Você conhece a história da ‘quarentena’?

O isolamento de doentes ocorre desde os tempos bíblicos. Entretanto, apenas na Peste Negra foi criada a palavra ‘quarentena’, para nomear o período de 40 dias de isolamento para evitar a transmissão de doenças contagiosas

(Crédito: Agência Brasil)

Provavelmente, o termo “quarentena” nunca foi tão usado na história. Nos jornais e nas redes sociais, não se passa um dia sem que nos deparemos com ele pelo menos algumas dezenas de vezes. Entretanto, a origem das práticas de isolamento social e do termo “quarentena” tem uma longa história, que pode ser remetida aos tempos bíblicos.

No Antigo Testamento, há algumas passagens que relatam a necessidade de isolamento de pessoas com lepra. No livro do Levítico, capítulo 13, e no primeiro livro dos Números, capítulo 5, há prescrições que ordenavam o isolamento de pessoas com sintomas de lepra.

Em 549, o imperador bizantino Justiniano (482-565) estatuiu as primeiras leis conhecidas, depois das do Antigo Testamento, de isolamento, que obrigavam que os viajantes vindos de áreas empestadas deveriam se isolar.

A China e outros povos asiáticos também criaram leis semelhantes. Entretanto, o termo “quarentena” não foi usado em nenhum desses exemplos.

A Peste Negra – origem da ‘quarentena’

Apenas no século XIV, a palavra passou a existir, na chamada Peste Negra, que, em diversas ondas, dizimou, pelo menos, um terço da população europeia. A doença chegou no continente pelo sul em 1347 e três anos depois já havia chegado à Inglaterra, Rússia e Alemanha. O impacto profundo da Peste na Europa obrigou as cidades a instituir medidas extremas de controle de doenças.

Em 1374, por exemplo, na cidade de Reggio Emilia, Itália, foi ordenado que todos infectados da peste fossem retirados da cidade e levados ao campo para lá morrerem ou se recuperarem. Algo similar foi feito à época no movimento porto de Ragusa, no Mediterrâneo, na região da atual Croácia.

Jacó de Pádua, médico da cidade, após a chegada da Peste Negra, criou um lugar fora da cidade para o tratamento dos doentes, que recebia, inclusive, pessoas de outras cidades. O médico baseava-se na teoria da época acerca de como ocorria o contágio da Peste, segundo a qual a doença era transmitida pelo doente ao saudável. As medidas não surtiram um grande efeito, e o Conselho da Cidade decidiu tomar medidas mais drásticas.

Foi estabelecido um período de 30 dias de isolamento para algumas pessoas, chamado de trentino. A lei obrigava que: (1) visitantes de áreas empestadas apenas seriam admitidas na cidade depois de um isolamento de 30 dias; (2) que ninguém poderia entrar na área de isolamento e, caso entrasse, teria de ficar isolado também por um mês; (3) ninguém poderia levar comida aos isolados, com exceção dos responsáveis escolhidos pelo Conselho; (4) que qualquer um que desrespeitasse as normas seria multado e teria de fica em isolamento por 30 dias.

Nos 80 anos seguintes, leis similares foram aplicadas em Marselha, Pisa e Genova.

Nesse mesmo período, provavelmente em Veneza, o período de isolamento estendeu-se para 40 dias, e o termo utilizado passou de trentino para quarantino, que deu origem à palavra “quarentena”.

A razão para a extensão do dias de isolamento não são claras. Alguns autores sugerem que o período de 30 dias era insuficiente para conter a peste; outros associam a mudança à quaresma, um tempo de 40 dias de purificação; outros dizem que a escolha se deu devido aos inúmeros eventos bíblicos com o número 40. Talvez, ainda, a mudança ocorreu por causa de uma teoria médica dos gregos antigos, segundo a qual uma doença contagiosa se manifesta dentro de 40 dias depois do contágio.

O termo ‘quarentena’passa a ser usado a todo tipo de isolamento

Após a Peste Negra, o termo “quarentena”, entretanto, desvinculou-se do período de 40 dias e passou a ser aplicado a todo sistema de isolamento em caso de doenças contagiosas, independentemente do período que dure.

Na época da escravidão, devido às epidemias de tifo e varíola, que atingiram os maiores portos de venda de escravos, todos os navios vindos da África tinham de ficar em quarentena, que já não significava, necessariamente, 40 dias. Se nenhum sinal da doença havia no navio, ele era liberado. Caso houvesse o mínimo sinal de contágio, o navio poderia ficar meses isolado.

Na colônias europeias, a quarentena se tornou o instrumento principal para o combate às doenças contagiosas, especialmente a febre amarela, a cólera, a varíola e o tifo. Na Europa, depois do século XIV, quarentenas se tornaram comuns, e seu uso foi essencial no combate à pandemia de cólera do século XIX.

Mais recentemente, a quarentena foi amplamente utilizada para enfrentar a AIDS – antes de se ter conhecimento acerca da sua forma de transmissão – e do Ebola.

A pandemia de coronavírus – a maior quarentena da história

O novo coronavírus obrigou quase todos os países a aplicar medidas de isolamento, por um período de, no mínimo, dois meses. Ela foi aplicada não só aos doentes ou aos que tiveram contato com eles, mas a populações inteiras. Pelo menos um terço da população mundial, 2,8 bilhões de pessoas, sofreu alguma restrição e viveu, neste ano, sob quarentena.

A história nos mostra que medidas de quarentena são comuns para impedir a proliferação de doenças contagiosas. A quarentena do novo coronavírus é mais um capítulo nessa história e, talvez, será recordada como a maior já realizada para o combate de uma doença contagiosa.

FONTES: The Origin of Quarantine – Paul S. Sehdew; Encyclopedia of Pestilence, Pandemics and Plagues, Greenwood Press; BBC

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