Pais, os primeiros educadores, são parceiros da escola na alfabetização

Diante do receio de que a falta de aulas presenciais possa prejudicar o nível de aprendizado dos filhos, é tempo de recordar que educar para as virtudes começa em casa

Com as recomendações de isolamento social em razão da pandemia de COVID-19, as escolas fecharam, as aulas on-line se tornaram uma alternativa para a sequência dos estudos e os pais, em muitos casos, passaram a conviver praticamente o dia todo com os filhos e a participar de forma mais próxima do processo de ensino e aprendizagem.

Esse cenário tem sido ainda mais desafiador para os pais que precisam auxiliar as crianças nos primeiros passos da alfabetização, que, geralmente, é feita em unidades escolares com as esperadas adaptações para cada faixa etária.

“Uma criança de 2 anos e meio, por exemplo, precisa de espaço para correr, escalar, carregar coisas. Na escola, ela poderia correr na quadra, brincar com os amigos, encontrar um equipamento preparado para seu desenvolvimento motor. Numa casa, muitas vezes pequena, completamente plana e com pais que nem sempre têm tempo e compreensão para as necessidades delas, as crianças ficam profundamente agitadas, instáveis emocionalmente, o sono é impactado e a fome também é afetada”, comenta Gabriel Salomão, pesquisador, estudioso do método Montessori (leia mais na parte final da reportagem) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP).

Educar para as virtudes

Nessas circunstâncias, que não são as ideais, é natural que os pais se preocupem se as crianças serão prejudicadas em seu processo de alfabetização.

Em recente artigo no O SÃO PAULO, Simone Ribeiro Cabral Fuzaro, mestra em Educação, com mais de 30 anos de experiência profissional, ressaltou: “A maior aprendizagem dos filhos neste ano não será a de conteúdos conceituais (Português, Matemática, Física, Química etc.), e sim a de conteúdos atitudinais (virtudes, competências socioemocionais). Valorize essa aprendizagem! Ela possibilitará que eles se formem para enfrentar as demais dificuldades que encontrarem pela vida, além de torná-los pessoas melhores para o mundo”.

Salomão, com base no método montessoriano, indica que a primeira atitude dos pais é observar o comportamento das crianças e permitir que elas se esforcem por realizar as atividades. As intervenções dos adultos devem ocorrer apenas para explicar algo novo ou quando tiverem plena certeza de que um comportamento da criança é prejudicial a si mesma, a outras pessoas, seres vivos ou ao ambiente. O diálogo deve ser sério, breve e objetivo, porém sem envergonhá-la. Ele citou o exemplo de uma criança que sobe no sofá com o calçado sujo de barro: “Vá até a criança, se abaixe, olhe nos olhos dela – pois isso indica respeito e facilita a compreensão – e diga alguma coisa na linha de ‘para subir no sofá, por favor, tire seus sapatos’. Nós precisamos interromper de uma forma muito firme, para que a criança saiba exatamente o que está acontecendo e o que precisa mudar”.

De acordo com o professor Vladimir Gonçalves dos Santos, diretor de formação do Colégio Catamarã, que adota o modelo da educação personalizada (leia mais na sequência deste texto), na fase de alfabetização, as crianças, com a ajuda dos pais e dos professores, podem desenvolver bons hábitos nos estudos, na organização pessoal, nas brincadeiras e na convivência com amigos e familiares.

“É um período oportuno para ensinar as virtudes do trabalho, da ordem e da alegria na tarefa bem-feita. Quando a criança é convidada a traçar uma letra, a decodificar o som de uma letra ou palavra, está não apenas aprendendo a ler e escrever, mas também a se esforçar para alcançar um bem”, assegura.

Na escola e em casa

Santos comenta que a alfabetização é facilitada quando os pais criam em casa um ambiente que favoreça a prática da leitura e da escrita: “Ter bons livros, lê-los em voz alta, conversar sobre eles com as crianças são algumas dentre as muitas atividades que precisam aparecer na rotina da família”.

(Crédito: Pixabay)

A professora Isabella Galletti, coordenadora do Ensino Fundamental 1 do Colégio Catamarã, lembra que, no ambiente da escola e, também, em casa, muito pode ser feito cotidianamente para que as crianças desenvolvam virtudes, como, por exemplo, manter no local da atividade somente o que é necessário; deixar tudo ordenado ao terminar; cuidar bem dos pertences; usar o tempo para realizar uma tarefa com paciência e constância, corrigindo o que precisar ser aprimorado; respeitar o ritmo dos companheiros e com eles cooperar; fazer o que for capaz com autonomia; recomeçar, se preciso, sem se deixar vencer pelo desânimo; e respeitar a rotina, para melhor aproveitar o tempo, a partir de um plano de trabalho e de estudo.

Salomão destaca que a principal colaboração dos pais no processo de alfabetização é efetivamente dialogar com as crianças e não apenas lhes dar ordens ou dizer o que elas não podem fazer. “Deve ser uma comunicação que envolva bate-papo, diálogo, contar a história do que aconteceu no dia, pedir a opinião da criança sobre alguma coisa que precisa, cantar junto, contar a história da vida”, afirma.

“Para aumentar o vocabulário da criança, os pais devem ler livrinhos para elas, as famílias podem fazer os jogos de som. Além disso, para poder escrever um dia, a criança precisa ter um bom movimento de pinça com os dedos. Assim, por exemplo, quando os pais forem fazer uma sopa, é aconselhável picar as coisas e pedir que sejam colocadas nas panelas pelas crianças. Ter lápis de cor em casa para a criança desenhar e pintar também é bom, pois isso prepara uma habilidade para a alfabetização”, completa Salomão.

Cada criança tem um ritmo

Isabella lembra que os pais precisam conter a ansiedade quando comparam, no começo do processo de alfabetização, os avanços dos filhos com os de outras crianças. “É importante respeitar o ritmo de cada aluno, estimulando-o sempre para que desenvolva ao máximo suas aptidões. As tutorias, a parceria do educador com os pais, auxiliarão com o que dá para ser estimulado em casa e nos pontos que devem ficar atentos, como, por exemplo, a troca de letras na leitura e escrita, que pode ser um ponto de atenção e investigação”.

Santos também comenta que os pais devem estar atentos se o filho consegue perceber as diferenças dos sons de algumas letras e ler palavras simples ou mais complexas. “Tudo isso, claro, sem grandes ansiedades: a alfabetização é um processo que pode durar menos ou mais tempo, dependendo da criança”, enfatiza.

Simone Fuzaro, no artigo já mencionado, recomenda que os pais tenham permanente contato com a escola e sejam receptivos. “A escola conhece os objetivos que pretende alcançar com o que está propondo. Exponha com clareza as dificuldades reais que encontra para realizar uma proposta. A realidade de cada família é única, e a escola não conseguirá atender às expectativas e imaginar as possibilidades de cada uma se isso não for compartilhado”, observa.

Conheça o método Montessori

Maria Montessori criou o método de ensino (crédito: Montistory)

A católica italiana Maria Montessori (1870-1952) criou o método de ensino que hoje leva seu nome e que tem por objetivo o desenvolvimento da vida da criança de forma integral e profunda, a partir da observação de seu comportamento. Para tal, no ambiente da escola, elas devem ter liberdade para fazer tudo o que as conduza a uma boa evolução.

Maria Montessori postulou que o desenvolvimento acontece em fases, que são chamadas de Planos de Desenvolvimento. No primeiro, de 0 a 6 anos de idade, as crianças procuram aprender como o mundo funciona e adquirir independência física em relação ao adulto. Conforme dominam o mundo mais próximo de si, começam a ansiar pelo desconhecido, chegando à etapa seguinte.

Gabriel Salomão, pesquisador da Organização Montessori e autor da plataforma Lar Montessori, comenta que, pelo método montessoriano, não basta dizer à criança qual é o comportamento correto. É preciso dar condições para que este se desenvolva. Por isso, na escola, a preocupação não está em fazê-la decorar conceitos e regras, mas, sim, que a criança assuma a responsabilidade com o próprio aprendizado. Elas também são estimuladas a colaborar uma com as outras nas atividades.

“Um fenômeno muito interessante que acontece com as crianças pequenas e com os adolescentes é uma transformação da personalidade quando percebem que são capazes de fazer coisas difíceis. A criança se torna mais generosa, disciplinada, consigo mesma e com os outros”, explica Salomão.

As habilidades esperadas para o período da alfabetização são conquistadas gradualmente. Embora uma criança com 3 anos de idade ainda não saiba escrever, ela já tem condições de entender o som das letras: “Como essa criança gosta de brincar de som, nós pegamos um conjunto de objetos – uma colher, uma borracha, uma miniatura de uma taça, uma garrafa, uma xícara – e o colocamos em uma mesinha para que ela brinque com os sons”, detalha.

