Cardeal Scherer: ‘Não se constrói a fraternidade no nível das ideias, é preciso ir às ações’

Disse o Arcebispo de São Paulo em coletiva de imprensa, na Quarta-feira de Cinzas, 22, na qual falou sobre a Campanha da Fraternidade deste ano, que aborda o flagelo da fome

Fotos: Luciney Martins/ O SÃO PAULO

O que pode ser feito em âmbito pessoal, no convívio social e na esfera política, para enfrentar o flagelo da fome? Em coletiva de imprensa na tarde da Quarta-feira de Cinzas, 22, na Catedral da Sé, o Cardeal Odilo Pedro Scherer ressaltou que esta é a grande questão apresentada este ano pela Campanha da Fraternidade (CF).

Realizada durante a Quaresma, Campanha tem como tema em 2023 “Fraternidade e fome” e lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).

Entre os objetivos permanentes da CF estão o de despertar o espírito comunitário e cristão na busca do bem comum, educar para a vida em fraternidade e renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação evangelizadora, em vista de uma sociedade justa e solidária.

UM PROBLEMA CRESCENTE E GLOBAL

O Arcebispo de São Paulo ressaltou que a fome é uma realidade não apenas do Brasil, mas em expansão em todo o mundo, por razões diversas como as mudanças climáticas, a desigualdade social, as guerras e a falta de políticas adequadas para a produção de alimentos e de preços que permitam que todas as pessoas possam ter uma alimentação de qualidade.

No Brasil, há alguns anos – recordou Dom Odilo – já tem se percebido o número crescente de pessoas passando fome, seja em áreas rurais, reservas indígenas ou mesmo nos grandes centros urbanos, como se verifica na capital paulista, onde a fome afeta não só aqueles em situação de rua, mas também as famílias mais pobres que convivem com o desemprego.

Ainda conforme lembrou o Arcebispo de São Paulo, a questão se agrava pela falta de partilha entre as pessoas e a cultura de desperdício: “Um dos graves problemas para a fome é o desperdício de alimentos. Segundo estudos, chegaria a 35% o desperdício de alimentos produzidos no Brasil, muitas vezes já prontos para consumo”, lamentou, recordando que na passagem bíblica da multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus ao ordenar aos discípulos que recolham os alimentos que haviam sobrado após todos se alimentarem interpela justamente para que se combata o desperdício.

“O problema da fome deveria questionar a todos, mas a nós, cristãos, de maneira toda especial questiona sobre o que fazemos e sobre por que existe a fome, quais são as suas causas e como podem ser superadas”, comentou o Arcebispo Metropolitano.

SEMPRE É POSSÍVEL PARTILHAR

Também participante da coletiva de imprensa, Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo Auxiliar de São Paulo e Referencial da CF na Arquidiocese, destacou que a fome é um problema real, percebido pelas muitas ações caritativas da Igreja em São Paulo e pela quantidade de pessoas em situação de rua e de famílias inteiras que perderam seu poder de renda.

Dom Rogério recordou que Jesus disse os discípulos para alimentar a multidão faminta – ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ – após estes terem argumentado que tinham pouco para partilhar: “Isso significa que a escassez não é desculpa para não repartir. Antes, é a própria exigência de repartir”.

O Prelado comentou ainda que desta passagem bíblica também se extrai o ensinamento de que diante da abundância de alimentos não se deve desperdiçar. “No Brasil, temos de um lado a fome, de outro problemas de obesidade. Na abundância, não se deve desperdiçar e é preciso repartir sempre”, enfatizou.

A VIVÊNCIA DA CF

Dom Odilo recordou que a CF é uma campanha de evangelização que ocorre durante o período quaresmal, tempo oportuno para que cada fiel reveja as próprias práticas e avalie se tem agido conforme os princípios cristãos. “E um dos princípios básicos é este: o amor a Deus e o amor ao próximo caminham juntos. Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade é um chamado para vermos se nosso amor ao próximo está sendo verdadeiro, efetivo, mediante os desafios e urgências vividas por tantas pessoas, como no caso da fome”.

A partir dessa tomada de consciência – prosseguiu o Arcebispo – há a esperança de que surjam muitos frutos de conversão pessoal e social. Também se deseja que a Campanha reverbere não apenas no interno da Igreja, mas em toda a sociedade, a fim de que se questione as razões da fome e como superá-la, rompendo a contradição de que no país que é um dos maiores exportadores de alimentos, milhões de pessoas ainda passem fome.

Coordenador da CF na Arquidiocese de São Paulo, o Padre Andrés Gustavo Marengo ressaltou que a Igreja sempre está de portas abertas para acolher os que passam fome, como bem se verificou nas muitas iniciativas das paróquias, comunidades e pastorais ao longo da pandemia de COVID-19.

O Sacerdote destacou que nas paróquias e regiões episcopais o tema da CF já vem sendo refletido em encontros formativos, que buscam abordar a questão da fome não apenas pelo viés de assistência imediata, mas de questionamento do quanto cada pessoa também é responsável pelo flagelo da fome e deve se envolver em discussões, incluindo nas de políticas públicas, para a erradicação do problema.

“A CF será um tempo para incentivar nossas catequeses, jovens e famílias a se perguntar sobre a responsabilidade que têm diante da fome, olhando o próprio estilo de vida”, comentou.

TEMPO DE AGIR

Respondendo a perguntas de jornalistas, Dom Odilo ressaltou que a vivência da fraternidade é uma exigência do Evangelho para todos os batizados e que este ano a CF lança como um desafio à fraternidade de cada pessoa o problema da fome.

“A Campanha da Fraternidade é um chamado ao realismo, a um sair do mundo das ideias e colocar o pé na realidade. Não se constrói a fraternidade no nível das ideias, é preciso ir às ações”, enfatizou o Arcebispo, exortando todos os batizados a se envolverem de algum no combate a fome.

Dom Odilo destacou, ainda, que a questão interpela os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a busca de soluções. “A fome é um problema que se resolve também mediante entendimentos políticos e políticas publicas adequadas, investimentos, portanto, envolve o povo todo e os governantes, o diálogo com as instituições políticas em todos os níveis”, concluiu.

A ÍNTEGRA DA COLETIVA DE IMPRENSA PODE SER VISTA ABAIXO

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