A relação entre acolhida e comunicação pode não ser imediatamente evidente. Embora representem tarefas distintas e até constituam pastorais separadas nas comunidades paroquiais, suas essências estão intrinsecamente conectadas.
Irmã Helena Corazza, FSP, jornalista, professora no Sepac – Serviço à Pastoral da Comunicação Paulinas e autora do livro “Acolher é comunicar” explica essa relação: “A acolhida é uma dimensão da comunicação humana, um processo de relacionamento que envolve a pessoa que acolhe. Tanto a acolhida quanto a comunicação exigem uma atitude consciente que nos faz sair de nós mesmos para encontrar o outro”.
TOCADO POR DEUS
Como parte do 1º sínodo arquidiocesano (2017-2023), foi realizada uma pesquisa de campo, em 2018, para mapear a realidade religiosa e pastoral da Arquidiocese de São Paulo. Entre aqueles que afirmaram não ser católicos, 55,73% revelaram tê-lo sido no passado. Ao serem perguntados sobre os motivos que os levaram a abandonar a fé católica, 38,59% mencionaram ter encontrado uma boa acolhida em outra igreja ou religião. Essa é uma realidade que nos leva ao inevitável questionamento: como está sendo nossa acolhida dentro e fora da Igreja Católica?
Rogério Paiva Senna fez parte dessa estatística. Apesar de ter nascido em uma família católica, viveu afastado da Igreja por muito tempo. Ensaiou uma reaproximação, mas justamente a falta de acolhida o fez permanecer distante por mais alguns anos: “No dia em que enfim resolvi ir à igreja, meu celular tocou no meio da missa. Eu não me lembrei de deixá-lo no silencioso, não estava acostumado com o ambiente. Na mesma hora, muitas pessoas começaram a me olhar com reprovação. Eu me senti tão mal que não quis mais voltar”.
O celular que toca na hora errada, a roupa que é tachada como inadequada, o costume que distingue “carismático” e “tradicionalista”. As reações hostis a situações assim acabam promovendo divisão e transformando irmãos em “auditores da fé do outro”, quando, na verdade, a igreja deveria ser o local de encontro daqueles que são reconhecidos pelo amor: “Se tiverem amor uns pelos outros, todos saberão que vocês são meus discípulos” (cf. Jo 13,35).
Felizmente, Rogério voltou à igreja. Dessa vez, com o celular silenciado, o que tocou foi seu coração e o desejo de colaborar para uma comunidade cada vez mais acolhedora. “Hoje faço parte da equipe de acolhida da minha paróquia e sei como ninguém a importância de fazer as pessoas se sentirem bem na casa de Deus”, afirmou.
COMO ACOLHER AS ‘PESSOAS DIFÍCEIS’?
Em certas situações, a aspereza, o mau humor e a indiferença podem ser respostas indesejadas a um sorriso ou ato gentil. Existem pessoas que preferem preservar seu espaço, evitando qualquer aproximação. Devemos ignorá-las na igreja? Ou pior, devolver suas respostas com palavras e posturas irritadiças? Certamente não foi isso que Jesus ensinou. “Ofereça a outra face”, recomenda Aquele que foi difamado, humilhado e agredido injustamente.
O amor ao próximo não deve ser entendido como um “prêmio por bom comportamento”, mas como um sacrifício pessoal que nos aproxima não apenas do outro, mas também de Deus, como explica a Irmã Helena Corazza: “A atitude de atenção e gentileza para com as pessoas é o que testemunha o nosso ser cristão, seguindo os passos de Jesus, o Bom Pastor, que acolheu a todos em todos os momentos”.
Este amor inclusivo era evidente não apenas nas palavras, mas na vida de Santa Teresa de Calcutá, que explicou com uma frase simples que o afeto também é missão: “Devemos amar as pessoas boas porque elas merecem, e devemos amar as pessoas difíceis porque elas precisam”.
Algo que também ajuda a aumentar a paciência e a tolerância com o próximo é o exercício de lembrar sempre que podemos ser a “pessoa difícil” para alguém, e assim como desejamos ser considerados, devemos considerar o próximo. Afinal, este é o segredo perspicaz que Jesus deixou ao ensinar seus discípulos a rezar: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.
‘OS PROBLEMAS SÃO MEUS, MAS MINHA CARA É DOS OUTROS’
Como seres humanos, estamos constantemente respondendo aos estímulos ao nosso redor. Em situações negativas, é comum nos deixarmos levar pela emoção, demonstrando aborrecimento, mau humor, tristeza, raiva e outros sentimentos. Mas será que nessas ocasiões podemos tirar “licença” e deixar de lado a nossa capacidade de acolher?
Monsenhor Jonas Abib, fundador da Comunidade Canção Nova, costumava dizer que “os problemas são meus, mas minha cara é dos outros”, ressaltando que mesmo em dias difíceis, devemos lembrar que nosso sorriso e gentileza com o outro podem ser instrumentos de Deus para guiá-lo à salvação. Manter-se alegre, independentemente do que aconteça, não é fingimento ou caricatura de emoções, mas, sim, um sinal de reconhecimento de que a fonte de nossa alegria é o amor constante de Deus.
A “Carta Pastoral e Propostas Sinodais a partir do 1º sínodo arquidiocesano de São Paulo”, ao tratar sobre a proposta “Paróquia acolhedora e missionária: Comunidade de Comunidades”, fala da urgência de “ir ao encontro das pessoas, como Igreja em saída, nas diversas realidades pessoais e sociais, acolhendo-as na comunidade da Igreja e formar e fortalecer a consciência missionária do Povo de Deus” (p.41). Este é o convite para fazer da acolhida um testemunho que comunica amor e gera comunhão.