Após a revisão do PDE, São Paulo se tornará mais sustentável?

Instituído em 2014 e revisado recentemente, o Plano Diretor Estratégico (PDE) busca orientar o crescimento e o desenvolvimento da cidade
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Na cidade que não para, cada vez mais a “sinfonia” dos carros, ônibus, metrôs e trens tem a “concorrência” do barulho dos prédios em construção, especialmente nas regiões próximas dos eixos de transporte e nas que concentram empresas de comércio e serviços. O trânsito também é intenso nas regiões periféricas, há mais edifícios sendo erguidos, porém ainda se vê mais áreas verdes do que em outros pontos da cidade.

Na São Paulo de múltiplos cenários, pairam algumas inquietações: há como assegurar boa qualidade de vida aos seus 11,4 milhões de habitantes? A cidade pode crescer em harmonia com o meio ambiente? E o que fazer para que não se torne um “caos urbano”, como descrito pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si’?

“Nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas, mas, também, ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visual e acústica. Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso. Há bairros que, embora construídos recentemente, apresentam-se congestionados e desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é conveniente para os habitantes deste planeta viver cada vez mais submersos em cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a natureza” (LS 44).

Um plano estratégico para cidade. O Plano Diretor Estratégico (PDE), instituído pela lei municipal 16.050, de 2014, busca justamente orientar o crescimento e o desenvolvimento da cidade.

O PDE olha para o “planejamento da distribuição espacial da população e das atividades econômicas de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, a mobilidade e a qualidade de vida urbana e segurança pública municipal” (Art.6º, IX); e na busca de um desenvolvimento sustentável e equilibrado considera as dimensões social, ambiental, imobiliária, econômica, cultural e climática para a estratégia de ordenamento territorial (cf. Art.8º).

Recentemente, o PDE passou por uma revisão intermediária, prevista na própria lei que o instituiu. Após 91 atividades participativas presenciais – reuniões, oficinas e audiências públicas – e contribuições on-line, o Executivo paulistano enviou à Câmara Municipal em março o texto da revisão do PDE, que foi debatido por cerca de três meses, incluindo a realização de 51 audiências públicas, até que se chegasse ao texto substitutivo aprovado por 44 dos 55 vereadores em 26 de junho. A revisão do PDE – lei 17.975 – foi sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes em 8 de julho.

Pontos de atenção. Na revisão do PDE, foi estabelecido que a Política de Desenvolvimento Urbano, que consta na lei 16.050, estará em conformidade com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS da Agenda 2030.

Ao longo do texto, há muitos indicativos sobre o propósito de tornar São Paulo uma cidade mais sustentável, entre os quais a maior integração dos modais de transporte não motorizados aos meios de transporte público, o incentivo a soluções urbanísticas com infraestruturas verdes e a destinação de mais áreas para a construção de habitações de interesse social às pessoas com menor renda.

Um dos pontos centrais da revisão do PDE são as intervenções permitidas nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, “porções do território onde é necessário um processo de transformação do uso do solo, com o adensamento populacional e construtivo articulado a uma qualificação urbanística dos espaços públicos, mudança dos padrões construtivos e ampliação da oferta de ser- viços e equipamentos públicos” (lei 16.050 – Art. 22 §2º).

Os Eixos de Estruturação estão próximos a terminais e estações de transporte coletivo de alta e média capacidade. A revisão do PDE permitiu ampliar a construção de prédios mais altos nessas regiões, com vistas a fazer com que mais pessoas morem nessas localidades. Há o temor, porém, de que haja a proliferação de apartamentos menores e a preços mais caros do que os atuais, o que continuaria a “empurrar” os mais pobres para moradias nos miolos de bairro, onde se poderá agora construir prédios ainda mais altos, medida com potenciais impactos ao meio ambiente e ao trânsito, bem como à dinâmica dos bairros.

Parte dos resultados dessa lógica de ocupação territorial já foi mapeada. Um estudo do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) mostrou que entre 2014 a 2019 construíram-se mais de 100 mil unidades habitacionais com valor de até R$ 350 mil na capital paulista, mas destas apenas 15% foram erguidas perto dos eixos de transporte de alta e média capacidade. O tamanho médio das habitações com custo entre R$ 240 mil e R$ 350 mil passou de 63m2 no ano de 2012 para 35m2 em 2019; e de 2015 a 2019, o metro quadrado das unidades de até R$ 350 mil dentro dos eixos de transporte aumentou de R$ 6,2 mil para R$ 9,8 mil, enquanto fora dos eixos caiu de R$ 7,3 mil para R$ 6,8 mil. Em síntese, quem optou por morar perto dos modais de transportes pagou mais caro por um espaço menor, e aos mais pobres “coube no orçamento familiar” os imóveis distantes de terminais de ônibus, trens e metrô.

‘Estar em casa’ na própria cidade.Esta edição do Caderno Laudato si’- Por uma Ecologia Integral apresenta um fórum de reflexões sobre os impactos da revisão do PDE na sustentabilidade de São Paulo, especialmente no que se refere às questões de habitação, transportes e áreas verdes. Para tal, foram ouvidos especialistas em urbanismo e meio ambiente e representantes de entidades que participaram das discussões sobre a revisão do Plano Diretor Estratégico, que estará em vigor até 2029.

Aos que efetivamente irão colocar em prática a versão revisada do PDE, convêm ter em mente o que recomenda o Papa Francisco na encíclica Laudato si’ (LS 151):

“É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentimento de ‘estar em casa’ dentro da cidade que nos envolve e une”;

“É importante que as diferentes partes de uma cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem em um bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros”;

“Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados”;

“Convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente”.

LEIA A ÍNTEGRA DO CADERNO LAUDATO SI’

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