O itinerário da Via-Sacra na vivência da espiritualidade quaresmal

O SÃO PAULO apresenta a história da Via-Sacra e o caminho de dois santos que viveram o mistério pascal de Cristo

Arte com a reprodução das Estações da Via-Sacra do Santuário Pai das Misericórdias

A celebração da Quarta-feira de Cinzas inaugura o tempo litúrgico da Quaresma, que para nós, católicos, é tempo de conversão e de renovação da vida interior. Entre as práticas de piedade mais indicadas para este período está a Via-Sacra ou Via Crucis (Caminho da Cruz), que consiste na meditação da Paixão e Morte de Jesus Cristo, do momento em que é julgado e injustamente condenado, até a sua crucificação e morte no Monte Calvário.

Dividida em 14 estações, mais do que contar uma história, essa devoção milenar nos pretende fazer percorrer um itinerário espiritual que nos colocará frente a frente com o amor de Deus.

Itinerário da Cruz

Juntos, os quatro Evangelhos narram com riqueza de detalhes todos os acontecimentos da Paixão de Cristo. “O entendimento bíblico é que o momento da cruz é o ápice da vida de Jesus, pois a sua Paixão, ou seja, a cruz, a morte, confere sentido à vida de todo ser humano. A cruz é o símbolo da salvação de cada pessoa”, enfatizou Padre Rafael Vieira, da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos).

O Sacerdote destacou ainda que “rezara Via-Sacra significa mergulhar no mistério da vida de cada pessoa, e ela tem a oportunidade de refletir sobre a vida de Jesus para dar luzes e rumos à sua própria vida. É, também, a oportunidade de cada fiel se associar à Paixão de Cristo, entregando os seus próprios sofrimentos e angústias para que sejam transformados pela força do Espírito Santo”.

História

Historicamente, a meditação da Via-Sacra foi iniciada no tempo das Cruzadas – expedições militares em direção à Terra Santa, promovidas durante a Idade Média pelos reinos europeus cristãos, com o intuito de reconquistar e libertar os lugares santos do domínio turco, que impedia as peregrinações de cristãos a tais locais sagrados, berço do Cristianismo.  Com o tempo, na impossibilidade de visitar presencialmente esses lugares, os cristãos passaram a produzir expressões artísticas (quadros e esculturas) com cenas da Via-Sacra descritas no Evangelho, e assim, percorreram esse caminho espiritualmente e de forma contemplativa.

Relatos da Beata Ana Catarina Emmerich registrados no livro “A amarga Paixão”, sobre suas experiências místicas da Paixão  de Cristo,  indicam  que a primeira Via-Sacra ocorreu muito antes, durante a própria Paixão de Cristo, tendo sido percorrida pela Mãe de Jesus, acompanhada de um pequeno grupo de mulheres.

Dados registram que, em Jerusalém, até o século XII, aos peregrinos que lá chegavam só eram oferecidos guias para a visita aos locais santos, sem nenhuma menção à Via Dolorosa. Somente no fim do século XIII começaram a incluir o itinerário da cruz de Cristo e a identificá-lo entre etapas ou estações, cada uma dedicada a um episódio da Paixão.

No final do século XIV, surgiu um roteiro que percorria o sentido inverso da Via Dolorosa, que partia do Santo Sepulcro até o Monte das Oliveiras.

A devoção à Via-Sacra foi amplamente divulgada pelos Franciscanos que se dedicaram à propagação da veneração à Via Dolorosa de Cristo. Em suas igrejas e conventos, ergueram e construíram as estações da Via-Sacra. Foram os Franciscanos que obtiveram dos Sumos Pontífices a concessão das indulgências associadas à prática da Via-Sacra.

Ao longo dos tempos, essa prática sofreu algumas modificações, até  que em 1742 o Papa Bento XIV aprovou sua fórmula e recitação composta por 14 estações que representam as cenas da Paixão. São João Paulo II sugeriu a inclusão da 15ª estação: a Ressurreição de Jesus na Via-Sacra.

Indulgências

A Via-Sacra é um momento penitencial no qual, além de meditar os mistérios dolorosos da vida de Jesus, o fiel pode obter as indulgências.

