua república. Porém, inúmeras agitações internas e disputas políticas envolvendo grupos de origens culturais diversas fizeram com que essa republica fosse derrubada por um golpe militar em 1979. Nessa ocasião, o general sunita Saddam Hussein assumiu o poder estabelecendo um poder autocrático, marcado pela execução de centenas de oposicionistas.

Guerra do Golfo (Foto: Wikimedia Commons)

O governo de Hussein se envolveu em duas guerras no Golfo Pérsico na década de 1990, a primeira contra o Irã e a segunda como tentativa de anexar o Kuwait ao seu país. Tais conflitos eram motivados, sobretudo, pelo interesse nas grandes reservas de petróleo da região. Devido à participação na guerra de exércitos poderosos, como o dos Estados Unidos, o Iraque acabou reconhecendo a independência do Kuwait e passou a sofrer com várias sanções econômicas entre 1991 e 2003.

Em 2003, eclodiu um novo conflito, comandado pelos Estados Unidos contra os crimes que supostamente eram cometidos pelo Iraque, que resultou no fim do governo de Saddam Hussein, que foi condenado e executado.

Situação atual

Desde então, o Iraque convive com instabilidade política e social e ameaças de grupos terroristas, dentre os quais, o grupo extremista autointitulado Estado Islâmico.

O governo atual, liderado pelo primeiro-ministro Nuri al-Maliki, é formado pelas três grandes frentes que habitam o país: os sunitas, os xiitas e os curdos. No entanto, o país enfrenta dificuldades para se sustentar como uma única pátria. De um lado, a maioria curda deseja a criação do Curdistão e, de outro, os xiitas também desejam sua independência para uma possível junção ao Irã.

O Iraque ainda vive uma grande crise econômica e social, a população é atingida pela miséria que assola o país, bem como pelos altos índices de violência, corrupção e ausência de infraestrutura.

Celebração em Igreja católica de rito oriental no Iraque (Foto: Vatican News)

Cristianismo

A presença cristã na Mesopotâmia remonta às origens do próprio Cristianismo, como atesta o Livro dos Atos dos Apóstolos. Segundo a tradição, a pregação do Evangelho se espalhou por essas terras no primeiro século a partir da pregação do Apóstolo São Tomé e seus discípulos, estendendo-se até a Ásia oriental.

Desde a chegada do Islã, no século VII, e também após o nascimento do Iraque independente, a vida dos cristãos da região foi marcada por perseguições e discriminações. Além dos católicos de diferentes ritos, há no País a presença de cristãos ortodoxos e protestantes.

Saddam Hussein deu origem a um regime laico, com o qual os cristãos, apesar da nacionalização de suas escolas e a persistente discriminação, encontraram um cenário que permitiu à Igreja realizar atividades também no campo sócio-caritativo.

Êxodo

No entanto, já na época da ditadura, começou a registrar-se uma crescente emigração, também por conta dos vários conflitos no País. Numerosas comunidades cristãs iraquianas foram forçadas a viver na diáspora. O êxodo mais intenso ocorreu após a intervenção militar dos Estados Unidos, em 2003, devido à insegurança, à violência e aos atentados, e entre 2014 e 2017, com a chegada do Estado Islâmico no norte do país.

(Foto: Ajuda à Igreja que Sofre)

Na véspera da segunda Guerra do Golfo, estimava-se que os cristãos no Iraque estavam entre 1 e 1,4 milhão (6% da população). Desde então, sua presença reduziu drasticamente até, chegando até a cerca de 300 mil, segundo dados da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, sigla em inglês). Porém, aos poucos, esse número voltou a crescer.

Com a ocupação do Estado Islâmico da Planície de Nínive, mais de 100 mil pessoas foram forçados a fugir de suas casas junto com outras minorias perseguidas, como os yazidis. Muitas dessas famílias encontraram refúgio no Curdistão iraquiano, mais precisamente em Ankawa, bairro cristão de Erbil, em campos de refugiados na Jordânia, Síria, Turquia e Líbano, ou buscaram asilo na Europa e em outros continentes.

A fúria destrutiva dos jihadistas não poupou suas igrejas e propriedades, que foram destruídas ou severamente danificadas.

Recomeço

Depois da derrota do Estado Islâmico no Iraque em 2017, os cristãos começaram lentamente a retornar à Planície de Nínive, com o apoio de organizações como a ACN, que está contribuindo para a reconstrução das casas (mais de 14 mil) e das igrejas destruídas ou danificadas (das 363 estruturas envolvidas que incluem também prédios com funções sanitárias, de apoio social e educativas, 34 foram totalmente destruídos, 132 incendiadas e 197 parcialmente danificados).

Em novembro de 2020, quase metade dos cristãos de Nínive retornou, enquanto 80% das igrejas na Planície estavam sendo reconstruídas (com exceção de Mossul, onde, devido à lentidão administrativa, o trabalho começou em apenas uma igreja de dez).

Igreja Católica em Qaraqosh, no Iraque (Foto: Vatican News)

Igreja Católica

Os católicos iraquianos estão divididos entre caldeus, siríacos, armênios, latinos e greco-melquitas. Segundo dados do Escritório Central de Estatística da Igreja, os católicos no Iraque são 590 mil, em uma população total de 38,4 mil, ou seja, cerca de 1,5 % da população.

São 17 circunscrições eclesiásticas, com 122 paróquias e 12 centros pastorais. Os bispos no país são 19, os sacerdotes diocesanos 113 e os sacerdotes religiosos 40, os diáconos permanentes são 20, os religiosos não sacerdotes 8, as religiosas professas 365, os missionários leigos 4, as catequistas 632. Há 32 seminaristas maiores. Há, ainda, 69 centros de educação de propriedade ou dirigidos por eclesiásticos, que acolhem mais de 6 mil estudantes. A Igreja no país também administra 35 centros caritativos e sociais.

(Com informações de Vatican News, Agência Fides e ACN)

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