Na sala de aula montessoriana, crianças colaboram entre si para a realização das atividades e assumem responsabilidades com o próprio aprendizado

Uma vez aprendido os sons da língua, as crianças têm contato com as chamadas “letras de lixa”, feitas de madeira e papelão, para já poderem conhecer o formato da letra e associar seu som com a inicial de algo com que tenham contato frequentemente. “Essa criança vai passando o dedinho na letra. O som ela já conhece e agora está conhecendo as formas que esse som tem”, diz Salomão.

Também são realizadas atividades de colorir desenhos com formas geométricas. “Fazendo isso, a criança treina, ao mesmo tempo, o traçado, o som de cada letra e a utilização do lápis. Assim, devagar, ela está se aproximando da escrita. Com 4 anos de idade, trazemos um novo material, o alfabeto móvel, com letras recortadas em papelão ou plástico, com várias letras organizadas em uma caixa. A criança escolhe a palavra que quer compor e consegue, pois já sabe o som das letras. Ela precisa, porém, ter um bom repertório de palavras e nisso as famílias podem ajudar, contando histórias, lendo poesia, cantando junto. Assim, um dia, as crianças leem sozinhas, naturalmente”, conclui Salomão.

Saiba mais sobre a educação personalizada

O Colégio Catamarã adota o modelo de educação personalizada, que preconiza que a aprendizagem é um processo individual e requer tempo. Por isso, há um programa pessoal para auxiliar o educando a desenvolver ao máximo suas capacidades.

O modelo da educação personalizada foi criado em 1963, na Espanha, quando um grupo de pais e professores sistematizou uma instituição educativa, Fomento de Centros de Ensino, com a proposta de que as famílias e as escolas atuem conjuntamente na educação das novas gerações. Essa iniciativa ganhou o apoio de São Josemaría Escrivá, que sempre dizia aos pais que a primeira missão que lhes cabia era educar bem os filhos.

As bases da educação personalizada foram arquitetadas por Víctor García Hoz, fundador da Sociedade Espanhola de Pedagogia, partindo do princípio de que é pela unidade entre família e colégio que se consegue o desenvolvimento das virtudes, forças interiores, hábitos arraigados, que vão se tornando permanentes na vida de uma pessoa, de modo que ela faça as coisas por motivação própria e de uma maneira cada vez mais perfeita.

Cada estudante é olhado individualmente no decorrer do processo educativo, pelo modo como desenvolve suas virtudes, potencialidades e capacidades; e também se procura que alcance a autonomia, dominando seu desenvolvimento e aprendizagem.

Por esse modelo, na etapa de alfabetização, cada aluno é estimulado a aprender no ritmo e com as adaptações devidas às suas necessidades pessoais. “No Colégio Catamarã, com a ajuda do professor e dos auxiliares, a criança é convidada a realizar uma série de atividades que têm como fim desenvolver as habilidades específicas de que precisa para o seu processo de alfabetização, o que inclui atividades de desenvolvimento da motricidade fina, circuitos de psicomotricidade global, atividades com bits de inteligência, entre outras”, explica o professor Vladimir Gonçalves dos Santos, diretor de formação do Colégio Catamarã.

Já a professora Isabella Galletti, coordenadora do Ensino Fundamental 1 do colégio, comenta que o aluno é o protagonista de seu próprio aprendizado, de modo que, na alfabetização, “o professor está atento e realiza atividades diferenciadas, com acompanhamento individual de leitura e escrita, para que cada aluno alcance sua excelência pessoal, pois sabe que todo aluno é capaz, e ele, professor, tem a função de ajudá-lo a crescer para avançar”.

Há, ainda, as tutorias, que acontecem ao longo do ano, nas quais o casal e o professor, em parceria, avaliam, entre outros aspectos, os pontos da alfabetização. “Com a pandemia, são realizadas, para auxiliar os pais semanalmente, as conferências individuais com os alunos, nas quais a professora acompanha e incentiva este processo de alfabetização, assim como possui momentos com os pais para orientá-los como podem trabalhar e incentivar seus filhos, diariamente, em casa”, explica Isabella.

(Colaborou: Flavio Rogério Lopes)

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