“As indulgências são graças que curam os efeitos do pecado na vida do ser humano, ou seja, apagam as penas temporais. Não é, portanto, o perdão dos pecados, pois esse perdão é dado pelo sacramento da Reconciliação. O pecado sempre deixa consequências ou marcas em nossa vida, que geram penas temporais, e as indulgências apagam essa pena temporal, assim como as penitências, que são atos bons que reparam o mal que nasceu do pecado cometido. A Penitência corrige os maus hábitos”, destacou Padre Rafael.

Ao percorrer o caminho feito por Jesus por meio da Via-Sacra, concede-se  a indulgência plenária ao fiel que reza a Via-Sacra meditando cada estação diante da representação das estações ou de um crucifixo, juntamente com as três condições da indulgência: confissão sacramental; comunhão eucarística; oração nas intenções do Sumo Pontífice.

Viveram a experiência da Via-Sacra

Ao longo da história da Igreja Católica, muitos santos se destacaram pela vi- vência do mistério pascal de Cristo, como é o caso de São Leonardo de Porto Maurício e Santa Eustáquia de Messina. Ambos deixaram um legado de fé por meio do testemunho pautado na espiritualidade e no itinerário da vivência da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.

São Leonardo de Porto Maurício

Paulo Jerônimo nasceu em Porto Maurício, perto de Gênova, na Itália, em 1676. Ainda pequeno, ficou órfão e foi entregue aos cuidados do tio. Em Roma, concluiu os estudos no Colégio Romano. Ingressou na Ordem Franciscana, no Convento de São Boaventura, vestiu o hábito e recebeu o nome de Leonardo.

No século XVIII, foi o grande apóstolo da devoção à Via-Sacra. Também é considerado o salvador do Coliseu, ao promover pela primeira vez a liturgia da Via-Sacra naquele local que foi marcado pelo martírio dos cristãos.

A partir desse ato, a celebração da Via-Sacra tornou-se tradição histórica e permanece viva até hoje: a cada Sexta-feira da Paixão, o Pontífice faz a Via-Sacra no Coliseu, em Roma.

São Leonardo destacou-se pela vivência e devoção da Via-Sacra e o amor à Virgem Maria. O Papa Pio XI o declarou padroeiro dos sacerdotes que se consagram às missões populares no mundo. É o Santo que divulgou e propagou a devoção da Via-Sacra no Ocidente. Construiu 572 Vias-Sacras, na Itália, entre 1731 e 1751.

Morreu em 26 de novembro de 1751, em Roma, no Convento de São Boaventua, mesmo local onde consagrou sua vida a Deus e à espiritualidade da Via Dolorosa de Jesus.

Santa Eustáquia de Messina

Descendente de nobre e riquíssima família, nasceu em 25 de março de 1434, em Messina, na Itália. Aos 15 anos, renunciou às núpcias e ingressou no Convento das Clarissas Urbanistas de Basicó.

Dedicou sua vida ao Mistério da Paixão de Cristo. Fundou um mosteiro com o ideal de Santa Clara, pautado na austeridade amorosa a Jesus pobre e sofredor. Deixou como legado uma série de meditações sobre a experiência mística e espiritual do profundo amor à Paixão de Jesus, registrada no Livro da Paixão.

Morreu em 20 de janeiro de 1485 e seu corpo permaneceu incorrupto na igreja do Mosteiro em Messina. Foi beatificada pelo Papa Pio VI em 1782, e canonizada por São João Paulo II em 12 de junho de 1988. Sua memória litúrgica é celebrada em 20 de janeiro.

Estações da Via-Sacra

1 Jesus é condenado à morte

2 Jesus carrega a cruz

3 Jesus cai pela primeira vez

4 Jesus encontra a sua Mãe

5 Simão, o Cireneu, ajuda Jesus a carregar a cruz

6 Verônica enxuga o rosto de Jesus

7 Jesus cai pela segunda vez

8 Jesus encontra as mulheres de Jerusalém

9 Jesus cai pela terceira vez

10 Jesus é despido de suas vestes

11 Jesus é pregado na cruz

12 Jesus morre na cruz

13 Jesus é descido da cruz e entregue a sua Mãe

14 Jesus é sepultado

15 A Ressurreição de Jesus

(Com informações de Paulinas e Eustáquia de Messina Blogspot)

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