Inteligência Artificial: ‘Eu não posso imaginar’

Gerd Altmann/Pixabay

Antes de iniciar esta leitura, pare um instante e responda à seguinte questão: “Como você imagina que seja o céu?”

Se você continuou a leitura sem realizar a proposta de imaginação, acredite, sua experiência com este artigo não será a mesma. Confie, volte ao parágrafo anterior e imagine.

Ao imaginar o céu, você acessou várias áreas de seu intelecto, como memória, conhecimento, crenças etc. Talvez sua construção imaginativa tenha aquele aspecto azul-anuviado, cheio de anjos, tão representado em ficções. Talvez você tenha pensado em tronos imponentes onde estaria a Trindade ou ainda numa multidão vestida de branco. O resultado dessa provocação criativa pode ter milhões de variações, porque corresponde diretamente às concepções daquele céu que você imaginou. Mas o que é unânime em tudo isso? É que PODEMOS IMAGINAR. A inteligência humana é dotada da possibilidade de representar imagens de coisas reais ou ideais.

Fizemos a mesma proposta do início deste artigo a uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA), o ChatGPT, e a resposta foi a seguinte: “Eu, como uma inteligência artificial, não tenho pensamentos, sentimentos ou a capacidade de imaginar, ou especular sobre o céu. Minha função é fornecer informações, responder a perguntas e auxiliar em tarefas com base no conhecimento com o qual fui treinado”.

Portanto, embora capaz de criar argumentações convincentes, produzir notícias e artigos científicos e até dar dicas de beleza e culinária, a própria ferramenta de IA reconhece sua limitação quanto a algumas capacidades humanas, e isso é basilar para compreendermos que os avanços tecnológicos não são uma ameaça à primazia do homem, mas um fragmento de sua inteligência orgânica que, ordenado, é um maravilhoso dom de Deus.

Para derrubar aviões e fazer pipoca

Embora notoriamente útil, não surpreende a especulação de que a IA apresenta possíveis problemas relacionados à violação de valores como transparência e privacidade. Mas a ambivalência é um fator que frequentemente acompanha as inovações. A tecnologia de micro-ondas, por exemplo, surgiu na 2ª Guerra Mundial e servia para detectar sinais de aeronaves inimigas, com o intuito de abatê-las. Em 1946, o engenheiro Percy Spencer patenteou um equipamento com essa tecnologia para uso doméstico, utilizado para aquecer e preparar alimentos. Assim como o forno micro-ondas, também o GPS, as câmeras digitais, os computadores e a própria internet são tecnologias inventadas para a guerra, mas aproveitadas em funções muito pacíficas do nosso cotidiano.

A aplicação de qualquer ferramenta estará sempre em detrimento da intenção de quem a manipula. O repertório de riscos e vantagens no uso da IA são igualmente amplos. Por isso, é preciso moderar o deslumbre, mas também desarmar a desconfiança para usufruir de toda potencialidade dessas ferramentas, inclusive na própria missão da Igreja, tornando tarefas, antes complexas e demoradas, em ações simples, como fazer pipoca de micro-ondas.

Algorética: por uma robótica mais humana

Prevendo que a má aplicação das ferramentas de IA possam abrir espaço para danos sociais, a Igreja acompanha atentamente e apresenta orientações para que o desenvolvimento dessas novas tecnologias não se perca de sua finalidade, que é beneficiar a vida humana.

Com essa preocupação, o frade franciscano Paolo Benanti, especialista em ética, bioética e ética das tecnologias, cunhou a expressão “algorética”, unindo os termos “algoritmo” e “ética”. O religioso afirma que “se queremos que as máquinas sejam um suporte à humanidade e ao bem comum, então os algoritmos devem incluir valores éticos e não apenas numéricos”.

Consciente de que bem mais desafiador do que fundir essas duas palavras na gramática é combinar na prática esses dois conceitos, o Papa Francisco escolheu como tema para o próximo Dia Mundial da Paz, em 1° de janeiro de 2024, “Inteligências Artificiais e Paz”.

A recomendação por uma algorética é um apelo pastoral do Sumo Pontífice para que o desenvolvimento tecnológico e a ética não estejam apenas em acordo diplomático, mas em união siamesa, de modo que a IA não seja uma imprevisível “caixa de Pandora”, de onde saem maravilhas e horrores, mas um instrumento do bem comum, uma mão mecânica que aponta valores humanos.

Entre serpentes e pombas

É no equilíbrio entre a prudência da serpente e a simplicidade da pomba, recomendada no Evangelho (cf. Mt 10,16), que a Igreja dialoga com seu tempo. Muito longe de uma ação instintiva, como a desses animais, ela avança com conhecimento de causa e sabedoria, num rastejo bem terreno, consciente das realidades do mundo, e, ao mesmo tempo, alçando altos voos, chamando sempre a atenção da humanidade para o céu.

Esse caráter simples e prudente é indicado pela Irmã Joana Puntel, religiosa Paulina, doutora em Ciências da Comunicação: “A Igreja dá as boas-vindas às novas tecnologias porque não perde de vista sua essência, que é anunciar a Boa Nova, se servindo cada vez mais da linguagem disponível no tempo atual. Mas ela tem seus critérios, que são sempre de defesa do ser humano”.

Dois milênios separam a máxima de Jesus – “O que é impossível para os homens é possível para Deus” (Lc 18,27) – e o surgimento da tecnologia de Inteligência Artificial. Entretanto, a afirmação de Cristo continua prevalecendo sobre estas inovações. Seja na programação, seja no fornecimento de dados, bem como no comando direto ou na aplicação do resultado, toda tecnologia começa e termina no homem, essa criação verdadeiramente surpreendente e irrepetível, que só Deus pôde criar. Por isso, é preciso entender a IA como ela realmente é: uma ferramenta capaz de fazer o trabalho ordinário de cem homens, mas que nunca substituirá o trabalho extraordinário de Deus: o homem. E com ela, a missão de todo batizado de anunciar o Evangelho a toda criatura, pode ir muito mais longe. Você pode imaginar?

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários